segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

A guerra na Ucrânia já tem um vencedor: a indústria armamentista dos EUA

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Só alguém muito distraído pode não ter percebido. A indústria das armas dos EUA está faturando na Ucrânia. E é bom ver um jornalão a falar do tema, já que a imprensa internacional tem dado pouca ou nenhuma atenção. O “The Washington Post” publicou, no ano passado, uma matéria a revelar que a ajuda armamentista dos EUA à Ucrânia estava a dar um enorme impulso à indústria de defesa americana.

A reportagem referia um estudo do Stimson Center, um think tank de Washington, segundo o qual mais de 90% do dinheiro da ajuda militar para a Ucrânia estavam a ser usados para comprar armas da indústria armamentista norte-americana. Eis os números: dos primeiros US$ 7,6 bilhões em ajuda militar à Ucrânia, US$ 7,3 bilhões teriam sido usados na compra de armas nos EUA.

Na semana passada, um novo texto voltou ao assunto, desta vez assinado por Marc Thiessen, colunista conservador do mesmo jornal. A denúncia é reforçada, mas como uma nuance a ter em conta. É que os conservadores - influenciados pelo trumpismo - ameaçam fechar as torneiras da ajuda à Ucrânia. É parte da estratégia para tentar detonar a candidatura de Joe Biden às eleições de 2024.

O argumento é que, sob o pretexto de ajudar a Ucrânia a se defender da invasão russa, foi criado um negocião para a indústria bélica norte-americana. Além disso, os republicanos argumentam que isso faz a aumentar as tensões entre os Estados Unidos e a Rússia (Trump sonha ser um Putin). Mas há um contrassenso: será que o lobby da indústria das armas, que pende mais para o lado republicano, vai na conversa?

Os republicanos estão a criar problemas para a renovação das ajudas à Ucrânia, o que pode ter algum efeito sobre a opinião dos trumpistas. É a interpretação do slogan "America First". A indústria armamentista sempre contou com os republicanos, mais propensos aos gastos na defesa e à manutenção do poder militar dos EUA, não vai assistir tudo passivamente. Afinal, a pátria dos capitalistas é o dinheiro. 

É a dança da chuva.

Foto: Алесь Усцінаў


quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Svetlana Alliluyeva, a filha rebelde de Stalin

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Uma história de amor e ódio. Em 1942, a jovem Svetlana Alliluyeva, filha de Joseph Stalin, se apaixonou por Alexei Kapler, um cineasta judeu. Nessa época, ela tinha 16 anos e ele era já tinha feito 40 anos. É claro que Stalin desaprovou o romance, não apenas pela idade de Kapler, mas também por ser judeu e de origem social inferior.

Os dois se conheceram quando ela foi assistir a um filme que ele dirigiu e começaram a se encontrar em segredo. O romance rapidamente se tornou sério. A filha do ditador soviético ficou grávida, mas sofreu um aborto espontâneo. Stalin soube do romance e ordenou que Kapler fosse preso. Em 1943, o cineasta foi preso e sentenciado a dez anos de confinamento em um gulag, uma prisão de trabalho forçado na União Soviética.

A causa exata da prisão não é clara, mas acredita-se que Stalin tenha usado o romance como pretexto para se livrar de um inimigo potencial. Kapler era um homem culto e bem-sucedido e Stalin pode ter temido que ele influenciasse sua filha de forma negativa. O romance entre Svetlana e Kapler, um exemplo trágico do poder e da brutalidade de Stalin, teve um impacto profundo na vida de ambos. 

A jovem nunca se recuperou da perda de seu amor e ele nunca foi o mesmo depois de sua prisão. Aleksei Yakovlevich Kapler nasceu em Kiev, na Ucrânia, em 1903, e morreu em Moscou, Rússia, em 1979. Trabalhou como cineasta, roteirista, ator e escritor proeminente. Foi conhecido pelo seu trabalho em filmes como "Lênin em 1918", "Homem Anfíbio" e "O Pássaro Azul". 

Svetlana Alliluyeva teve uma vida conturbada e cheia de tragédias. Teve três casamentos e dois filhos. Em 1967, Svetlana fugiu da União Soviética para a Índia, num episódio de grande repercussão internacional. Dois anos depois, mudou para os Estados Unidos, onde se naturalizou e viveu até sua morte, em 2011 (ensaiou uma volta à URSS por causa da doença de um filho, mas acabou por sair novamente).

É a dança da chuva.

Svetlana e Joseph Stalin




quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Está aberta a temporada de caça ao Dino

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

É o tema do momento. A oposição ranhosa não quer ver Flávio Dino no Supremo Tribunal Federal. Os "argumentos" vão se sucedendo. Os opositores políticos e a velha imprensa vendilhona apostaram tudo na negação do “notório saber jurídico”, que é uma das condições para a ascensão à máxima corte. E chegamos ao ridículo de ver um “formador de opinião” de notória ignorância jurídica a bater de forma insistente e irritante nessa tecla.

É tudo conversa para boi dormir. O currículo de Flávio Dino indica que ele possui um conhecimento jurídico amplo e profundo, sustentado uma sólida formação acadêmica e experiência profissional. Além de que a ideia de notório saber é subjetiva. Em termos práticos, caberá ao Senado Federal, através de arguição, decidir se Flávio Dino possui o conhecimento necessário para o cargo de ministro do STF. Não será a imprensa a dar o veredito. E ponto final.

Os motivos de natureza política são evidentes na crítica. Os opositores apontam uma tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de consolidar a hegemonia da esquerda no STF. A tese é de que Dino seria um aliado fiel de Lula (e do PT) e que a sua atuação no tribunal seria pautada por interesses políticos. É irônico. Porque essas mesmas pessoas assobiaram para o lado nas indicações de Kassio Nunes Marques e André Mendonça, que Bolsonaro considerou os seus 20% no Supremo.

A atuação como ministro da Justiça é outro dos argumentos falhados. Os opositores acusam Flávio Dino de ser parcial na condução de investigações e até tentaram pôr a conta do 8 de janeiro no seu currículo. Teses tão frágeis que beiram o ridículo. Aliás, para alguns parlamentares pretendem. uma retaliação pelas tareias que Flávio Dino aplicou em muitos deles, nas infindáveis convocações para debates no parlamento. Os deputados bolsonaristas não cansam de passar vergonha.

E agora surge um bruaá capitaneado pela inenarrável Michelle Bolsonaro, que surge com o argumento de que comunista não pode ser cristão. “Se ele é comunista, ele é contra os valores e princípios cristãos. Não existe comunista cristão, isso é de contramão com a Palavra de Deus. A gente não pode aceitar esse tipo de gente no poder. Já imaginou se esse homem chegar ao STF o que vai acontecer com a gente?”, questionou Michelle Bolsonaro.

Enfim, seguindo o script bolsonarista, a ex-primeira-dama usa o medo como arma. “O que vai acontecer com a gente?”. Ora, o mesmo que tem acontecido até agora. Nada. As igrejas continuam abertas, nenhum fiel foi incomodado. O bolsonarismo está apenas a tentar ressuscitar o espectro do comunismo como um bicho-papão. É como as crianças com medo de monstros em baixo da cama. Para os bolsonaristas, comunismo é toda pessoa que pense diferente. Ou melhor, toda pessoa que pense.

Não é possível antecipar se Flávio Dino vai ser aprovado ou não. Mas há leituras que podem ser feitas nesse xadrez político. O presidente Lula tem muitos anos de janela e não ia atirar Flávio Dino aos leões. E a aproximação a Rodrigo Pacheco, atual presidente do Senado, muito provavelmente tem relação com a aprovação de Dino. O presidente é um negociador exímio e não faria uma indicação que corresse o risco de ser rejeitada. É esperar para ver.

É a dança da chuva.



terça-feira, 5 de dezembro de 2023

E se a Rússia anexasse Portugal?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

É um fait-divers, mas não resisto a comentar. Sabem qual a última da terra de Putin? Um dia destes uns estranhões começaram a falar na anexação de Portugal. Foi durante um programa de debates na televisão estatal russa. O apresentador Vladimir Solovyov defendeu a ideia: a Rússia deveria anexar Portugal.

Por quê? O argumento é de que Portugal seria um aliado no contexto da guerra na Ucrânia. Já começou mal, amigo. Fora o Partido Comunista Português, ninguém no país tem demonstrado qualquer simpatia pelos russos no caso da invasão da Ucrânia. E os comunistas aprenderam que essa posição traz perdas eleitorais.

Solovyov afirmou que Portugal é um país "pró-russo", com uma longa história de relações com o país. Mas é uma besteira tomar Portugal como aliado na guerra da Ucrânia. E o tipo também argumentou que a anexação de Portugal daria à Rússia um acesso estratégico ao Oceano Atlântico. Bobinho esse Solovyov. 

O olho no Atlântico tem razões de ser. É que apesar de Portugal ser o 16º país da Europa em termos terrestres, tudo muda quando estamos a falar do mar, porque o país sobe para o 5.º posto em termos dimensão marítima. O potencial estratégico e económico do mar, a tal economia azul, pode vir a ser o futuro do país.

Portugal está alinhado na defesa da Ucrânia, como todo o bloco europeu (à exceção de Orbán, da Hungria). Os portugueses devem ficar preocupados? Claro que não. É tolice. Mas o fato dessa ideia ter vindo a público mostra que, sob a batuta de Putin, os russos andam com ímpetos imperialistas.

A ideia é tonta, mas há uma coisa a salientar. Margarita Simonyan, uma das principais propagandistas do Kremlin e editora-chefe do Russia Today, disse na ocasião que a Rússia não precisa da nação portuguesa, mas que “gostaria muito" de a ter. Enfim, parece que o imperialismo é o sonho molhado dos putinistas.

É a dança da chuva.




segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

A menina que recusou dar a mão ao ditador

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Há imagens que escapam aos fatos e acabam se tornando ícones de uma época. É o caso da fotografia que Rachel Clemens, uma menina de cinco anos que, em setembro de 1979, se recusou a cumprimentar o presidente João Batista Figueiredo. Não é o que ela pretendia fazer (até porque não tinha maturidade para isso), mas a imagem acabou por se tornar um símbolo da resistência à ditadura.

A foto da menina, com o rosto sério e os braços cruzados, foi registrada pelo fotógrafo Guinaldo Nicolaevsky (ele fez o clique mas nunca a conheceu pessoalmente) e se tornou uma das imagens mais emblemáticas do final dos anos de chumbo. A foto foi publicada em diversos veículos de comunicação nacionais e internacionais, tornando-se um símbolo da decadência da ditadura militar no Brasil.

Mineira de Juiz de Fora, Rachel morreu em 2015, aos 41 anos de idade, de parada cardíaca. Mas antes de morrer, tinha explicado, em entrevista, que o gesto foi coisa de criança. As pessoas insistiam para que apertasse a mão do presidente e, por birra, ela se recusou. “Detesto que me mandem fazer as coisas. Não dei a mão porque eu não queria dar a mão”, revelou. Mas não sem salientar que tinha um certo medo de Figueiredo.

Nada consegue impedir a criação de mitos. A recusa de Rachel ainda hoje é encarada como um ato de coragem e determinação, mostrando que mesmo as crianças podiam resistir à ditadura. A imagem tornou-se um ícone da rebeldia para muitos brasileiros que lutavam pela democracia. Mas a realidade não foi assim. “Sou de uma época que criança era só criança e se preocupava mais em brincar e se divertir”, contou.

É a dança da chuva.

Rachel Clemens e João Figueiredo, na foto mítica.