sábado, 5 de maio de 2018

Hoje é aniversário de Karl Marx: o velho barbudo faz 200 anos

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Se fosse “imorrível” (imortal ele é), hoje Karl Marx faria 200 anos. E para comemorar há muita festança por todo o mundo, desde a sua Trier natal até a Londres vitoriana onde viveu, passando pelo Brasil. O fato é que o velho barbudo, tão anatemizado pelos que nunca o leram (ou os que não entenderam), é um dos maiores pensadores da história. E não sou eu a dizer. É um quase consenso nos meios acadêmicos. E não só.

É só lembrar que faz alguns anos a respeitável BBC Radio 4, lá das terras de Sua Majestade, realizou uma votação para escolher o maior pensador de todos os tempos. Quem ganhou? Karl Marx, claro. E com uma goleada sobre o segundo colocado, o filósofo e historiador escocês David Hume (27,93% contra 12,67%). Mais atrás ficaram Wittgenstein, Nietzsche, Platão, Kant, São Tomás de Aquino, Sócrates, Aristóteles e sir Karl Popper (vá de retro).

A coisa até podia passar despercebida se não fosse a Inglaterra o país do liberalismo e da tal terceira via (que parece ter desaparecido). E não deixa de ser estranha a escolha de um pensador cujo nome ainda provoca ranger de dentes. O nome Karl Marx é amaldiçoado pelos conservadores, em especial os que nunca folhearam um dos seus textos.

E tem um processo muito típico do Brasil. Hoje em dia, para desqualificar um interlocutor, os conservadores acreditam que basta acusá-lo de ser “marxista” (é o mesmo que “esquerdista”). Em termos de hegemonia neoliberal, há um esforço violento para associar o pensamento marxiano ao atraso, anacronia e fracasso.

Depois da queda do Muro de Berlim, o neoliberalismo impôs-se como modelo sem alternativa. Modelo único, pensamento único. Todas as teses que estejam em discordância com o liberalismo econômico acabaram banidas do sistema de circulação de ideias. Qualquer pensamento dissonante é considerado datado, inoportuno. É tese sem antítese. Não há evolução.

Mas o método de análise do velho filósofo ainda tem muita força. É preciso ler a sua obra, que não se resume a “O Capital” ou à economia. A filosofia é uma das suas grandes contribuições para entender a sociedade. O problema é que os sicofantas do establishment não gostam de livros, preferem o conforto das verdades prontas.

O antimarxismo é mais do que natural. E ao longo dos tempos a crítica a Marx tem sido feita por intelectuais respeitados. Mas é uma abordagem que não podemos confundir com a vulgata rasteira das redes sociais, edificada sobre frases feitas e clichês idiotas. Antimarxismo de Facebook é a morte do pensamento.

As auto-citações são para evitar, mas não resisto a resgatar um excerto de um texto meu publicado no Anexo, do jornal A Notícia, num distante 18 de abril de 1993. E lá vão quase 25 anos. Dizia eu, naquela altura:

- Nos tempos de euforia liberal, Marx se transformou em sinônimo de atraso e a simples citação do seu nome podia colocar o indivíduo do lado menos recomendável do muro. Tornou-se impossível falar acerca do pensamento do velho filósofo sem que se esbarrasse em argumentos apriorísticos cuja irracionalidade impedia qualquer discussão.

O texto continua:
- Prevaleceu a histeria burra que dividia o mundo em mocinhos e bandidos (estes os que nutrissem simpatia pelo pensador alemão). Fruto de irrefreável compulsão ao reducionismo, aqui no patropi estigmatiza-se o que se julga entender por marxismo e, frase feita, joga-se tudo na lata de lixo da história. Só que qualquer pessoa com um mínimo contato com esse campo teórico sabe que Marx não se presta às simplificações pretendidas pelo senso comum.

É a dança da chuva.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Quando aquela tia ou tio sai do WhatsApp e vem fazer política na vida real

POR ET BARTHES
Sabe aquela tia ou aquele tio que nunca quiseram saber de política, mas hoje não param de infernizar a vida com mensagens no ZapZap? Viraram experts no assunto sem sequer lerem um jornal. Mas enquanto a coisa fica nos grupos de família, é tudo muito tranquilo. Mas acontece que às vezes essas pessoas embarcam numa de "militância" no mundo real e muitas vezes os resultados são no mínimo estranhos. 

E hoje apresentamos alguns exemplos de pessoas que foram intervir no mundo real, mas com ideias saídas do ZapZap. Não dá certo. Porque a realidade é bem diferente das redes sociais e coisas ridículas acontecem. Como nesta antologia (e a palavra antologia foi escolhida de propósito) que mostra essas pessoas numa espécie de transe político. E, claro, pagando aquele micão. Veja o filme.



As 20 melhores fotografias feitas com celular em 2018

POR LEO VORTIS
As câmeras de celular evoluíram muito nos últimos tempos. Hoje é possível ter fotos de elevada qualidade técnica e até mesmo os profissionais da fotografia já estão usando este recurso em alguns trabalhos. O resultado é que todos nós, donos de um smartphone, acabamos virar “fotógrafos”.

Mas se a qualidade dos equipamentos digitais é cada vez melhor, é o talento de cada um a fazer a diferença. Ou seja, é preciso criatividade, talento e, claro, saber o momento exato de fazer o clique. Os resultados a gente tem visto principalmente nas redes sociais.

A Organização Mundial da Fotografia organizou, há pouco tempo, Prémio Sony - World Photography Mobile Phone Awards. E hoje apresentamos as três fotografias vencedoras, bem como as que entraram para a shortlist (em vídeo). Dê uma olhada e veja se concorda com as escolhas. A minha favorita, aviso já, é On The Edge, de Atle Ronningen.










quarta-feira, 2 de maio de 2018

Espoliação urbana e déficit habitacional: crônica de tragédias anunciadas


POR CLÓVIS GRUNER
Em maio de 1978, o “Extra”, jornal joinvilense que circulou entre 1977 e 1988, publicava um contundente editorial sobre o problema da moradia e o processo de favelização em Joinville: apenas naquela década, o déficit habitacional passara de cinco para 15 mil residências e o futuro, segundo o jornal, era o “colapso”. O colapso não veio, ao menos não como o matutino temia, mas o problema persiste desde então.

Hoje, o déficit quantitativo (número de famílias que não dispõem de moradias em termos absolutos) é de aproximadamente 12 mil residências. Em termos de déficit qualitativo (grosso modo, a falta de condições básicas de moradia), são cerca de 27 mil residências. E isso em uma cidade com estimados 12 mil domicílios vazios, e algo em torno de 30 mil terrenos baldios ou subaproveitados – ou seja, sua área construída é menor que 10% do coeficiente de aproveitamento do lote. Uma coisa e outra são, em grande medida, resultado de um crescente monopólio imobiliário, construído por meio de investimentos industriais e da especulação, eventos que por vezes se confundem.

Começo com esses dados bastante genéricos sobre a situação local para lembrar que a tragédia ocorrida na madrugada de terça (01), em São Paulo, onde um edifício ocupado por cerca de 150 famílias desabou, não é um problema exclusivo da metrópole. São Paulo é uma cidade superlativa, e por isso suas mazelas sintetizam e reverberam uma situação gravíssima que não é nova nem está limitada a um único local. Em todo o país, estima-se em sete milhões o número de famílias que se enquadram no déficit habitacional quantitativo; o qualitativo é de 15,5 milhões - respectivamente, 22 milhões, algo em torno de 10% da população brasileira, e cerca de 48 milhões de pessoas.

Nas cidades de porte médio e grande, a situação se agravou principalmente em função do processo migratório que, a partir dos anos de 1950-60, deslocou milhares de indivíduos do campo para as regiões urbanas. A crescente especulação imobiliária, aliada à irresponsabilidade e negligência dos poderes públicos, empurraram famílias e grupos em situação vulnerável a morar em regiões cada vez mais periféricas e a ocupar imóveis ociosos, tornando-se às vezes reféns de movimentos cujos interesses, apesar da denominação, nem sempre são sociais – segundo relatos de moradores, o Luta por Moradia Digna (LMD), que gerenciava a ocupação no largo do Paissandu, cobrava dos residentes um valor acima do necessário para a manutenção do local. É provável que não seja o único.

Direito à cidade e à moradia – Nos anos de 1980, o sociólogo Lucio Kowarick cunhou o conceito de “espoliação urbana” para traduzir as desigualdades e os conflitos sociais que tinham como palco as cidades, decorrência da distribuição desigual dos resultados do desenvolvimento econômico industrial. A exclusão de grupos inteiros de condições dignas de habitação é, a um só tempo, continuidade e extrapolação das formas de extorsão características do mundo do trabalho, sobrepujando para a moradia a precariedade observada, por exemplo, nas fábricas. Mas a espoliação denunciada por Kowarick não diz respeito exclusivamente à falta absoluta de um teto.

Suas formas de manifestação são muitas e diversas: as longas horas despendidas em transportes coletivos de péssima qualidade; a inexistência de investimentos públicos – saneamento básico, pavimentação, praças e parques, ausência de equipamentos culturais, de lazer e esportivos, etc... –; a fragilidade das moradias e das condições de vida nas periferias; a exposição constante à situações de risco e de violência urbana, criminosa e policial, são algumas delas. Velhas conhecidas dos moradores citadinos, elas se constituíram em característica intrínseca de centros como Curitiba, cidade onde moro, equivocadamente tomada como modelo urbanístico por quem dela só conhece a propaganda oficial.

Nem a Constituição de 1988, que transformou a moradia em um direito, nem o Estatuto da Cidade, que sugere medidas efetivas para garantir ou ao menos ampliar significativamente esse direito, têm sido suficientes para evitar tragédias como a de São Paulo – e que custou, ao menos oficialmente, uma vida, a de Ricardo, conhecido pelos moradores do edifício como “Tatuagem” – e outras tantas pequenas tragédias cotidianas, cujas dores nem sempre saem no jornal.

Em uma declaração lamentável, mas que traduz a mentalidade de parte de seus eleitores (e não apenas os seus), o ex-prefeito e candidato a governador João Dória afirmou que o prédio havia sido ocupado por uma “facção criminosa”, tratando como criminosos, indistintamente, todos os moradores do edifício, e que a solução para o problema é “evitar as invasões”. Sobre a ausência de politicas habitacionais e os interesses escusos, públicos e privados, que sustentam e reproduzem a espoliação urbana, razão primeira de nossos problemas, nada além do silêncio. Um silêncio, aliás, nada surpreendente, além de significativo.

terça-feira, 1 de maio de 2018

Feliz dia dos colaboradores...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Trago más notícias: o trabalhador morreu. De quê? De assassinato semântico. Quem tenha estado atento às mudanças na linguagem das últimas décadas vai se lembrar da causa do óbito. Foi quando os empresários decidiram extirpar a palavra trabalhador do dicionário das empresas, substituindo-a pela expressão colaborador, uma denominação contaminada pela ideologia burguesa.

As palavras têm história. E não é preciso um grande exercício para entender a lógica. Trabalhador é uma expressão que vem do discurso de classes. É um sujeito incômodo, que luta pelos seus direitos, que se organiza, exige salário, faz greve. É claro que o patronato prefere lidar com o colaborador. Afinal, ele colabora.

Numa economia de mercado, nada mais natural que haver também uma economia do mercado linguístico. E há quem torture as palavras. Quem detém o poder económico, comunicacional e político pode impor o seu logos. É um fenômeno conhecido pelos estudiosos como “logocracia”. O poder da palavra. O poder pela palavra.

É célebre o diálogo entre Alice e Humpty Dumpty, em que o escritor Lewis Carrol sintetiza a questão da relação entre linguagem e poder.
- Quando eu emprego uma palavra, ela quer dizer exatamente o que me apetecer... nem mais nem menos – retorquiu Humpty Dumpty
- A questão é se você pode fazer com que as palavras queiram dizer tantas coisas diferentes.
- A questão é quem é que tem o poder... é tudo – replicou Humpty Dumpty.

A conclusão é óbvia. Os donos do poder têm a capacidade de fundar o vocabulário do mundo. Se linguagem e pensamento são indissociáveis, então a manipulação da linguagem será a manipulação do pensamento. O colaborador é filhote dessa falsificação. Tanto que a expressão foi assimilada por muitos trabalhadores, que se autodefinem como colaboradores.

A vida dos donos do poder fica mais fácil. Baixar o cacete para submeter os trabalhadores não é o único caminho. Há a linguagem. A estratégia passa por torná-los colaboradores, fazer com que se sintam integrantes de algo maior, domesticar o seu comportamento e conseguir a adesão. Um truque linguístico é coisa simples, mas de longo alcance.

E que tal extrapolar a questão para o plano político? Um partido de trabalhadores que preserve a consciência de classe será sempre uma pedra no sapato dos donos dos meios de produção. Não por acaso que a burguesia brasileira encetou o seu plano: destruir o Partido dos Trabalhadores e impedir que o país volte a ter um governo popular.

Pierre Bourdieu denuncia uma “vulgata planetária - da qual se encontram notavelmente ausentes capitalismo, classe, exploração, dominação, desigualdade e tantos vocábulos decisivamente revogados sob o pretexto de obsolescência ou de uma presumível falta de pertinência - produto de um imperialismo apropriadamente simbólico: os seus efeitos são tão poderosos e perniciosos porque ele é veiculado não apenas pelos partidários da revolução neoliberal”.

Ou como diz o próprio Karl Marx, os integrantes das classes hegemônicas “dominam também como pensadores, como produtores de ideias, regulam a produção e a distribuição de ideias do seu tempo; que, portanto, as suas ideias são as ideias dominantes da época”. Enfim, Bourdieu e Marx apontam para o mesmo destino: é mais fácil de controlar um colaborador, porque alienado ele perde a noção da sua condição de trabalhador.

É a dança da chuva.