terça-feira, 29 de agosto de 2017

Brasileiros em Portugal: apartheid social atravessa o Atlântico?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
A Flaviane é a mulher que trabalha na limpeza aqui na agência, em Lisboa. E como sou um dos primeiros a chegar pela manhã (acreditem, sou um preguiçoso que trabalha muito) algumas vezes a gente passa uns minutos a conversar. O papo é quase sempre sobre o Brasil, porque faz muitos anos ela deixou Curitiba para viver em Portugal. No mês passado, em plano verão europeu, Flaviane tirou férias para receber a filha e o genro, que vinham à Europa pela primeira vez.

Quando voltou ao trabalho, é claro que o tema de conversa foi a visita da família. O que rolou? A filha e o marido adoraram o país, especialmente pela segurança, e tomaram a decisão: voltar ao Brasil para resolver alguns problemas, para depois emigrarem. O caso é apenas um exemplo de uma tendência que se acentuou ao longo do último ano – e um indicativo de que as coisas não estão a correr bem no Brasil.

O número de vistos pedidos por brasileiros não pára de aumentar. Mas desta vez o fluxo migratório tem uma característica interessante. É que os extremos se tocam. Da mesma maneira que as famílias mais pobres vêm para Portugal em busca de uma vida melhor, a imprensa não se cansa de noticiar que as “elites brasileiras” estão a fixar residência no país, a maioria na condição de investidores.

Mas um cheirinho a apartheid social brasileiro também atravessa o oceano. Os emigrantes pobres têm que encarar anos e anos de contribuição sem que consigam a legalização. Os ricos não têm problemas e usam o recurso ao Visto Gold. É uma iniciativa do governo português que garante visto de residência na aquisição de imóveis no valor de 350 mil euros (antes 500 mil). Ou seja, a vida corre bem para os brasileiros com grana. Como sempre...

Um caso de ricos. Um dia destes o jornal Público, por exemplo, publicou uma reportagem com o título “Elite brasileira traz novos negócios para Portugal”. Entre algumas histórias, falou no caso de uma empresária que estava a escolher entre Lisboa e Porto para viver, porque queria fugir da falta de segurança e da instabilidade política e financeira no Brasil. Ops! É um chute meu, mas a moça tinha todo o jeitão de quem vestiu de amarelo.

Um caso de pobres. Faz algum tempo conheci um brasileiro que vivia em Portugal e tinha um padrão de vida que dificilmente teria no Brasil. Vivia num apartamento confortável, tinha o próprio carro e o filho numa escola – pública – de qualidade. Durante o governo Lula achou que era o momento de voltar ao Brasil. E voltou. Mas a partir do ano passado mudou de ideia. Hoje vive em Portugal, onde tenta retomar a antiga vida.

Mudar de país não é fácil. E todos têm os próprios problemas para resolver. Os ricos terão que aprender a viver numa democracia social, onde os caminhos de pobres e ricos se entrecruzam mais vezes e as diferenças de classe têm menor peso que no Brasil. E os pobres têm que a ir à luta para conquistar um lugar. O que não chega a ser novidade e é claramente mais fácil numa sociedade sem apartheid social.

É a dança da chuva.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Uma prefeitura sem a cultura de valorizar a cultura

POR JORDI CASTAN
A cultura não é prioridade em Joinville. Não é segredo. Juntar turismo e cultura, então, é um desserviço a ambos os setores. Cultura deveria ser tratada com a importância que efetivamente tem e merece. Poderíamos começar com coisas simples, até porque as complexas, aqui em Joinville, estão fora de cogitação. Então, a única alternativa seria fazer as fáceis, coisas que o secretário que aí está seria capaz de planejar, executar e colher os resultados. Provavelmente a parte mais difícil é explicar para o prefeito que vale a pena investir em cultura e que com pouco investimento é possível obter bons resultados.

Vamos a um exemplo simples, algo que poderia ser feito, que bastaria querer fazer. Aproximar os alunos da rede pública dos museus. Incentivar que os museus de Joinville sejam lugares de estudo, de desenvolvimento multidisciplinar. Levar mais crianças a se interessar pela arte, a história e a cultura da sua cidade. Um programa que facilitasse o acesso aos museus.

A primeira proposta seria aumentar o horário de visitação dos museus, que hoje funcionam só das 10 às 16 horas. Um horário que está mais voltado a atender os "interesses" e a conveniência do serviço público que os da sociedade. Um caso típico do poste mijando no cachorro. Museus que passam a maior parte do dia fechados não servem a seu objetivo

A segunda proposta seria a de disponibilizar transporte gratuito para os alunos da rede pública para que possam visitar os diversos museus de Joinville. O serviço já existiu no passado, mas com o tempo desapareceu. As escolas que querem visitar algum dos museus de Joinville devem se cotizar para contratar os serviços de uma das duas empresas que monopolizam o serviço na cidade. O orçamento que as empresas cobram pelo serviço é de R$ 400,00. Um absurdo. O poder público não oferece o serviço e tampouco se preocupa para que o serviço seja oferecido por um preço justo e razoável. O resultado é que os alunos são alijados do acesso a rede de museus municipais.

Seria preciso querer. E é esse “querer” que o poder público tem tanta dificuldade em assumir. Digamos, por exemplo, que depois dos horários de pico, um daqueles ônibus que passa a manhã ou parte da tarde estacionado em qualquer um dos terminais urbanos, fosse colocado à disposição das escolas para visitas a museus, sambaquis, parques e espaços culturais, as escolas só precisariam programar as suas atividades e agendar o transporte.

Fácil né? Seria preciso apenas que alguém quisesse. Ou seja, com um pouco de boa vontade e sem nenhum recurso extraordinário, se facilitaria o acesso à cultura a milhares de alunos da rede pública. Mas como em Joinville o problema não é de dinheiro e sim de gestão, já podemos imaginar que esta solução não será implantada.

Em tempo: quantos alunos visitaram os museus de Joinville no ultimo ano escolar? Quanto poderia aumentar a visitação se houvesse um programa de estimulo a visitação? Quais museus são os mais visitados? Qual é o perfil do visitante dos museus? Qual o melhor horário de funcionamento, para o visitante? Vai que o poder público de repente passa a se interessar pela cultura e estimula o acesso a cultura para todos.

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Eu, ele e o radinho

POR YAN PEDRO
É comum, entre uma vitória em casa e uma derrota fora (como virou costume nesta Série C), me pegar pensando nas chances que o Joinville teve para evitar este inferno pelo qual estamos passando. Parece coisa de louco ficar remoendo o passado, mas, para mim, é inevitável.

Da surreal noite na qual Jael perdeu dois pênaltis, passando pela derrota improvável do Náutico para o Oeste, o dia que mais me marcou no rebaixamento do JEC em 2016 foi 8 de outubro de 2016, quando percebi que a queda estava praticamente decretada.


O personagem desta foto é desconhecido. Eu não o conheço, sequer vi seu rosto pra registrar o momento. Mas, mesmo assim, sei bem o que ele passou na tarde daquele sábado, e por que ficou ali - parado, incrédulo, colado ao radinho - por mais de cinco minutos depois do apito final.

O rádio, companheiro de quando não havia TV e os holofotes de série A e B, contava o que ele custava acreditar: o Joinville - embora ainda não matematicamente - estava rebaixado para o inferno da terceira divisão.

O que ele poderia pensar naquele momento? Na dificuldade em subir para a Série B, lá em 2011? Na alegria de 2014, quando subimos como campeões para a primeira divisão? Ou na euforia de 2015, que deu lugar a frustração logo no primeiro semestre, com a perda traumática do título catarinense? 

Quando o vi se levantar e ir embora cabisbaixo, um nó envergonhado se formou na minha garganta. Por sorte, ou talvez por já estar mais conformado, consegui segurar as lágrimas. Mas sabia que, a partir daquele 0 a 0 em casa com o Paysandu, o JEC era um paciente em estado terminal, à espera de os aparelhos serem desligados.

Sim, até houve uma breve melhora, mas somente aquela breve e enganadora antes de, finalmente, dar adeus e voltar para o inferno da Série C, da qual não temos certeza de que conseguiremos escapar este ano.






Yan Pedro é jornalista,
cronista esportivo
e torcedor do JEC

Terrorismo do Exército mata na OAB

POR DOMINGOS MIRANDA
O Exército já prestou serviços gloriosos ao Brasil, tais como a campanha do Tenentismo, para moralizar a política, a participação na Segunda Guerra Mundial e as forças de paz em vários países. No entanto, houve períodos em que muitos de seus integrantes mancharam para sempre a instituição com a prática de torturas nos quartéis e atos de terrorismo. Um destes fatos vergonhosos aconteceu no dia 27 de agosto de 1980, quando uma carta-bomba explodiu na sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), matando a secretária da entidade, Lyda Monteiro da Silva. Quatro militares do Centro de Investigações do Exército (CIE) estavam envolvidos na ação.

Na época do atentado, o Brasil vivia em plena ditadura e muitos militares da “linha dura” não aceitavam a chamada abertura política. Em 1979, a anistia colocou em liberdade os presos políticos e permitiu o retorno dos exilados. Todos os setores oposicionistas sofriam nas mãos destes descontentes de farda. Em 1980, o bispo de Nova Iguaçu, dom Valdyr Calheiros, e o jurista Dalmo Dalari foram sequestrados e barbaramente espancados. A OAB denunciava estes desmandos e foi colocada no alvo dos facínoras fardados.

A carta-bomba destinada ao presidente da OAB, confeccionada pelo sargento Guilherme Pereira do Rosário, foi entregue pessoalmente pelo sargento Magno Cantarino Motta, codinome Guarany.  Quem coordenou a ação terrorista foi o coronel Freddie Perdigão Pereira. Uma servente da OAB foi testemunha ocular da entrega da carta e, somente 20 anos mais tarde, confirmou o responsável pela entrega: Guarany. As investigações feitas na época não deram em nada e nenhum culpado foi punido.

Lyda Monteiro da Silva abriu a correspondência destinada a Eduardo Seabra Fagundes, presidente da OAB, quando ocorreu a explosão. A secretária teve um braço arrancado e outras mutilações pelo corpo. Morreu na ambulância, a caminho do hospital. No mesmo dia houve outros atentados no Rio: no gabinete do vereador  Antônio Carlos de Carvalho (com cinco pessoas feridas) e na sede da sucursal do jornal Tribuna Operária (do PCdoB). No ano seguinte aconteceu um outro atentado que fracassou, durante as festividades do 1º de Maio, no Riocentro, com a presença de mais de 10 mil pessoas. A bomba explodiu no colo de um sargento e feriu gravemente um capitão, ambos estavam no interior de um carro Puma.

Era um período de grande intranquilidade. Bombas explodiam em bancas que vendiam jornais alternativos, verdadeiras operações de guerra eram montadas para tentar enfraquecer as greves operária, seu líderes eram presos e tentaram calar a Igreja Católica (tomaram dela a sua rádio).  De janeiro de 1980 a abril de 1981, a “tigrada”, como era conhecido o grupo radical do Exército, realizou 74 ações terroristas. Elio Gaspari, em seu livro “A ditadura acabada”, afirma  que  “a Comunidade de Informações, que trabalhava em seu benefício, não desvendara um só dos atentados que ocorriam no país”.

Nos dias atuais causa calafrio quando vemos um ex-capitão, que em 1987 ameaçara colocar bombas nos quartéis por causa dos baixos soldos, figurar em segundo lugar nas pesquisas como candidato a presidente da República. Não devemos descuidar das serpentes, quando menos se espera, elas podem nos picar. Terrorismo nunca mais.s