sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A intervenção no Rio de Janeiro: crônica de um desastre anunciado?


Ainda é demasiado cedo para medir, em toda a sua extensão, os desdobramentos da intervenção federal na área de Segurança Pública no Rio de Janeiro, anunciada hoje (16) de manhã pelo presidente Michel Temer. Na prática, com a medida as polícias militar e civil, o Corpo de Bombeiros e o sistema carcerário cariocas deixam de estar sob o comando do governo estadual e ficam sob a responsabilidade do general do Exército Walter Braga Netto, indicado para ser o interventor federal.

Embora já em vigor, a intervenção precisa ainda passar pelo Congresso Nacional. Se aprovada – e é improvável que não seja –, dá ao governo federal plenos poderes sobre a segurança pública carioca até o dia 31 de dezembro. O objetivo, de acordo com o decreto, é “por termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro”; mas em que pese a austeridade dos discursos oficiais, há razões para duvidar da eficiência e das promessas contidas no decreto.

Esboço aqui, rapidamente, algumas delas.

O exército já está nas ruas – Embora o decreto presidencial de hoje amplie e aprofunde a presença do exército, transferindo à instituição a administração de toda a estrutura e do aparato da segurança pública do Rio de Janeiro, na prática a atuação do exército nas ruas do estado, e especialmente da capital, não é inédita.

Em pelo menos duas ocasiões – a ocupação do Complexo do Alemão e da Maré, respectivamente em 2010 e 2014 –, as Forças Armadas foram solicitadas para dar suporte à segurança pública. Mas de forma mais “branda” (e as aspas aqui são importantes) e indireta, o emprego do exército para lidar com o problema vem sendo prática recorrente há anos, sem nenhuma melhoria aparente.

Os entusiastas da intervenção alegam que com plenos poderes, os resultados aparecerão, mas isso tampouco é certo – antes pelo contrário. Entre outras razões, porque soldados e oficiais militares não são treinados nem estão habituados a lidar com a violência urbana. E quem o diz, entre outros, é o próprio Comandante do Exército, o General Vilas Boas, que já declarou mais de uma vez que a função do exército não é policiar as ruas, além de ver com preocupação o uso crescente de tropas militares para lidar com o problema.

E isso leva a outra questão, não menos importante. Em entrevista hoje cedo no Palácio do Planalto, o governador do Rio, Fernando Pezão, afirmou que o estado tem “urgência” porque somente com as polícias estaduais, o estado não está “conseguindo deter a guerra entre facções”. Ninguém em sã consciência duvida que, hoje, o crime organizado exerce um poder que alguns afirmam paralelo ao do Estado, e não apenas dentro das prisões.

Por outro lado, uma intervenção militar pode ser um tiro no pé e agravar ainda mais um quadro já delicado, e por pelo menos duas razões. A primeira delas é a derrota, flagrante, do Estado na chamada “guerra às drogas”, visível nos resultados diametralmente opostos obtidos com os vultosos investimentos públicos em políticas repressivas.

Nem o suposto endurecimento no combate ao tráfico, com a Lei de Drogas sancionada em 2006 por Lula, nem o encarceramento em massa – o Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos –, reverteram ou mesmo estabilizaram o índice crescente de violência urbana nem, tampouco, o poder exercido pelas facções criminosas que Pezão e Temer pretendem combater com a intervenção do Exército.

Além disso, a presença do exército não apenas nas ruas, mas no comando efetivo das forças policiais, pode tensionar ainda mais as já frágeis relações de força entre as facções e as autoridades públicas, elas próprias desprestigiadas com a medida. Isso poderia resultar em novos e mais violentos confrontos entre traficantes, policiais e exército, com as comunidades, e especialmente as mais pobres, pagando um preço ainda mais alto do que já vêm pagando há décadas pelo descaso dos poderes públicos.

Na ausência de políticas, uma medida política – Um último comentário, antes de encerrar esse texto. A intervenção federal cumpre também diferentes funções políticas, não menos significativas. Uma, mais imediata, é tentar contornar a votação da Reforma da Previdência. Embora Temer tenha dito que, se necessário, suspende temporariamente a intervenção, à boca pequena circulam rumores de que o decreto presidencial permite ao governo empurrar para a frente a votação, bastante controversa especialmente em ano eleitoral, sem precisar assumir publicamente a derrota.

Uma segunda é o espetáculo proporcionado com o anúncio da medida e o seu impacto principalmente midiático, e que pode – pelo menos é o que esperam Temer e seus cúmplices – melhorar a imagem mais que desgastada do presidente. Não é difícil supor a razão: amedrontados que estamos pelos altos índices de violência, somado ao medo nossa crescente tolerância para com a violência institucional, a intervenção federal no Rio de Janeiro tende a ser lida, por uma parcela não desprezível da população, como uma medida bem vinda, inflando os miseráveis índices de aprovação do atual governo.

Mas o caráter politico, e populista, da intervenção, serve principalmente para encobrir a ausência de uma política efetiva de segurança pública, uma falta, é forçoso reconhecer, que não é responsabilidade exclusiva do governo Temer. A situação do Rio de Janeiro, embora talvez mais grave, não é única; em maior ou menor grau, principalmente as grandes cidades pagam o alto custo da execução de políticas públicas de segurança no mínimo equivocadas, ou simplesmente inexistentes.

Nas últimas décadas, principalmente, assistimos a uma completa degradação da força policial. Cada vez mais militarizadas, as polícias em praticamente todos os estados sofrem com salários defasados e, em alguns casos, também atrasados; péssimas condições de trabalho; quase nenhum treinamento; diminuição do efetivo, etc... –, um quadro que não é diferente, à óbvia exceção da militarização, para as polícias civis. As estatísticas são preocupantes: apenas no Rio de Janeiro, 134 PMs foram assassinados no ano passado.

Apesar do fracasso das políticas implantadas até aqui, todos os governos, um após o outro, insistem em manter tudo como está, indiferentes ao fato de que políticas de segurança pública serão mais efetivas e bem sucedidas se não se limitarem ao aumento do aparato repressivo. Além de melhorar as condições de trabalho dos policiais e demais agentes de segurança, é preciso pensá-la a partir de sua integração com outras esferas e políticas governamentais, promovendo ações que minimizem, por exemplo, os índices escandalosos de desigualdade social, certamente não a única, mas uma das principais responsáveis pela crescente violência.

Além disso, é preciso rever urgentemente a condução da política antidrogas, assumir a derrota das medidas de “guerra” e pensar em maneiras mais eficientes de estrangular o tráfico. A melhoria dos serviços públicos é uma alternativa, na medida em que o acesso à educação e saúde, por exemplo, pode diminuir a influência de grupos criminosos, que em muitas comunidades carentes preenchem a falta de equipamentos públicos de qualidade, responsabilidade dos governos. Não menos importante, é preciso discutir a sério a legalização e regulamentação do consumo de drogas; uma discussão difícil, sem dúvida, mas cada vez mais urgente e necessária.

15 comentários:

  1. Não passa de uma jogada do triunvirato Temer/Pezão/Maia, com a coordenação executiva da rede golpe.. com o objetivo de sufocar a iminente greve da PM carioca que está com salários atrasados desde o ano passado, e que caso se viesse a acontecer permitiria que manifestações contra as reformas pornográficas tomassem corpo.
    Como vcs sabem, se algo acontece no Rio, vira moda e todo mundo copia.
    Por enquanto está tudo lindo, e cada um deles vai tentar faturar um pouco em cima dos verde-oliva. A globo já está a postos com seus links ao vivo para a qualquer momento...roda vinheta. Os três patetas pensam ter dado um xeque-mate. O problema é que parece que não combinaram com o general que chefia a operação, que não parece estar satisfeito em servir de manifantoche e já deixou no ar que a operação é um exagero, visto que poderia ser conduzida com o remanejamento do efetivo da PM do estado, que possui 55 mil policiais.
    Em tempo. Esqueci do papel dos tucanos na mutreta.. que cabeça a minha. A eles cabe a missão de legitimar a medida do vampiro no congresso...e podes crer que não irão decepcionar.. a não ser que uma desgraça aconteça antes.

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    1. Quem colocou o vampiro em Brasilia foi você, Lemos, com o seu voto! Até 2016 esse vampiro fazia parte do governo corrupto de dona Dilma Rousseff, mas, ao menos, esse governa com alguma desenvoltura e apresenta alternativas ao invés de se encastelar no palácio.

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    2. Lemos, que há interesses políticos em jogo não tenho a menor dúvida. Pretendo voltar ao tema na semana que vem, e explorar um pouco mais esse aspecto, que aqui ficou secundário.

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    3. Eu o coloquei no Jaburu, vosmicê, no Planalto.

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  2. Desigualdade social não é causa direta de violência. Há países muito mais pobres e com IDH muito mais baixo que o do Brasil, infinitamente menos violentos, e o próprio Brasil que sempre foi desigual, e não era tão violento entre 30 a 40 anos atrás.
    Como diria Nelson Rodrigues a fome é dócil, matamos pelo supérfluo.
    Tive contato com o Rio de Janeiro,e a violência não esta restrita as drogas. As drogas são parte do crime organizado, pois eles tem muitos ramos como: transporte clandestino, gatonet, gato elétrico, gás, milícias, grupos de extermínio, roubo de carga , assalto a bancos , sequestros e etc...Sendo que o problema começou com o inofensivo jogo do bicho. E muitos dizem que o comando Vermelho aprendeu com prisioneiros políticos ainda no regime militar a expandir seus negócios para além das drogas.
    População carcerária absoluta para quem é o quinto pais mais populoso pode dar um ideia enganosa. Temos que usar números per capita.
    Não estou dizendo que sou favorável aos militares na rua, são apenas considerações ao seu texto.

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    1. Desigualdade social é causa direta de violência, certamente não a única, mas uma das principais - e o fato de que os países que apresentam os menores índices de violência são, justamente, aqueles que apresentam igualmente os melhores índices de distribuição de renda e os menores de desigualdade social, deveria nos servir de alerta.

      Concordo com você que a violência, e não apenas no Rio, não se restringe às drogas. Mas é inegável que o tráfico é hoje um dos elementos centrais a sustentar principalmente o crime organizado e as facções criminosas. Por isso disse, no texto, que revisar a política antidrogas, baseada basicamente na lógica da "guerra", visivelmente fracassada, é um ponto importante para o desenvolvimento de políticas de segurança pública.

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  3. Desigualdade social é causa direta de violência, sim. Basta ver o mapa da violência em Joinville ou em qualquer grande cidade. Quanto mais carente é o bairro, mais violento e maior é a tolerância à violência. A lei nesses lugares é, "morreu pq merecia" não interessa o pq. Desigualdade social tem como uma das consequências, e talvez a mais perversa, a desagregação familiar, que leva ao abandono das crianças e a consequente adoção das mesmas pelo crime, organizado ou não. Raros são os bem nascidos que partem para uso de armas para cometer crime contra o patrimônio ou para o tráfico de drogas. A verdade é que quanto mais carente for uma comunidade, maior a possibilidade de o crime organizado assumir o papel do estado, criando na população local a falsa impressão que o bandido é o benfeitor.
    Distribua renda e o crime e a violência diminuem por conta da redução da oferta da matéria prima que retroalimenta a máquina, que são os esquecidos pelo estado.
    Esse discurso que a desigualdade social não é causa da violência levou a Europa a duas guerras e 80 milhões de mortos.

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  4. É, os fluminenses nunca tiveram bom tato para eleger bons mandatários, vide Cabral, Pezão, Lula, Dilma...
    A propósito, quando o Estado se empanturrava de petrodólares, o dinheiro foi para educação, saúde e segurança, ou para as mãos de empresários corruptos que construíram estádios para copa do mundo e arenas (e ciclovias!) para a Olimpíada?
    O resultado da política de segurança no Rio vem da política de pão-e-circo que os governos do RJ e do PT em Brasília empurraram goela abaixo dos brasileiros.

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    1. Grande parte desse dinheiro foi usado para construir escolas técnicas federais..inclusive aqui em SC, que vergonhosamente até 2006 só dispunha de uma, a de florianópolis, construída no governo de Nilo Peçanha em 1909. De 2006 até 2015 foram construídas 22 no estado, uma aqui em Joinville, que coloca no chinelo a famosa Escola Técnica Tupy. No Brasil foram mais de 400.
      Quanto a política de segurança do Rio, não dá pra falar em combate ao violência gerada pelo tráfico sem falar em educação, dito isto é bom lembrar que quem destruiu os Cieps de Brizola, foi Moreira Franco, com apoio da Rede Globo e da direita reacionária carioca.
      Cieps para quem não conhece, são aquelas escolas criadas por Darci Ribeiro e que ofereciam educação em tempo integral às crianças das comunidades ...mantendo-as longe dos traficantes e das drogas. Fechado os Cieps, muitas destas crianças se transformaram em soldados do tráfico.

      P.S. O que fez FHC com o dinheiro arrecadado com a venda das estatais? R. Entregou aos rentistas, nacionais e transnacionais, que se refestelavam com os juros de 45% ano pagos pelo contribuinte, enquanto a educação básica e a saúde eram sucateadas. O resultado está aí.

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  5. Não querendo evoluir o debate para um questão epistemológica, de causa e consequência sociológica. Mas a visão desigualdade esta relacionada com a visão de mundo marxista, em ver tudo pelo prisma de luta de classes e uma visão economicista sobre o fenômenos. Quanto se vê coletivamente os fenômenos se perde análise individual de cada crime e suas motivações, para mim Cain e Abel é muito mais certeiro que qualquer análise sociológica. A questão é muito mais moral no sentido que isso é uma escolha que cada indivíduo faz, e no caso de Cain a inveja como motivação. E Lembrando que os crimes que estamos falando não são motivados por pratos de comida, e coisas essenciais.

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    1. Pois é, o deus cristão deve enviar mais bebês mal caráter para a favela (e bairros marginalizados), já que lá a criminalidade é desproporcional, já nos bairros a tal divindade só manda fetos do bem.

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  6. Pronto..tava indo tão bem... é isso q dá perder a hora do remédio.

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  7. Problema é que teu texto é mais gorduroso q telefone de açougueiro.

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  8. Então responda: por que os partidos de esquerda se abstém da votação? PT, PSOL, PC do B disseram que a medida é política, mas não votaram contra! Essa esquerda burra, covarde, desonesta!

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    1. A votação está acontecendo nesse momento. Mas se você já sabe o resultado, deveria usar seus poderes premonitórios para outra coisa além de falar bobagem.

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