POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Passei o feriadão da Páscoa na Espanha. O destino era Cádiz, para alguns
a cidade mais antiga da Europa (um destino que recomendo), no extremo sul do
país. Fiz uma pequena escala em Sevilha, onde passei a Sexta-Feira Santa. A
ideia era rever alguns lugares, mas não deu: foi praticamente impossível andar
pelas ruas, por causa das multidões nas missas, procissões e festividades.
Não é de admirar. Afinal, a Península Ibérica é um dos
maiores centros de concentração de católicos da Europa (e, percentualmente,
também do mundo). Mas, de qualquer forma, ouvi de muitos espanhóis a reclamação de que as pessoas estão se
afastando da igreja e que
antigamente esses eventos atraíam muito mais gente. A Igreja Católica estaria a
perder fiéis. Não sei se é verdade, porque nunca vi tanta gente nas ruas.
Mas parece que a coisa está mesmo feia lá para os lados da Santa Sé. Por
coincidência, já em Portugal tomei conhecimento, pela imprensa, de que a
Universidade Católica Portuguesa realizou uma pesquisa para saber a quantas
anda o seu rebanho. E as notícias não são animadoras. O número de católicos,
que já foi de expressivos 90%, hoje está em 70% dos portugueses. E o pior:
apenas 18% – o que corresponde a 1,8 milhão de pessoas –, cumprem os serviços
mínimos. Ou seja, ir à missa aos domingos.
O fato é que acendeu a luz vermelha e os integrantes do alto escalão da
igreja estão a discutir a situação. Uma das razões apontadas para esse
afastamento dos fiéis é a imagem do papa Joseph Ratzinger (aka Bento XVI),
considerado menos midiático que o seu antecessor, João Paulo II, além de estar associado a posições conservadoras. Pode ser. Mas o que os líderes católicos esperam? Como
podem querer ter as pessoas mais próximas se é a própria Igreja Católica a
provocar o afastamento?
Ao ter um papa ultraconversador é natural que a igreja, no seu todo, assuma
posturas ultraconservadoras. O problema é que neste momento a sociedade deseja
avançar, tornando as coisas inconciliáveis. Joseph Ratzinger é apontado como um
caso raro de papa e intelectual (coisas que, ao que parece, nem sempre andaram
juntas). Se não gosto do religioso, sinto-me obrigado a aceitar o
intelectual. Mas aceitar não significa concordar. O mundo não precisa de um
papa que entenda mais de letras do que de pessoas. E Ratzinger parece não entender muito de gente real.
É preciso fazer uma resenha? O que dizer de um homem que, em pleno
século 21, compara o aborto ao terrorismo? Ou que considera a homossexualidade "uma depravação e uma ameaça à família e à
estabilidade da sociedade". Ou que não tem a contenção verbal
necessária e provoca reações violentas entre os muçulmanos, ao dizer que a fé
de Maomé era “má e desumana”. Não é suficiente? Então aí vai...
O que dizer do
famoso discurso quando esteve na África? Aquele onde Ratzinger disse que a AIDS
é uma “tragédia que não pode ser ultrapassada só com dinheiro, que não pode ser
ultrapassada com a distribuição de preservativos”. Podem até dizer que a
imprensa mundial distorceu as declarações do homem, mas ninguém vai negar que ele
condena
o uso do preservativo como método de prevenção da AIDS. É da idade da pedra lascada.
E que tal lembrar
a sua visita à América Latina, onde disse que os povos indígenas estavam “à
espera e desejosos” da religião. Neste caso, fica provado que o grande
intelectual Joseph Ratzinger nunca estudou a história da América Latina, onde está claro que a conquista foi feita com “a espada, a cruz e a fome”. É o
mesmo que dizer: os indígenas estavam ansiosos pelo maior genocídio da
história, que custou talvez 15 milhões de vidas.
Ok... já que estamos na América Latina, para quem vive ou viveu no
Brasil, acho que fica como grande marca a sua cruzada pessoal – ainda antes de
ser papa – contra a Teologia da Libertação, um raríssimo momento na história em
que a Igreja Católica se colocou de forma ativa ao lado dos mais fracos. Graças
a Ratzinger foi perdida uma chance histórica.
E com tudo isso ainda acham estranho estarem a perder fiéis?