sexta-feira, 7 de julho de 2023

Ah, Santa Catarina, sua ingrata...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Eis os fatos. Em 2023, com apenas seis meses do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o estado de Santa Catarina está a receber um volume muito considerável de verbas federais. O dinheiro está a chegar através de emendas parlamentares ou de investimentos na malha rodoviária do estado. Não deixa de ser irônico se considerarmos que Santa Catarina é considerada o mais ostensivo reduto bolsonarista do país.

Quanta diferença para o governo anterior. Mas não surpreende. Lula é um estadista, ao contrário do seu antecessor, que discriminou a região Nordeste, numa atitude revanchista pelo desempenho eleitoral pífio. Todos lembramos daquela declaração muito pouco republicana: “daqueles governadores de 'paraíba', o pior é o do Maranhão; tem que ter nada com esse cara", disse Bolsonaro para gáudio do seu gado.

Vamos falar de rodovias? Em três anos de governo de Jair Bolsonaro, entre 2020 e 2022, o investimento foi de R$ 1,1 bilhão. O governo Lula nem bem começou e em apenas seis meses destinou um total de R$ 1,3 bi. Ou seja, num curto espaço de tempo o presidente Lula fez mais do que Bolsonaro durante quase toda a sua administração. Se é que podemos chamar aquele desastre de "administração". 

Contra fatos não há argumentos. Durante o governo Bolsonaro, as obras andaram devagar, quase parando. O ex-presidente foi um inútil. E, afinal, a ligação a Santa Catarina não era amor. Era interesse nas férias. Muitas férias. Andar de jet-ski, passear de moto, pescar ou aglomerar durante a pandemia. Era preciso tirar férias de uma vida com agenda vazia em Brasilia. Fazer porra nenhuma deve ser estressante.

E que tal falar de emendas parlamentares. Há poucos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva liberou um valor recorde de R$ 2,1 bilhões destinados às bancadas estaduais. E adivinhem. As maiores parcelas foram direcionadas para a bancada do Maranhão (R$ 171,1 milhões), com Santa Catarina ficando em segundo (R$ 147,9 milhões). Ah, Santa Catarina, sua ingrata.

Mas vejam a ironia. Dos 16 deputados federais de Santa Catarina, 11 votaram contra a Reforma Tributária, um projeto que a sociedade brasileira pede há quatro décadas. É um tema de interesse nacional, mas esses deputados catarinenses - todos bolsonaristas - votaram contra. Entre eles, o inenarrável Zé Trovão, representante de Joinville no Congresso Nacional. Aí é foda, Joinville. Aí é foda, Santa Catarina.

Bolsonaro veio passear, causou aglomeração e não trouxe dinheiro. Mas mesmo assim é amado pelos catarinenses.


quarta-feira, 5 de julho de 2023

Falar no diploma de Lula é só conversa para boi dormir

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

As cenas surgiram na internet, mas no início não reconheci aquele senhor idoso, muito alquebrado e com ar abatido, a dar uma entrevista no programa Roda Viva. Foi preciso pesquisar um pouco para saber que era o apresentador Carlos Alberto de Nóbrega, na desinteligência dos seus 87 anos. O excerto que circulou na internet tinha a ver com o diploma de Lula. Que tédio.

O homem não foi meigo. “O senhor me explica de um presidente da República, no dia que recebe o diploma de presidente, chora e diz que é o primeiro diploma que recebeu na vida? Um homem que não tem um curso ginasial, universitário, contábil, qualquer coisa que seja, ser presidente da República? Por isso que o país está desse jeito”, disparou o senhor da praça.

É apenas ranço de classe. No Brasil, um canudo universitário é historicamente associado a um status social mais elevado. Houve tempos em que ter um diploma na parede era um privilégio reservado aos ricos. Aliás, esse é um borrão difícil de limpar no inconsciente social da pequena-burguesia endinheirada. Os ricos brasileiros precisam ter pobres à volta para se sentirem verdadeiramente ricos.

Há um pavor de classe. Se os pobres começam a ter pleno acesso ao ensino, há o risco de se desequilibrar a “ordem natural”. É importante que os pobres fiquem no lugar dos pobres. E lugar de pobre não é nas universidades. A educação precisa continuar a ser um divisor de águas na sociedade: os ricos têm diplomas, os pobres não precisam. Porque, afinal, devem permanecer na escala inferior que lhes é destinada.

A intervenção do senhor, que herdou do pai um banco inteirinho (daqueles de sentar), foi logo atacada pelo pessoal da esquerda. Lembraram que Sílvio Santos, o verdadeiro dono da praça, também não tem diploma. Mas isso é apenas whataboutism e pouco contribui para discutir o que realmente interessa. Importante lembrar que nos dois primeiros mandatos, o atual presidente criou 18 novas universidades federais e 173 campus universitários.

Importante salientar também que, durante esse período, o governo petista conseguiu duplicar o número de alunos do ensino superior no Brasil. Ou seja, a população brasileira com ensino superior passou de 8,3%, em 2002, para quase 17% da população. Para ter uma comparação, é só dizer que os números de pessoas com ensino superior em Portugal, com 35%, e Suécia, onde o número sobe aos 43%. Há muito a fazer e Lula não baixa os braços.

Portanto, falar da falta de diploma do presidente é apenas conversa para boi dormir. Tudo misturado com uma boa dose de ressentimento de classe. Porque Lula tem muita inteligência emocional e sabe ler o mundo melhor que muitos dos seus críticos. É conversa de reacionários tentando ter algum tema, num tempo em que o governo está a conseguir pôr o país nos trilhos. Além de que um apoiante de Bolsonaro nada deve à inteligência.

É a dança da chuva.



 
Em tempo: em 2012, escrevi um texto chamado “Os licenciadozinhos contra o Doutor Lu”, aqui mesmo. Dá um pulinho lá.
http://www.chuvaacida.info/2012/05/os-licenciadozinhos-contra-o-doutor.html

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Bolsonaro na Prefeitura de Joinville... já!

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Jair Bolsonaro se ferrou. Ficou inelegível e a previsão é de que o seu futuro passe pela cadeia. Desde a leitura da sentença, o choro dos bolsonaristas ainda não parou e as redes sociais estão inundadas pelas lágrimas dessa gente. Depois de tantos malfeitos, os bolsonaristas continuam na defesa do seu “mito”. Faz sentido, uma vez que “mito” e “mentira” são sinônimos. Afinal, quando algo não é verdade, a gente diz: “isso é mito”. Ou não?

Fiquei curioso para saber as reações em Joinville, onde 76,6% votaram no sujeito. Dá o que pensar: já imaginaram que entre cada 10 pessoas há 8 bolsonaristas? É uma cidade difícil para encontrar amigos com dois dedos de testa. O rio Cachoeira também deve ter transbordado com as lágrimas dessa gente. E por falar no rio e em alagamentos, uma das reações que mais chamou a atenção foi a do prefeito da cidade.

Logo após a leitura da sentença de inelegibilidade (eita palavrinha disgramada), o prefeito de Joinville (do partido que se diz novo mas é velho e se diz liberal mas é ultraconservador) vestiu a pele do rapaz cordial e insinuou que a Justiça estava a exagerar na punição. O digníssimo prefeito correu para a sua conta do Twitter em defesa de Jair Bolsonaro, mesmo sem citar o seu nome. 

“A liberdade de expressão é um direito constitucional de todos os brasileiros. É lamentável que pessoas sejam julgadas e condenadas unicamente por expressarem suas opiniões. Defendo uma democracia com liberdade de diálogo e de opiniões”. Ora, a nota do prefeito é inconsistente, banal e vazia. Ou seja, em termos de ideias é uma mão cheia de nada. Serve apenas para deixar clara a sua opção bolsonarista.

A inelegibilidade de Bolsonaro parece importante para o prefeito, porque ele raramente aparece na rede do Elon Musk. Desde 2019 foram apenas 42 tuítes sobre assuntos que sequer pedem comentários. Mas se a preocupação é tão grande, fica aqui a sugestão: arranjar um lugar para Bolsonaro no segundo escalão da administração municipal. Afinal, não são cargos “elegíveis” e a escolha podia fazer muito pelo marketing da prefeitura.

E como estou a dar a sugestão, tomo a liberdade de ir mais longe: que tal oferecer a Secretária da Saúde, uma área na qual o ex-presidente tem enorme expertise. Mas faço um aviso: tem que ser rápido, porque a cada dia que passa a porta da cadeia se abre um pouco mais para Bolsonaro. A não ser, claro, que o deputado Zé Trovão, outro representante da cidade, e os seus parceiros consigam fazer passar o projeto de anistia para o ex-presidente.

É a dança da chuva.





quarta-feira, 28 de junho de 2023

Em inglês, os caras até parecem gênios

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Pensamento é linguagem. Quando a gente está a pensar usa palavras e daí a importância de saber o valor exato de cada uma delas. É também uma forma de defesa, porque manipulação das palavras é uma das marcas do capitalismo. Ou seja, é uma estratégia ligada à construção de narrativas que visam proteger e promover os interesses econômicos e comerciais.


A introdução de léxicos estrangeiros, sobretudo do inglês, é uma prática comum no meio empresarial. Já notaram que idiotice dita em inglês fica logo parecendo uma coisa do outro mundo. Mesmo as piores sacanagens ficam parecendo obras de anjinhos. Os gurus da economia, por exemplo, usam e abusam. Duvida? Então vamos ver alguns exemplos de coisas que, em inglês, assumem significados quase inofensivos.


Downsizing – Na língua dos administradores significa uma inocente redução dos níveis hierárquicos de uma empresa. Mas em linguagem de gente quer dizer que algum gestor inepto não soube fazer o seu trabalho e, para salvar o couro, teve que fechar departamentos e demitir uma porrada de gente. Há uma diferença entre dizer “o cara demitiu funcionários” ou “o administrador procedeu a um downsizing na empresa”. Em inglês, o sujeito até parece um Einstein.


Outsourcing – É a tal “terceirização”: uma empresa compra soluções a outra empresa. Ou seja, demite os seus funcionários (que tinham custos laborais e outras coisas mais), perde o know-how acumulado e passa a comprar de outro sujeito que produz com custos menores. E por vezes com os mesmos trabalhadores que foram demitidos.


Team building - É uma estratégia para motivar os trabalhadores e, desta forma, melhorar as performances no trabalho em equipe. O team building pressupõe uma série de atividades em que a colaboração entre trabalhadores e o eixo central. Na realidade são ações que contam com benefícios fiscais e pouco custam às empresas.


Outplacement – Isso acontece depois das demissões do tal downsizing. É quando se tenta recolocar um ex-trabalhador numa outra empresa. Dito em língua de gente simples quer dizer: “Nós te demitimos e estamos nos cagando para ti. Mas somos simpáticos e até indicaremos um consultor para te orientar. Também vamos escrever umas cartinhas para levares a outras empresas. No fim vais achar que nós, que te demos com o pé na bunda, somos mais bonzinhos que a Madre Teresa de Calcutá”.


Empowerment – É empoderamento em português. Significa dividir o poder de decisão com o grupo de trabalho. É uma forma de um superior se livrar de tarefas chatas e passar a batata quente para as mãos dos subordinados. E o chefe sempre tem alguém para pôr a culpa se a coisa sair mal.


Benchmarking – Parece sofisticado, né? É tomar decisões a partir do exemplo de outras empresas. Ou seja, quando um administrador não tem a menor imaginação, ele copia os outros. Copiar é mau. Mas um cara que faz “benchmarking” é capaz de acabar candidato ao Nobel de Economia (que, por sinal, é um equívoco, porque só há Nobel de Física, Química, Medicina, Literatura e Paz).


É a dança da chuva.

Or rephrasing, it's the rain dance.


Foto: Ron Lach


domingo, 25 de junho de 2023

Entender fatos complexos com tweets? Não dá...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há uma diferença notória entre o jornalismo brasileiro e o europeu. É a atenção que se dá ao noticiário internacional. Todos os dias um cidadão europeu é impactado por muitas horas sobre os fatos do mundo. Tudo  com analistas que vêm do próprio jornalismo, mas também de especialistas nessa área, sejam acadêmicos ou pessoas com autoridade nas áreas em discussão.

Isso não é uma realidade no Brasil. Lembro, por exemplo, que em tempos passados os grandes expoentes da análise internacional eram jornalistas como Newton Carlos, precursor do colunismo internacional na mídia brasileira, ou Clóvis Rossi, que passou a maior parte da carreira na Folha de S. Paulo. O fato é que não há uma tradição nessa área e o Brasil parece mesmo ser “periférico”.

Quando estava no jornalismo diário, houve ocasiões em que ocupei a função de editor internacional, sempre de forma pontual. Foi o suficiente para  perceber a dificuldade do trabalho, uma vez que o acesso à informação era muito limitado. O que um editor de internacional fazia era "baixar" as notícias que chegavam das agências. Não era preciso saber de geopolítica e nem mesmo falar línguas.

Há os fatos. Os jornalistas europeus têm acesso mais direto às fontes de notícias internacionais devido à proximidade geográfica com os principais centros de poder. Isso permite uma cobertura mais abrangente e detalhada dos acontecimentos globais. Além disso, muitos países europeus têm uma longa tradição de jornalismo investigativo e de qualidade.

No caso do Brasil, em primeiro lugar, a distância geográfica pode dificultar o acesso direto às fontes de notícias internacionais. Além disso, os meios de comunicação brasileiros têm uma realidade política, econômica e social específica, que pode influenciar as prioridades da cobertura jornalística. Tudo isso sem falar que o jornalismo passa por dificuldades financeiras.

Não surpreende que hoje em dia, quando temos um evento mundial como a invasão da Ucrânia, mesmo os cidadãos considerados mais instruídas estejam a patinar na análise. Isso é resultado da falta de tradição, de referências ou de uma cultura jornalística sem foco no internacional. Muitos acham possível entender fenômenos complexos com base em ideias desgarradas das redes sociais. Não dá. Tem que estudar.

Isso torna possível que uma certa “esquerda” brasileira acabe aderindo às teses da propaganda russa, uma máquina poderosíssima. Os sites de “referência” dessa esquerda estão subordinados ao ideário de Putin. Não por noções de geopolítica, mas por uma ideia simplória: "eu sou contra os EUA e vou aderir a tudo o que for contra". Mesmo que o regime de Putin seja uma ditadura. Esquerda?

Para terem uma ideia, hoje, num domingo do verão europeu, já ouvi dois programas de uma hora totalmente dedicados ao internacional. Em debate, a ação humanitária na Europa, a reconstrução e o Erasmus (programa das universidades) na Ucrânia, eleições na Espanha, tensão no Kosovo, o legado de Berlusconi e, claro, os fatos envolvendo o grupo Wagner.

Isto é apenas para deixar a ideia de que um cidadão europeu está exposto a mais horas de noticiário internacional do que os brasileiros. E que análises sérias não podem ser feitas apenas a partir de tweets ou sites que sequer têm jornalistas no exterior e limitam-se a fazer um corte e cola de serviços gratuitos (não há almoços grátis). É preciso mais, muito mais…

É a dança da chuva

Newton Carlos foi um dos expoentes do jornalismo internacional no Brasil