sexta-feira, 8 de setembro de 2017

O tio Firmo

POR JOSÉ ROBERTO PETERS
O pai contava que o tio Firmo jogava no gol. Pegava bola igual ao Higuita — aquela jogada apelidada de escorpião: jogava o corpo pra frente e defendia com os calcanhares. Não é de se duvidar, uma vez que viu isso quando criança. Criança não mente. O pai aumentava um pouco, mas nunca mentia. E o tio Lizandro confirmou. Então era: o tio Firmo jogava como o ídolo colombiano dos anos 90.

O tio Firmo era irmão da vó Justina, que era casada com o vô Matias. Lá também estavam a tia Ágata — irmã da vó, casada com um primo do vô — e a vó Deolinda, mãe das duas. Eram cafusas. Aquela mistura de negras e índias trouxe um charme àquela família de poloneses e alemães.

O tio Firmo foi o último a chegar. Veio fugido. Havia dado um tiro num sujeito lá em Jaraguá. Errou e teve que cair fora. Depois do tiro se embrenhou no mato e foi sair em Schroeder. Daí pra Serra Dona Francisca, São Bento e foi bater com os costados lá na Bela Vista. Foi acolhido pela mãe, pelas irmãs e cunhados.

Virou um factótum. Roçava, tratava de animais, fazia carreto e levava gente pra Mafra — numa carroça de quatro rodas e toldo, que era do meu avô. E jogava no gol aos domingos. O tio Alziro, irmão do vô — que serviu no Rio durante a Guerra — trouxe pra ele uma camisa do Vasco. Pronto. Defendia o time cruzmaltino como se tivesse nascido em São Januário.
Morava numa pequena casinha perto do São Lourenço num terreno do Vô Matias. Nunca se preocupou com dinheiro, ganhava uns pilas aqui, outros acolá. Plantava o que comia e sempre que alguém ia colher ou carnear um animal vinha pra ajudar n´alguma necessidade. Assim ia vivendo.

Nos domingos era o goleiro time. O campo — meio grama, meio terra — ficava perto da igreja e o povo se reunia pra ver futebol, tomar cerveja e algum refrigerante. Dizem que a tia Tuia, do tio Lizandro, vendia pros botequeiros uns canudos de palha de trigo, cortados com esmero, pras crianças tomarem refrigerante, mas isso já é outra história.

Os jogos eram contra os times da região: Saltinho do Canivete, Avencal e até uns vindos de Mafra. Uma vez perguntei se não dava muita briga. O pai estranhou a pergunta. Não, respondeu, era diversão. Iam pra se distrair da lida diária e ver o show do tio Firmo. Gente rude dando exemplo. Pensei no Galeano: Gañamos, perdimos; igual nos divertimos”.




José Roberto Peters é matemático,
professor universitário
e torcedor do Flamengo

Pacto


País sob o domínio do medo: únicos organizados são os delinquentes

POR DOMINGOS MIRANDA
Mais uma vez o crime organizado leva o pânico a Santa Catarina. Isso acontece metodicamente desde 2011 e já pode ser colocado no calendário oficial. Em uma semana ocorreram mais de 50 ataques dos bandidos. Policiais morreram, sedes de órgãos de segurança foram atacadas, ônibus incendiados etc. Muitos discursos foram feitos, mas, efetivamente,  nada de prático para solucionar o mal. É claro que este é um problema mais amplo, que não dá para ser resolvido sem uma maior intervenção do Governo Federal, que está imobilizado diante de suas ilicitudes e incompetências.

O narcotráfico é o pior problema para os países da América Latina nos últimos 30 anos. Hoje, o Brasil transformou-se na principal rota do tráfico para o mundo. Somente no primeiro semestre deste ano a venda de drogas rendeu cerca de R$ 20 bilhões aos traficantes. Estes tem muito dinheiro e podem corromper policiais, políticos, juízes e até mesmo membros das Forças Armadas. A série Narcos, mostrada pela Netflix, põe a nu esta realidade na Colômbia, nas décadas de 80 e 90. Agora somos nós que estamos sentindo o mesmo problema.

Se não houver uma ação coordenada dos três poderes não é possível encontrar uma saída para este grave problema. O coronel reformado da PM do Rio de Janeiro, Íbis Pereira, explica: “Para a gente reduzir violência tem que ter três coisas: vontade política, engajamento da sociedade e visão de longo prazo. Você só consegue visão de longo prazo se tem plano e se consegue institucionalizar o plano”. No Brasil não temos nada disso. Hugo Acero, que foi um dos coordenadores da luta contra o narcotráfico na Colômbia, em 2008 deu palestra em Joinville e disse: “Os únicos que estão organizados no Brasil são os delinquentes”.

Marcola, o líder da maior organização criminosa do país, está preso há vários anos em uma prisão de segurança máxima. Pessoa de uma inteligência incrível, leitor voraz de clássicos da literatura, comanda o crime de dentro da cadeia e tem planos de longo prazo. O seu ex-advogado já foi secretário da Segurança Pública de São Paulo, Ministro da Justiça e agora está no Supremo Tribunal Federal (STF). Em uma entrevista ao jornal O Globo, desafiava: “Estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês morrendo de medo”.

Se a corrupção se alastrou por todo o andar superior do poder, o que esperar? O coronel Íbis Pereira confirma que “a violência e a corrupção andam juntas”. Virou coisa comum no noticiário ouvirmos que tal juiz ou desembargador vendeu sentença. Há pouco tempo, um traficante condenado a 65 anos de prisão foi colocado em liberdade. A polícia encontrou meia tonelada de pasta de cocaína em helicóptero de senador e nada foi apurado. Ou melhor, uma juíza determinou que a imprensa não pode usar o termo “helicoca”.

Portanto leitores, o futuro não é muito promissor. Aliás, Marcola usa uma frase de Dante que define bem o momento atual: “Lasciate ogna speranza voi cheentrate! Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno”.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

No dicionário de Udo, “cimento” vem antes de “ambiente”

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Às vezes pergunto se Udo Dohler gosta de Joinville. Ou dos joinvilenses. Ok... muita gente fica ofendida com este tipo de questionamento – os chauvinismos são sempre bacocos – mas o fato é que quem gosta cuida. Repito: cuida. No entanto, não parece que o atual prefeito esteja particularmente empenhado em cuidar do futuro da cidade e dos seus cidadãos. Afinal, parece não haver ações de fundo nesse sentido.

Exagero? Udo Dohler está a lavar as mãos na questão do licenciamento ambiental. É grave. A propósito, memórias recentes permitem dizer que está a lavar as mãos nas águas vermelhas do Cachoeira. Mas o ambiente é razão para tanto barulho? O cidadão comum pode pensar de forma objetivista: “a gente tem que fechar os olhos para certas agressões à natureza porque o importante é ter empresas, progresso, emprego”. Nada mais errado.

O processo civilizacional aponta no sentido contrário. O ambiente é essencial para acautelar o futuro da cidade e a qualidade de vida dos cidadãos. O tempo é de construir cidades modernas, inteligentes e inclusivas. E, ainda melhor, ganhar com a nova economia (já não tão nova assim). Mas o atual prefeito é um homem com o mindset no século 19 e, no seu dicionário, as palavras “chaminé” e “cimento” vêm antes de “ambiente”.

Há perguntas a fazer. Por que Udo Dohler está a se demitir da defesa do ambiente? Por que está a rejeitar a obrigação de, enquanto prefeito, defender as atuais e futuras gerações de joinvilenses. Deixemos de barato. Afinal, seria impensável ver confirmado o que escreveu o co-blogger Jordi Castan esta semana: “uma decisão tão desatinada que leva a pensar que esteja a atender outros interesses que não os da sociedade joinvilense”.

Eis a tragédia histórica. Ao longo dos tempos, os prefeitos de Joinville têm mantido a cidade amarrada ao passado, com modelos clientelistas e métodos ultrapassados. O leitor eleitor pode questionar as prioridades e pensar: isso de meio ambiente é frescura dos ecochatos, porque tem é que cuidar da saúde, da educação e dos transportes. Claro que sim. O problema é que uma coisa não exclui a outra. Pelo contrário.

Fica a dúvida. Talvez o atual prefeito esteja mais preocupado com o seu próprio projeto político – esqueçam lá a conversa do gestor, porque as decisões são sempre políticas – do que com a modernização da cidade e o bem-estar dos joinvilenses. Afinal, quem só olha para a árvore acaba por não ver a floresta. Ops! Péssima metáfora. Porque, como ficou evidente, árvores e florestas não interessam muito lá pelas bandas da Prefeitura.

Ah... e não duvido que a esta hora os chiens de garde do prefeito já estejam a arreganhar os dentes:
- Quem não vive na cidade não pode falar. Porque fala de uma cidade virtual, vista pela internet, e não sabe sobre a cidade real.
E eu responderei:
- É só uma questão de quilômetros. A entourage de Udo Dohler vive acantonada na torre de marfim do poder na Hermann Lepper e, por não praticar a democracia e não dialogar com o exterior, também só vê uma Joinville virtual.

É a dança da chuva.