quinta-feira, 17 de março de 2016

Basta!


Oh, não! Descobrimos a corrupção!


POR FELIPE CARDOSO

Após as manifestações de Junho (desdenhada por muitos jornalistas no início), o clamor das ruas por mudanças, resultou em mudança nas coberturas políticas de alguns jornais. Com muita parcialidade, alguns alvos foram escolhidos. Em sua maioria, o Partido dos Trabalhadores entrou na mira de alguns movimentos e veículos de comunicação.

“Nunca se viu tanta corrupção no Brasil”. É a afirmação que se escuta por parte da oposição e de grande parte da imprensa tradicional tupiniquim.

Todo esse espanto e estardalhaço causados por esses grupos é considerado uma desonestidade sem tamanho para quem conhece um pouco da história deste país.

Os portugueses chegaram aqui com dívidas estratosféricas, roubaram e exploraram a terra da população indígena que aqui residia. Junto com outros países europeus, também saquearam e sequestraram os moradores do continente africano, utilizando a sua população para o trabalho escravo.

Aqui, estupraram, torturaram e mataram indígenas e africanos. Abusaram do poder e ensinaram seus descendentes a fazerem o mesmo. Provocaram um verdadeiro extermínio.

Como se não bastasse, os algozes colocaram a culpa de tudo de ruim que acontecia no país nas vítimas das suas perversidades. Indígenas, negros e pobres eram os marginalizados, preguiçosos, criminosos, ignorantes. Ao mesmo tempo em que construíam a imagem de si próprios como os responsáveis por sustentar o país, os detentores da moral e dos bons costumes, os cultos e inteligentes, os trabalhadores esforçados.

Percebe-se que o que vemos hoje é apenas a reprodução da mesma hipocrisia dos séculos passados.

A hipocrisia de uma abolição fajuta, em que tentaram consagrar uma princesa que só fez o que fez por interesses econômicos e manteve ex-escravos sem oportunidades, marginalizados. Hipocrisia de um saque das terras indígenas, afastando e segregando ainda mais as tribos. A hipocrisia dos castigos e torturas que arrancavam carne e sangue dos mais pobres para lucrar.

Por que o espanto? Por que a revolta somente agora? O Brasil foi corrupto desde a sua colonização. Dizer que nunca se viu tanta corrupção neste país é uma injustiça, é uma tentativa de colocar uma venda nos olhos dos brasileiros e brasileiras, escondendo a história, o jogo de poder e interesse que sempre existiu.

Se fossemos julgar os crimes cometidos pela elite brasileira nos séculos passados até os dias atuais, quantos anos de condenação receberiam? Formação de quadrilha, assalto a mão armada, homicídios, torturas, sequestros, estupros, golpes, falsificação, omissão, sonegação…

Como nunca se viu tanta corrupção no Brasil? As mentiras históricas também nos fazem ter uma noção da grande injustiça existente no país.

Diante de todas essas atrocidades que vêm a memória há uma semelhança entre os personagens envolvidos no passado e os envolvidos atualmente. Os que seguravam a chibata e os que apanhavam. Os que perseguiam e os que fugiam. Os que praticavam a tortura e os que eram torturados.

Ontem, quarta-feira (16/03), fez dois anos da morte brutal de Cláudia Ferreira da Silva, assassinada por policiais e arrastada pelo camburão da polícia do Rio de Janeiro. Talvez isso sirva para nos lembrar das corrupções diárias que vemos e praticamos, mas não consideramos como tal, pois o problema está lá, não aqui. Por isso, apenas por isso, nunca se viu tanta corrupção no Brasil.

Sobre a imprensa e as informações que chegam até nós, Milton Santos define bem:

“O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde. Isso tanto é mais grave porque, nas condições atuais da vida econômica e social, a informação constitui um dado essencial e imprescindível. Mas na medida em que o que chega às pessoas, como também às empresas e instituições hegemonizadas, é, já, o resultado de uma manipulação, tal informação se apresenta como ideologia”¹

Quem está à margem sempre sofreu com a corrupção, sempre pagou o preço por isso, sempre sentiu na pele as consequências das bagunças que acontecem na Casa Grande da política brasileira.

Não há que se ter espanto ou destaque para esse ou aquele caso, para esse ou aquele partido. A questão principal não é saber quem roubou mais, é acabar com o roubo e isso passa por uma mudança profunda e estrutural no sistema econômico e político (auditoria da dívida, reforma política...), realmente democrática, pensada e construída por toda a população, não apenas por coronéis, sinhós e sinhás. Esses já demonstraram que não querem mudar, mas manter os privilégios.

A corrupção brasileira tem a data de fabricação em 1.500 e o prazo de validade pode estar datado para 2016, mas para isso é preciso consciência e coerência. É preciso que os que realmente sofrem se façam ouvir.

¹ SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 38-39.

terça-feira, 15 de março de 2016

Domingo, 13 de março de 2016

POR CLÓVIS GRUNER

No último domingo, manifestantes foram às ruas em cerca de 300 cidades brasileiras. Os números totais variam de 3,5 milhões, segundo estatísticas das polícias militares, e 6,9 milhões, de acordo com os organizadores (link1). Sob quaisquer perspectivas, um número expressivo o suficiente para não ser ignorado e preocupar especialmente um governo que já fraqueja, débil, desde praticamente a posse, e que se vê hoje isolado e sitiado até por setores do próprio PT, partido a que pertence a presidenta.

Pesquisa realizada pelo Datafolha, e publicada na edição de segunda-feira do jornal paulistano, revela alguns dados interessantes (link2). E ainda que o levantamento esteja restrito a São Paulo, capital, ele serve como parâmetro para avaliarmos o perfil médio de quem foi às ruas. Em linhas gerais, o perfil se mantém “elitizado”: a maioria dos manifestantes são homens acima de 36 anos; 77% tem curso superior – o mesmo índice dos que se declararam brancos –; 12% são empresários e metade tem média salarial entre cinco e 20 salários mínimos.

Os números da Datafolha podem ser lidos como complemento a pesquisa realizada em agosto do ano passado pelo professor Pablo Ortellado, da USP, Esther Solano, da Unifesp, e Lucia Nader, da Fundação Open Society (link3). O levantamento já indicava um perfil predominantemente de classe média. Mas a presença ainda pouco expressiva da população mais pobre não significa, necessariamente, que ela esteja satisfeita com o governo Dilma (link4). As razões podem não ser as mesmas, mas o governo petista está a perder apoio mesmo entre a população mais carente, aquela que não se pode acusar de ser “privilegiada”. Que suas queixas não tenham a mesma repercussão apenas confirma uma tradição histórica da política brasileira, a de fazer ecoar as vozes privilegiadas e dar pouca ou nenhuma importância a quem vive nas periferias.

“CONTRA TUDO O QUE ESTÁ AÍ” – Se as pesquisas constatam, por um lado, que é a maioria branca e de classe média que engrossa as fileiras das manifestações, por outro elas obrigam também a tomar certo cuidado antes de afirmar, com a certeza característica dos debates travados nas redes sociais, de que são todos conservadores e “fascistas”. Antes pelo contrário, a aposta em um perfil político mais eclético me parece mais certa, já que é difícil sustentar a hipótese de que quase quatro milhões de brasileiros são conservadores ou, pior, fascistas.

Mas mesmo o ecletismo e as vaias contra Alckmin e Aécio, praticamente expulsos da Avenida Paulista, não desfazem inteiramente a sensação de que a indignação “contra tudo o que está aí” é, ainda, bastante seletiva (link5). Sensação reforçada pelas notícias que circularam nos últimos dias: primeiro foi o tweet de Ricardo Noblat, que ele tratou de apagar assim que percebeu a bobagem que havia feito (link6). Depois, a entrevista com Eder Borges, coordenador do Movimento Brasil Livre em Curitiba (link7), sem dúvida, das mais esclarecedoras. E por fim, em sua coluna de segunda-feira, Mônica Bergamo voltou ao assunto (link8), confirmando algo sobre o qual venho falando há tempos: a bandeira da ética está a servir a interesses pouco claros. E para muita gente que foi às ruas o problema não é a corrupção, mas o PT. Basta o governo Dilma cair e Lula ser preso, para a insatisfação arrefecer e a maioria silenciosa voltar a assistir a tudo bestializada.

Mas isso não é o pior: sei que nem todo manifestante marcha com Bolsonaro e pede intervenção militar. Mas esse é o tipo de coisa em que basta um, porque um já é muito. E os que insistem em aplaudir um deputado esse sim, fascista, e empunhar cartazes pedindo a volta da ditadura são bem mais que um. Tampouco me agradam as imagens de gente ajoelhada rezando pelo país e o patriotismo caricato, com manifestantes uniformizados de CBF (uma contradição, aliás) cantando o hino nacional. E enfim, acho lamentável que nossos heróis sejam um juiz punitivista e uma corporação policial, especialmente o primeiro, alçado praticamente à condição de entidade quase sagrada.

E O PT COM ISSO? – Nada disso, no entanto, serve para desfazer ou corrigir os inúmeros erros do PT. A esquerda mais próxima ou simpática ao governo reivindica o engajamento, em defesa do partido e de Dilma, dos setores progressistas. Mas é difícil defender um governo que cooptou ou neutralizou alguns dos principais movimentos sociais, enquanto fazia vistas grossas para a criminalização de tantos outros (link9). Fala-se no “avanço conservador”, mas foi o governo petista quem se aliou a grupos e forças conservadores – é preciso lembrar sempre, entre outras coisas, que temos na presidência uma mulher que só fala a palavra “aborto” para reafirmar sua proibição e que agiu para impedir qualquer avanço nas políticas de gênero e de combate à homofobia?

E há, claro, as inúmeras denúncias de corrupção. Não tenho dúvidas de que as investigações conduzidas pelo MP e pela PF têm sido politizadas ao extremo. E que é cada vez mais óbvio que a oposição e parte da mídia estão a fazer um largo e espetacularizado uso do envolvimento do PT e de suas lideranças em esquemas de corrupção. Por outro lado, é também cada vez mais difícil apostar na inocência do partido e das lideranças petistas, e acreditar no discurso de que é tudo não passa de uma grande conspiração da justiça, da mídia e da oposição.

Talvez não tão culpado quanto gritam os opositores, mas provavelmente também não tão inocente quanto alegam os defensores, a essas alturas a impressão que tenho é de que, ao PT, já não importa defender o atual governo, mas salvar 2018. Por isso estão a jogar Dilma aos leões enquanto blindam desesperadamente Lula.

OU, A DEPENDER DAS NOTÍCIAS:

o último grande ato nesse sentido foi a nomeação de Lula para o ministério de Dilma, uma clara tentativa de, sob o pretexto de reagrupar a base governista usando a liderança do ex-presidente, tentar poupá-lo da sanha persecutória de Moro conferindo-lhe foro privilegiado.

***

 No fim, há um custo alto em tudo isso, e quem paga a fatura é, principalmente, nossa ainda frágil democracia, à mercê das estratégias pouco republicanas do governo e da oposição. Em novembro de 2014, quando a Lava Jato ainda engatinhava, escrevi aqui no Chuva Ácida sobre a corrupção e sua presença na história do país (link10). E encerrava afirmando que tanto a indignação quanto o combate à corrupção deveriam fortalecer a democracia, não fragilizá-la.


Nas manifestações de junho de 2013 algo assim aconteceu, mas nenhuma das forças políticas institucionais, a começar pelo governo e o PT, estavam dispostos a incorporar as demandas das ruas, que naquela ocasião sinalizavam para a necessidade de fazer avançar nossa cultura democrática. A indiferença de três anos atrás cobra seu preço. Porque talvez o que fique das ruas agora seja, justamente, o enfraquecimento da democracia e uma derrota que as esquerdas, e não apenas a petista, terão dificuldade de superar.  

Quero o meu país de volta. Que país?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Nos últimos dias, a rede de fast food Habbib’s lançou uma agressiva campanha de marketing, para suporte às manifestações do último domingo. Sem problema. As empresas podem estar associadas a causas políticas, apesar de ser sempre uma jogada de risco. Parece perigoso uma marca abrir mão de metade do público consumidor, como neste caso. Mas o pessoal do marketing da empresa deve saber o que faz.


No entanto, o apelo da campanha pareceu um tanto vago, em especial naquela parte em que diz: “quero o meu país de volta”. Que país eles querem de volta? Fiquei a maturar e como não cheguei a uma conclusão, decidi que hoje não teremos textão, mas um exercício gráfico para tentar entender o que o Habbib’s quer de volta. Será que é isto?

















É a dança da chuva.