Quando a seleção brasileira entrar no Estádio do Itaquerão hoje
à tarde, disputando contra a Croácia a partida de abertura da Copa do Mundo 2014, estará em jogo
muito mais que o hexacampeonato. Desde o início das mobilizações de rua contra
o torneio da FIFA, e apesar do slogan, todo mundo sabia que teria Copa e,
penso, nunca foi a intenção inviabilizá-la. Parece-me que se buscou a
possibilidade de tecer sobre ela uma outra narrativa, mais aberta e plural e capaz de levar em
conta, de atribuir sentido e visibilidade às contradições decorrentes de sua organização.
Uma narrativa que não encobrisse, sob as camadas do ufanismo governamental e publicitário, as muitas formas de violência que compuseram também o roteiro da Copa do Mundo, e sobre as quais, não fossem as mobilizações, restaria um pacto de silêncio e o consequente esquecimento. Como disse em texto publicado há poucas semanas aqui no Chuva, a estimular as manifestações, e descontados os muitos oportunismos e oportunistas de plantão, há um conjunto de demandas legítimas e uma porção mais que justa de indignação pela maneira enviesada como muitas das decisões foram tomadas e executadas.
Além disso, como bem observou Vladimir Safatle em texto publicado na Folha de São Paulo de terça-feira, as manifestações sinalizaram para um incômodo descompasso entre os estrategistas de marketing – e não só os do governo – e parte da população brasileira. E embora não concorde com parte da abordagem do filósofo, que parece ecoar a ideia de que “o gigante acordou”, porque penso que ele nunca esteve adormecido, estou de acordo quando afirma que o roteiro sempre previamente traçado desde cima para o “povo” – basicamente “celebrar a aclamar” – dessa vez não funcionou: os atores não aderiram ao espetáculo que lhes foi designado e criaram seu próprio cenário. Houveram equívocos e alguns excessos, por certo, mas no âmbito geral o mise-en-scène das ruas foi o necessário e criativo contraponto ao discurso oficial.
Uma narrativa que não encobrisse, sob as camadas do ufanismo governamental e publicitário, as muitas formas de violência que compuseram também o roteiro da Copa do Mundo, e sobre as quais, não fossem as mobilizações, restaria um pacto de silêncio e o consequente esquecimento. Como disse em texto publicado há poucas semanas aqui no Chuva, a estimular as manifestações, e descontados os muitos oportunismos e oportunistas de plantão, há um conjunto de demandas legítimas e uma porção mais que justa de indignação pela maneira enviesada como muitas das decisões foram tomadas e executadas.
Além disso, como bem observou Vladimir Safatle em texto publicado na Folha de São Paulo de terça-feira, as manifestações sinalizaram para um incômodo descompasso entre os estrategistas de marketing – e não só os do governo – e parte da população brasileira. E embora não concorde com parte da abordagem do filósofo, que parece ecoar a ideia de que “o gigante acordou”, porque penso que ele nunca esteve adormecido, estou de acordo quando afirma que o roteiro sempre previamente traçado desde cima para o “povo” – basicamente “celebrar a aclamar” – dessa vez não funcionou: os atores não aderiram ao espetáculo que lhes foi designado e criaram seu próprio cenário. Houveram equívocos e alguns excessos, por certo, mas no âmbito geral o mise-en-scène das ruas foi o necessário e criativo contraponto ao discurso oficial.
FUTEBOL E POLÍTICA – Claro que as implicações políticas
disso não podem ainda ser medidas em toda a sua extensão. E elas tampouco são novidade.
Os usos políticos do futebol vem de longa data: em 1958, Juscelino Kubitschek, o
“presidente bossa nova”, não se furtou a usar a conquista da Jules Rimet para
inflar o espírito nacionalista e a adesão da sociedade ao seu projeto
desenvolvimentista, os tais “50 anos em 5”. Pouco mais de uma década depois, o
general Médici, o presidente assassino, fez do tricampeonato conquistado no
México uma de suas cortinas de fumaça a encobrir os muitos crimes praticados
pela ditadura – além da corrupção, a censura, as prisões arbitrárias, a tortura
e o extermínio de dissidentes. E não se pode negar que, sob certo aspecto, em ambos
os casos a estratégia deu certo.
Obviamente os contextos eram diversos de agora. Entre outras coisas, o
futebol e a Copa do Mundo não eram ainda essa máquina que movimenta bilhões de
dólares mundo afora; tampouco a FIFA era a entidade poderosa que é hoje. Mas
talvez justamente o triplo agigantamento ajude a entender porque dois
ex-presidentes, FHC e Lula, insistiram tanto em trazer para cá a Copa do Mundo.
Lula conseguiu, e certamente quando recebeu a confirmação, em 2007, de que o
Brasil seria o país sede do torneio, ele esperava outra coisa que não as ruas
tomadas de manifestantes indignados e tanques do exército dispostos a “assegurar
a ordem” contra toda eventual desordem.
Vai ter Copa e, particularmente, penso que o prejuízo, tanto
econômico como político, será menor do que teme meu colega de blog José António
Baço. Não será a “Copa das Copas”, como quer a presidente Dilma Rousseff?
Bastante provável. Mas talvez não seja igualmente o desastre desejado pela
oposição que, carente de tudo – principalmente carente de um projeto para o
país – torce para que tudo dê errado e que as imagens de uma hecatombe possam
ilustrar a campanha eleitoral e disfarçar a ausência de ideias. De minha parte,
continuo a pensar que o principal legado da Copa é o sempre necessário e bem
vindo amadurecimento democrático, com todas as contradições que ele comporta. E
se junto vier o hexa, tanto melhor.