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quinta-feira, 7 de março de 2013

Não basta apenas deixar de ser machista

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Mais um dia internacional da mulher está chegando, e mais uma vez acompanhamos um cenário com poucas mudanças: setor publicitário, em sua grande maioria, tratando a mulher como triunfo masculino; moda alienando e julgando o corpo alheio; e uma mídia que promove tudo isto. Num processo de constante aprendizado, interlocução e autocrítica, decidi que para mim (e gostaria de repassar este recado para todos os homens), não basta apenas deixar de ser machista. É preciso falar sobre o sexismo e a discriminação que estão presentes em nossa sociedade.

Considero-me um homem que está deixando de lado o machismo impregnado, pelas vivências culturais e sociais nas quais estou inserido. É um processo difícil, pois requer muita atenção em pequenas ações e reações diárias. Piadas de mal gosto, opiniões que reproduzem um status quo maligno, e comportamentos perante algumas situações já não fazem mais parte de minha vida. Ainda há muito por fazer. Resolvi falar sobre isso aqui no Chuva Ácida até como alerta para abusos que presenciamos e nos omitimos.

Os dois principais eixos que visualizo problemas são a violência contra a mulher (física e moral) e a disparidade no onipotente "mercado de trabalho". Sobre este último, é inadmissível que uma mulher, ganhe uma quantia muito menor que um homem, para o mesmo cargo e com o mesmo tempo de experiência. Em Joinville esta realidade não é muito diferente! Segundo dados do IBGE, aqui em nossa cidade, um gerente homem tem uma média salarial mensal de R$3.700,00, enquanto uma mulher ocupando a mesma posição e trabalhando o mesmo número de horas, ganha em média R$2.400,00. Sem contar as horas trabalhadas com as tarefas domésticas, onde a mulher "perde" muito mais horas que o homem.

Qual a explicação para isto? Em uma sociedade desigual, sempre haverá aqueles "que passam confiança" em sobreposição aos que "não passam confiança". Isto, pela lógica capitalista, deveria ser proporcionado pela competência, mas, infelizmente, é a questão de gênero que conta. Se cruzarmos com a etnia, o número é muito mais assustador...



Sob outro aspecto, está difícil encontrar um período em que a mulher brasileira foi tão violentada como o atual. O bombardeio da mídia com um manual de regras para o corpo e comportamento é prova disso. "Seque em 7 dias", ou "como manter seu relacionamento saudável" (como se a culpa de tudo fosse só da mulher), "aprenda a fazer um sexo que agrade o seu marido",etc. Sem contar as igrejas que promovem a virgindade para a mulher antes do casamento, sem a mesma regra para os homens. Propagandas de automóveis, cervejas, e tantos outros segmentos que historicamente colocam a mulher em segundo plano. E a "Lei Maria da Penha" está aí para ser cumprida e rigorosamente aplicada.

Esta revista, além de dizer como deve ser o corpo da mulher, também praticamente induz ao sexo anal para agradar o parceiro...

Pode ser que você, homem, não se considere machista, mas acredite! Um deslize ou outro você sempre irá cometer, caso não se policie e mude os seus pensamentos. Estamos reproduzindo erros históricos sem perceber, tornando-nos opressores ao invés de agentes reprodutores da igualdade. Se você acha que isso tudo é besteira, me desculpe, mas você não tem o meu respeito. Antes de tudo somos pessoas, por mais que existam diferenças de comportamento entre homens e mulheres. E você mulher, que não vê problema algum em fatos como o da imagem acima... você está levando a sua vida com um cabresto ;)

Por mais que o meu processo de autocrítica seja infinito, é importante o debate. E é importante também lembrarmos que o dia da mulher é todo dia, toda hora, em todo lugar. E de todas as pessoas também, sem distinções de gênero, credo, etnia, situação econômica ou local de moradia! O 8 de março, para mim, é mais o dia da luta feminista contra a opressão, do que qualquer outra coisa.

sábado, 24 de setembro de 2011

Notas sobre a descriminalização do aborto

POR MARIA ELISA MÁXIMO

Enquanto pensava sobre o tema para meu post de estreia nesse coletivo, um desejo se atravessava a todas as ideias: o de escrever sobre algo que fosse relativo às mulheres. Não apenas por ser eu a única mulher entre os demais que aqui escrevem - até mesmo porque eu não acredito que apenas nós, mulheres, devemos pensar e escrever sobre assuntos que nos dizem respeito -, mas porque tenho percebido que, em Joinville, alguns temas têm sido relegados ao segundo plano pelos movimentos sociais e, sobretudo, pela esquerda (se é que hoje é possível, ainda, dividir o cenário político entre esquerda e direita).

Logo pensei em falar sobre o aborto, mais especificamente sobre a descriminalização do aborto, aproveitando que dia 28 de setembro, próxima quarta-feira, é o dia latino-americano pela descriminalização do aborto. Penso que este assunto revela várias de nossas mazelas, para além daquelas que sempre foram alvo das lutas feministas. Hoje, aqueles que um dia colocaram este tema nas pautas de lutas, muitas vezes se encolhem diante do assunto, sobretudo quando enfrentá-lo pode resultar em perda de eleitorado. Lembremos das últimas eleições presidenciais e da posição escorregadia que a Dilma precisou assumir diante daquilo que ela teria dito, outrora, sobre o aborto. Antes disso, aqui em Joinville, o então deputado Carlito Merss se viu obrigado a espalhar outdoors pela cidade afirmando ser "contra o aborto e a favor da vida".

O tema da descriminaliação do aborto transita nas pautas do movimento feminista e do Congresso Nacional desde os anos 70, 80. Nesta época, a discussão ficava entre a descriminalização total do aborto, a descriminalização regulamentada ou a ampliação dos permissivos legais do Código Penal (casos de risco de vida para a mãe e gravidez resultante de estupro). Segundo Leila Barsted, decidir entre estas três possibilidades representava, para as feministas, optar pela estratégia mais eficaz para que o Estado brasileiro aceitasse como comportamento lícito a interrupção voluntária da gravidez (BARSTED, 1997). Cada uma destas três propostas incluia a luta pela garantia do atendimento gratuito, na rede pública de saúde, dos casos já previstos em lei (inciso II, artigo 128, Cód. Penal).

No entanto, nos anos 90, este debate perdeu sua centralidade no âmbito dos movimentos feministas ou, como coloca Barsted, perdeu sua "radicalidade". Manteve-se o foco nas reivindicações pelo atendimento na rede pública de saúde aos casos de interrupção de gravidez já previstos por lei, enquanto que as demandas pela descriminalização e/ou pela ampliação dos permissivos legais foram relegadas ao segundo plano. E, segundo a autora, isso possivelmente se deve à postura conservadora do Estado brasileiro em relação ao tema, mesmo após a redemocratização consolidada na Constituição Federal de 1988. É aí que se manifesta, principalmente, a dificuldade de construirmos e consolidarmos um Estado verdadeiramente laico, sem a influência de grupos religiosos e fundamentalistas, que se volte à construção de uma sociedade realmente pluralista.

Além disso, Barsted nos fala da ressonância que há no Congresso Nacional dos movimentos conservadores na área do Direito, sobretudo a face repressora do direito penal, que colabora na construção de uma legislação cada vez mais repressiva, "sem criar mecanismos preventivos para a segurança do cidadão, sem buscar soluções alternativas à dramática ineficácia do sistema penitenciário e sem enfrentar as mais diversas causas geradoras da violência" (BARSTED, 1997, p. 2). Essa onda repressora que domina a dinâmica legislativa brasileira, respinga muitas vezes nos próprios movimentos sociais, que acabam defendendo medidas igualmente repressoras e criminalizantes em defesa dos direitos humanos. Neste ponto, a autora nos dá como exemplo as propostas de criminalização do assédio sexual, com o apoio de alguns setores dos movimentos sociais e feministas: o que antes se restringia ao exercício de poder que cerceia e constrange sexualmente a vítima das relações empregatícias, entre médico e paciente, entre professor e aluno, passou a caracterizar qualquer tipo de molestamento sexual, desde o mais grave (indicando estupro) até a mais simples "cantada" em uma mesa de bar (idem, p.3).
Essa descaracterização do assédio sexual leva à chacota, banalizando, junto à opinião pública, a verdadeira intenção do movimento de mulheres de denunciar e dar visibilidade às relações de poder revestidas de constrangimento sexual (BARSTED, 1997).
É possível traspormos esta crítica a várias frentes dos movimentos sociais que, atualmente, centram-se mais na defesa de propostas criminalizantes do que pela busca da liberdade e da garantia dos direitos fundamentais do ser humano. É preciso refletir sobre até que ponto não estamos, em alguns casos, nos deixando capturar pelas armadilhas ideológicas do movimento conservador no Direito.

Para tirar o aborto do rol dos crimes é preciso, portanto, aprofudar os argumentos éticos-jurídicos a partir de uma interlocução mais estreita com as frentes democráticas e críticas do Direito, fundadas principalmente numa proposta reformadora do direito penal que vise o esvaziamento de medidas criminalizantes e repressoras em termos gerais e, consequentemente, a aplicação de normas jurídicas de normas não-penais. Antes disso, ainda nos falta garantir a plena incorporação do "aborto legal" (nos casos previsto em lei) pelo SUS. Nem nesse ponto conseguimos avançar totalmente.

Na década de 80, o então Conselho Nacional dos Direitos da Mulher aliou-se ao movimento feminista na organização do Encontro Nacional de Saúde da Mulher (1989), onde se produziu a Carta da Mulheres em Defesa do seu Direito à Saúde. Nesta carta, o aborto era considerado um problema de sáude da mulher e, que por isso mesmo, deveria ser retirado do Código Penal. Já naquele momento, contestava-se o poder do Estado em legislar sobre a intimidade do indivíduo e reivindicava-se a liberdade reprodutiva. E é nesse ponto que eu gostaria de chegar, como forma de fomentar o debate. Antes de qualquer coisa, o aborto deve ser tratado como direito da mulher, acolhido pela lei e livre de argumentos moralizantes. Os movimentos sociais, não só os feministas, deveriam retomar este debate no âmbito das discussões acerca dos direitos humanos. É importante termos em mente que "o direito de nascer não necessariamente significa uma real garantia de vida" (Helena Máximo, 2006).

Finalmente, é crucial que se entenda, de uma vez por todas, que defender a descriminalização do aborto não significa "ser a favor do aborto" e, menos ainda, "ser contra a vida". Aliás, da vida de quem está se falando? As mulheres que já fizeram um aborto - ainda mais de forma clandestina, como criminosas, sob circunstâncias muitas vezes insalubres, são elas as primeiras a testemunharem o quão difícil e dolorosa é esta decisão, envolta sempre em tantos tabus, tendo que ser tomada em situações de insegurança e sofrimento.

Ref. Bibliográficas

BARSTED, Leila. O movimento feminista e a descriminalização do aborto. Revista de Estudos Feministas, v. 5, n. 2, Florianópolis, 1997. Disponível em: http://www.ieg.ufsc.br/revista_detalhe_volume.php?id=189. Acessado em: 24/09/2011.

MÁXIMO, Helena. O crime do Padre Amaro. Uivemos, 28/09/2006. Disponível em: http://uivemos.blogspot.com/2005/09/o-crime-do-padre-amaro.html. Acessado em 24/09/2011.