quinta-feira, 13 de julho de 2023

Lugar de milico é nos quartéis, não nas escolas

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Mas que boa notícia. O Ministério da Educação decidiu acabar com essa coisa das escolas militares. Há quase quase 200 instituições na mira, em todo o país, e o desmanche dessa aberração bolsonarista exige alguns cuidados. É claro que já existe um certo choro e ranger de dentes, em especial dos militares que vêm atuando na gestão escolar e educacional dessas instituições. Afinal, uma graninha extra sempre calha bem. E os militares brasileiros parecem habituados à teta estatal.

“A partir desta definição, iniciar-se-á um processo de desmobilização do pessoal das Forças Armadas envolvidos em sua implementação e lotado nas unidades educacionais vinculadas ao Programa, bem como a adoção gradual de medidas que possibilitem o encerramento do ano letivo dentro da normalidade necessária aos trabalhos e atividades educativas", diz o ofício do Ministério da Educação. Traduzindo, quer dizer que lugar de milico é no quartel.

Educação é coisa séria e há muito a fazer neste caso. Ou melhor, a desfazer. Os defensores do modelo argumentam que, por impor disciplina, essas escolas trazem benefícios. É só estupidez. A disciplina é importante, mas o foco excessivo nesse aspecto não pode se sobrepor a outras áreas do conhecimento. Isso limita o desenvolvimento de habilidades acadêmicas e criativas, bem como a capacidade dos alunos de questionar e explorar diferentes ideias.

Os aspectos negativos são evidentes. A abordagem autoritária num mundo que exige pensamento crítico e criativo é o mais relevante. A hierarquia e a disciplina rígida levam a um ambiente onde a liberdade de expressão e individualidade são suprimidas. Não é pedagógico e também não aponta para a necessária vivência em democracia. O que surpreende em nada, uma vez que estamos a falar de uma iniciativa bolsonarista. E nada de bom vem de Bolsonaro.

Nem se trata de discutir a questão pedagógica. Os milicos sequer sabem o que é isso. Mas grana é grana e um extra no fim do mês seduz. Eis o problema: essas escolas estavam a se tornar um tremendo cabidão de emprego. Portanto, é melhor passar uma borracha nessa cagada. O Brasil precisa sair do atraso. O caminho precisa ser o futuro e não a volta desse fedor de 64. Voltem para os quartéis, senhores!

É a dança da chuva.



terça-feira, 11 de julho de 2023

Ei, Eduardo Bolsonaro, vai se f...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há coisas que nem o diabo acredita. E não é que o deputado Eduardo Bolsonaro foi associar os professores a traficantes de drogas? O tipo disse disse que os pais precisam estar atentos a professores doutrinadores e que eles podem ser piores do que quem sequestra crianças para o tráfico. A fala surpreende? Não. Estamos a falar da tática de "dog whistle", usada para mobilizar o gado.

A família Bolsonaro é um caso típico de “dark factor”. Não sabe o que é? É uma teoria da psicologia que busca descrever um conjunto de características da personalidade associadas a comportamentos e tendências ruins. Também conhecido como “D-factor", ele se baseia na ideia de que existem traços negativos que são compartilhados e que podem influenciar uma série de comportamentos antiéticos ou imorais.

Eduardo é uma expressão de Jair. Aliás, no Brasil eu me atreveria a chamar “B-Factor, numa “homenagem” à alma sombria dos Bolsonaro. O conceito surgiu de estudos que tentavam explicar o comportamento humano negativo. As conclusões são baseadas em pesquisas que identificaram uma correlação entre diferentes traços de personalidade negativos, como o narcisismo a psicopatia e o sadismo. 

O "dark factor" fala de indivíduos com traços psicopáticos que podem ir da falta de empatia a comportamentos destrutivos. Vejam lá se estes fatores não correspondem ao bolsonarismo raiz: a falta de empatia, o uso da manipulação e da mentira, o comportamento impulsivo, a busca por poder e controle ou mesmo as práticas antiéticos. Se fosse uma aposta era jackpot. 

É claro que o deputado estava a falar para os bolsonaristas. Porque ainda há muita gente receptiva a esse tipo de discurso. Aliás, sem querer psicanalisar, não foi Bolsonaro que fez essas pessoas ficarem más, ele apenas libertou a maldade que estava reprimida em cada uma delas. A identificação com líder ocorre quando os seguidores projetam suas esperanças, aspirações ou a própria maldade nessa figura. 

O exemplo dos Bolsonaro permite lançar a suspeita de que a maldade pode ser genética. É tudo ruim. E pensar que esse Eduardo Bolsonaro é considerado o "intelectual" da família. Enfim, eu, como professor, só tenho uma coisa a dizer ao deputado. E vou escolher a forma mais acadêmica e letrada possível: “Ei, Eduardo, vai se foder, seu bosta”.

É a dança da chuva. 

Eduardo Bolsonaro: a favor das armas, contra os professores


domingo, 9 de julho de 2023

Socorro! Há um comunista debaixo da cama

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O povo de Santa Catarina morre de medo de comunismo. E há políticos que estimulam essa doideira, como a deputada Júlia Zanatta, aquela das florzinhas. Credo! A mulher é mais bolsonarista que o próprio Bolsonaro. “Os deputados que votaram pela Reforma chancelaram ao Conselho Soviético a possibilidade de editar Lei Complementar. Não existe mais Constituição no país”, afirmou. 

Conselho Soviético? Mas o tema não era a Reforma Tributária? Que raio de deambulação mental permite introduzir os sovietes na equação? Até estaria tudo bem se não estivéssemos a viver num tempo em que a União Soviética não é União e muito menos Soviética. "Todo poder aos sovietes", diria alguém com a memória num longíquo 1917. Entenderam a deputada? Não? Tudo bem. Ninguém entende. 

O irônico é que a maioria das pessoas - deputados ou não - não faz ideia do que está a falar. Porque para essa gente, sobretudo os bolsonaristas, o comunismo não é um programa político ou um sistema de governo. É apenas o bicho-papão para assustar os tolos. Os catarinenses não votam contra a esquerda, mas contra o espantalho comunista criado pelo conservadorismo. 

Santa Catarina sofre de "comunismofobia". Quando um catarinense ouve a palavra "comunismo", surta e começa a delirar. É capaz de ver perigo quando alguém propõe que os pobres tenham três refeições por dia. O cidadão imagina, cheio de horror, o dia em que vai ser obrigado a partilhar o último pedaço de bolo com o vizinho. O povo catarinense, talvez uns 70% dele, transformou o bolsonarismo em estilo de vida.

Lula é o inimigo a abater. O atual presidente é o "comuna-mor", a encarnação de todo esse medo. É como se à noite Lula se transformasse num super-vilão que sai pelas ruas obrigando todas as pessoas a usar estrelinhas do PT. E como se fosse um Freddy Krueger vermelho, que invade os sonhos burgueses para pregar o comunismo. Enfim, esses comunas são bandidos capazes de qualquer crueldade. 

E o mais divertido. Os anticomunistas falam sobre comunismo sem jamais terem lido um texto. É como um jogo de telefone sem fio, mas em vez de palavras, eles passam e repassam estereótipos e caricaturas. Imaginam barbudos comunistas tentando implantar o regime soviético. Enfim, o medo do comunismo só não é maior que a burrice voluntária desse pessoal. Ninguém faz a mais pálida ideia do que está a falar.

Quem entra numa rede bolsonarista é logo capturado pelo anticomunismo mais primário. E nem vale a pena tentar argumentar porque são estados mentais muito rudimentares. É como no “Complexo do Pombo”: discutir com essa gente é o mesmo que jogar xadrez com um pombo. Ele derruba as peças, caga no tabuleiro e sai voando a cantar vitória. Então, rir (deles) é o melhor remédio.

É a dança da chuva.



sexta-feira, 7 de julho de 2023

Ah, Santa Catarina, sua ingrata...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Eis os fatos. Em 2023, com apenas seis meses do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o estado de Santa Catarina está a receber um volume muito considerável de verbas federais. O dinheiro está a chegar através de emendas parlamentares ou de investimentos na malha rodoviária do estado. Não deixa de ser irônico se considerarmos que Santa Catarina é considerada o mais ostensivo reduto bolsonarista do país.

Quanta diferença para o governo anterior. Mas não surpreende. Lula é um estadista, ao contrário do seu antecessor, que discriminou a região Nordeste, numa atitude revanchista pelo desempenho eleitoral pífio. Todos lembramos daquela declaração muito pouco republicana: “daqueles governadores de 'paraíba', o pior é o do Maranhão; tem que ter nada com esse cara", disse Bolsonaro para gáudio do seu gado.

Vamos falar de rodovias? Em três anos de governo de Jair Bolsonaro, entre 2020 e 2022, o investimento foi de R$ 1,1 bilhão. O governo Lula nem bem começou e em apenas seis meses destinou um total de R$ 1,3 bi. Ou seja, num curto espaço de tempo o presidente Lula fez mais do que Bolsonaro durante quase toda a sua administração. Se é que podemos chamar aquele desastre de "administração". 

Contra fatos não há argumentos. Durante o governo Bolsonaro, as obras andaram devagar, quase parando. O ex-presidente foi um inútil. E, afinal, a ligação a Santa Catarina não era amor. Era interesse nas férias. Muitas férias. Andar de jet-ski, passear de moto, pescar ou aglomerar durante a pandemia. Era preciso tirar férias de uma vida com agenda vazia em Brasilia. Fazer porra nenhuma deve ser estressante.

E que tal falar de emendas parlamentares. Há poucos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva liberou um valor recorde de R$ 2,1 bilhões destinados às bancadas estaduais. E adivinhem. As maiores parcelas foram direcionadas para a bancada do Maranhão (R$ 171,1 milhões), com Santa Catarina ficando em segundo (R$ 147,9 milhões). Ah, Santa Catarina, sua ingrata.

Mas vejam a ironia. Dos 16 deputados federais de Santa Catarina, 11 votaram contra a Reforma Tributária, um projeto que a sociedade brasileira pede há quatro décadas. É um tema de interesse nacional, mas esses deputados catarinenses - todos bolsonaristas - votaram contra. Entre eles, o inenarrável Zé Trovão, representante de Joinville no Congresso Nacional. Aí é foda, Joinville. Aí é foda, Santa Catarina.

Bolsonaro veio passear, causou aglomeração e não trouxe dinheiro. Mas mesmo assim é amado pelos catarinenses.


quarta-feira, 5 de julho de 2023

Falar no diploma de Lula é só conversa para boi dormir

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

As cenas surgiram na internet, mas no início não reconheci aquele senhor idoso, muito alquebrado e com ar abatido, a dar uma entrevista no programa Roda Viva. Foi preciso pesquisar um pouco para saber que era o apresentador Carlos Alberto de Nóbrega, na desinteligência dos seus 87 anos. O excerto que circulou na internet tinha a ver com o diploma de Lula. Que tédio.

O homem não foi meigo. “O senhor me explica de um presidente da República, no dia que recebe o diploma de presidente, chora e diz que é o primeiro diploma que recebeu na vida? Um homem que não tem um curso ginasial, universitário, contábil, qualquer coisa que seja, ser presidente da República? Por isso que o país está desse jeito”, disparou o senhor da praça.

É apenas ranço de classe. No Brasil, um canudo universitário é historicamente associado a um status social mais elevado. Houve tempos em que ter um diploma na parede era um privilégio reservado aos ricos. Aliás, esse é um borrão difícil de limpar no inconsciente social da pequena-burguesia endinheirada. Os ricos brasileiros precisam ter pobres à volta para se sentirem verdadeiramente ricos.

Há um pavor de classe. Se os pobres começam a ter pleno acesso ao ensino, há o risco de se desequilibrar a “ordem natural”. É importante que os pobres fiquem no lugar dos pobres. E lugar de pobre não é nas universidades. A educação precisa continuar a ser um divisor de águas na sociedade: os ricos têm diplomas, os pobres não precisam. Porque, afinal, devem permanecer na escala inferior que lhes é destinada.

A intervenção do senhor, que herdou do pai um banco inteirinho (daqueles de sentar), foi logo atacada pelo pessoal da esquerda. Lembraram que Sílvio Santos, o verdadeiro dono da praça, também não tem diploma. Mas isso é apenas whataboutism e pouco contribui para discutir o que realmente interessa. Importante lembrar que nos dois primeiros mandatos, o atual presidente criou 18 novas universidades federais e 173 campus universitários.

Importante salientar também que, durante esse período, o governo petista conseguiu duplicar o número de alunos do ensino superior no Brasil. Ou seja, a população brasileira com ensino superior passou de 8,3%, em 2002, para quase 17% da população. Para ter uma comparação, é só dizer que os números de pessoas com ensino superior em Portugal, com 35%, e Suécia, onde o número sobe aos 43%. Há muito a fazer e Lula não baixa os braços.

Portanto, falar da falta de diploma do presidente é apenas conversa para boi dormir. Tudo misturado com uma boa dose de ressentimento de classe. Porque Lula tem muita inteligência emocional e sabe ler o mundo melhor que muitos dos seus críticos. É conversa de reacionários tentando ter algum tema, num tempo em que o governo está a conseguir pôr o país nos trilhos. Além de que um apoiante de Bolsonaro nada deve à inteligência.

É a dança da chuva.



 
Em tempo: em 2012, escrevi um texto chamado “Os licenciadozinhos contra o Doutor Lu”, aqui mesmo. Dá um pulinho lá.
http://www.chuvaacida.info/2012/05/os-licenciadozinhos-contra-o-doutor.html