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terça-feira, 4 de setembro de 2018

Bolsonaro não só fuzila a "petralhada", mas também mata a decência

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Uma pergunta hipotética: num segundo turno entre Haddad e Bolsonaro, em quem você votaria? Não tenho dúvidas de que muita gente, em Santa Catarina e particularmente em Joinville, escolheria votar em Bolsonaro. Ora, qualquer pessoa com dois dedinhos de testa percebe que Bolsonaro não joga com o baralho todo. O homem é um cretino. Mas o ódio ao PT é maior do que a prudência e tem muita gente a mandar os escrúpulos para os diabos.

Quem andou pelas redes sociais nos últimos dias deve ter visto o discurso de Bolsonaro no Acre, quando o candidato, simulando uma arma nas mãos, disparou no alvo: “Vamos fuzilar a petralhada toda aqui do Acre. Vamos botar esses picaretas pra correr do Acre. Já que eles gostam tanto da Venezuela, essa turma tem que ir pra lá. Só que lá não tem nem mortadela, hein galera?! Vão ter que comer é capim mesmo”. Sim... esse homem quer ser presidente.

Não é fato único na trajetória do candidato. Mas há linhas vermelhas que não se deve ultrapassar. Um candidato à presidência deve ter um certo recato. É inaceitável essa apologia da violência e incitação ao crime. Há quem durma bem com esse barulho, mas qualquer democrata perde o sono. O discurso foi aplaudido, o que leva a um exercício de imaginação: que tipo de pessoa apoia um homem do baixo calibre de Bolsonaro?

Mas para além da questão da violência do candidato, há pelo menos duas ironias no episódio. A primeira é que, pela manifestação da plateia, é possível ouvir mulheres entre o público. E uma mulher capaz de votar em Bolsonaro deve ter algum problema com a sua condição feminina. A outra ironia é Bolsonaro dizer que as pessoas vão ter que comer capim. Sério? Porque todos sabemos sobre quem recai a imagem de burro.

Haver gente capaz de fechar os olhos para esse tipo de episódio e, mais que isso, estar disposta a votar em Bolsonaro, é motivo de preocupação. Porque mostra o avançado estado de putrefação da democracia (que nunca foi, mas poderia ter sido). O comportamento de Bolsonaro seria inaceitável em sociedades civilizadas, mas no Brasil os números das pesquisas evidenciam uma clara opção pela barbárie. Isso não vai acabar bem.

É a dança da chuva.



sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Queima, bruxa, queima. A caça às bruxas está de volta...

POR DOMINGOS MIRANDA
Há poucos dias o Brasil deu mais um passo rumo à barbárie. Quando a filósofa americana Judith Butler visitou São Paulo para coordenar seminário no Sesc Pompeia sobre o tema “Os fins da democracia” foi achincalhada por um grupo conservador que não aceita suas ideias. Ela foi uma das primeiras intelectuais a levantar a questão da ideologia de gênero, que está sendo muito muito criticada em todo o país.

Os manifestantes queimaram uma efígie de Butler como bruxa e defensora dos trans. Quando embarcava no aeroporto de Cumbica, nova agressão e desta vez  não foi só verbal, mas também física. Outras mulheres tiveram que defendê-la.

Na semana passada a filósofa americana, reconhecida internacionalmente por abordar vários temas, não só sobre questão de gênero, afirmou que ficou horrorizada com a ação dos fanáticos em São Paulo. Em artigo que escreveu no jornal Folha de S. Paulo, Butler disse: “A tortura e o assassinato dessas mulheres por séculos como bruxas representaram um esforço para reprimir vozes dissidentes, aquelas que questionavam certos dogmas da religião”. Ela frisou que está bastante preocupada com as mulheres que ficaram no Brasil e são obrigadas a enfrentar este clima inquisitorial.

Judith Butler foi testemunha de um momento de retrocesso que vive nosso país, onde a exposição de certas ideias passou a ser sinônimo de risco. Lola Aronovich, escritora e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), é apenas um exemplo entre tantos. Ela está sofrendo ameaças de morte e de estupro simplesmente por ser feminista. Angela Luiza Bonacci, leitora da Folha de S. Paulo, escreveu no jornal: “É lamentável que em pleno século 21 as inquisições virtuais ainda promovam uma caça às bruxas”.

Na Idade Média, milhares de mulheres foram caçadas, torturadas e queimadas nas fogueiras por motivos banais. Com a Inquisição bastava que algum desafeto fizesse alguma denúncia para que a vítima passasse a ser considerada bruxa, com todas as consequências possíveis. Com as revoluções francesa e americana houve um grande avanço e os julgamentos seriam feitos através dos tribunais de justiça. A prática da tortura foi abolida, pelo menos legalmente.

Nas sociedades civilizadas qualquer ideia é debatida abertamente, sem maiores contratempos. Cada lado expõe o seu ponto de vista e as pessoas aceitam ou não o que foi colocado. O célebre filósofo francês Voltaire abordou com sabedoria o assunto: “Não concordo com nada do que dizes, mas lutarei até à morte pelo direito de expor o seu ponto de vista”. Eu sou contra a ideologia de gênero e escrevi, neste mesmo local, um artigo sobre o tema. Mas, de modo algum concordo com a selvageria que fizeram com Judith Butler.

Estamos seguindo um caminho perigoso onde o ódio vai sendo destilado por amplos setores, que vão desde os fascistas até mesmo seitas religiosas. Quando deixamos de lado nossos argumentos para usar agressões mostramos que prevaleceu a ignorância e não a sabedoria. Aquele instinto cruel das massas, guardado em um cantinho do cérebro, é como uma brasa adormecida, que com um sopro volta a ficar incandescente. Temos que tomar cuidado para que não surjam mártires queimadas nas ruas por causa da insensatez humana.


segunda-feira, 11 de abril de 2016

A "tia do Fort Atacadista" e as drogas

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Todos tivemos conhecimento do episódio ocorrido no Fort Atacadista. Apanhada a furtar, uma mulher foi submetida a tratamentos degradantes. Num filme, funcionárias do supermercado obrigavam a mulher a comer um ovo cru. Em outra imagem, a mulher aparece numa câmara frigorífica, com as suas algozes a atirarem água gelada sobre ela.

O episódio transpôs as fronteiras de Joinville. As imagens se espalharam pelo Brasil – e até no exterior – através das redes sociais. A repercussão negativa levou a direção do supermercado a emitir uma nota à imprensa, informando que as funcionárias tinham sido demitidas por justa causa, bem como o chefe da segurança.

O que dizer? É barbárie. Nada a acrescentar. Mas em meio a toda a celeuma uma discussão passou batida: a questão das drogas. Tomo o exemplo do fac-símile (no final do post), que traz o seguinte texto: “A tia do caso do Fort Atacadista foi presa portando crack. Quando ela for solta, provavelmente vai precisar roubar novamente. E daí?”.

Mais abaixo, o autor da nota revela que o irmão também é usuário. E diz que não seria assim se ele tivesse tomado umas surras na época devida. É o tipo de mentalidade que ainda prevalece no Brasil, onde há uma estigmatização dos usuários de drogas: o lugar deles é a cadeia. Quando saem, voltam à má vida. E temos um ciclo vicioso (sem trocadilho).

As pessoas parecem estar desatentas: não será hora de falar em descriminalização do consumo de drogas? Não é chegado o tempo de começar a tratar a dependência química como doença e não como crime? A questão é séria demais para ser deixada na mão de moralistas, em especial os que pululam nas redes sociais.

Não sou especialista sobre o assunto. Se alguma “autoridade” tiver nessa discussão será pelo fato de viver em Portugal, onde o consumo de drogas (todas e não apenas a maconha ou haxixe) foi descriminalizado há 15 anos. E com sucesso. Mas atenção, para evitar confusões: descriminalizaram o consumo e não as drogas.

O modelo português é referência para outros países, mesmo os mais desenvolvidos. O que aconteceria à mulher do Fort Atacadista se ela estivesse em Portugal? Em vez de viver a entrar e a sair da cadeia, certamente estaria a receber tratamento médico. O país tem  cerca de 40 mil pessoas em tratamento e os resultados são positivos e mais que visíveis.

1.     Há menos mortes provocadas pelo uso de drogas menos doenças (overdoses, por exemplo).
2.     Tem diminuído o número de usuários contaminados com o HIV-AIDS, o que tira os custos governamentais com os tratamentos.
3.     Houve uma diminuição do consumo entre jovens na faixa etária dos 15 aos 19 anos.
4.     Sem ter que se preocupar em prender usuários, a polícia pode dedicar mais tempo a investigar traficantes e produtores.
5.     Sem prender usuários, diminuiu a população carcerária.
6.     Com as autoridades de saúde a ministrarem os tratamentos de forma gratuita, diminuíram os crimes de pessoas que tentam obter dinheiro para a droga. Seria, por exemplo, o caso da mulher do Fort Atacadista.

A questão é complexa e não cabe num simples texto de blog. Mas não há dúvidas de que o Brasil precisa de uma mudança de mindset: esquecer os preconceitos e os moralismos para tratar a questão das drogas como uma doença. O país só tem a ganhar com isso.


É a dança da chuva.