quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

EU AVISEI: Bolsonaro é um veneno inoculado nas veias da democracia*

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

*Texto originalmente publicado no Jornal A Notícia em dezembro de 2014

“Falei que não estuprava você porque você não merece”. Parecia um déjà vu, mas não. O deputado federal Jair Bolsonaro voltou a fazer o que já tinha feito no ano passado, quando teve um desaguisado com a deputada Maria do Rosário. Ainda muito convicto da sua imunidade (e impunidade), voltou a agir de forma acanalhada e, sem medir as palavras, vestiu a pele de violador e do homem que tudo pode contra a mulher.

Surpresa? Não. Uma pessoa que defende a tortura em público é capaz do pior. Mas o que realmente causa estupefação é ver que a truculência tem o apoio de muitíssimos brasileiros. Aliás, vale lembrar que ele não só foi reeleito, como também foi o candidato a deputado federal mais votado no Rio de Janeiro, nas últimas eleições. Ou seja, respaldado pela legitimidade de 400 mil votos, Jair Bolsonaro opera para gangrenar a democracia.

O episódio levanta muitas questões. Houve quem falasse em apologia do crime. Outros indagaram sobre a justeza da imunidade parlamentar. O tema do decoro parlamentar reentrou no debate. Também veio à tona a questão da violência de gênero, onde o homem faz da mulher simples objeto. Tudo isso sem falar num estilo obtuso e atrabiliário que atropela as mais básicas regras de civilidade e boa educação.

Essas questões são importantes, claro, mas não podem tirar o foco de um problema de fundo: Jair Bolsonaro é um perigo para a democracia. Porque ele é a negação da própria democracia. Eis a questão que se põe: pode a democracia ser tolerante com os intolerantes? Não. Tudo isso remete para Karl Popper que, ao descrever os inimigos da sociedade aberta, alertou para o paradoxo da tolerância.

Tolerar os intolerantes, diz o pensador austríaco, é um perigo: “se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque violento dos intolerantes, os tolerantes serão destruídos, e a tolerância com eles” (o aviso é de Popper, o texto de Bryan Maggy). Em resumo, Jair Bolsonaro é um veneno inoculado nas veias da democracia e há que encontrar um antídoto. Urgente!

É a vista do meu ponto.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Há uma indústria da multa em Joinville. Se duvida faça o teste dos 13 itens...


POR JORDI CASTAN
Não adianta negar. Em Joinville, como em todo o Brasil, há uma indústria da multa. E Antes que os babacas de plantão saiam com a bobagem que “é só não ultrapassar a velocidade que ninguém será multado”, é bom ler e reler a informação da própria Prefeitura Municipal: 17 radares serão retirados porque não tem registrado o número mínimo de infrações. Para qualquer leitor com QI superior ao de uma ameba, essa informação seria suficiente para entender que há cotas de faturamento por radar. Logo é lógico pressupor que também haja cotas de faturamento para cada azulzinho. Mas essa é outra história.

Quais são os elementos que comprovam essa indústria da multa e quem se beneficia com ela? É desnecessário perguntar quem é o maior prejudicado,  porque é sempre o mesmo. Aquele que comprou o kit de primeiros socorros, o que trocou o extintor sem precisar ou quem daqui a pouco devera trocar a placa, e pagar mais um pouco, pelas de novo padrão.
O carro é a vaca leiteira do governo. Além de pagar IPI, ICMS, IPVA, IOF, CIDE, PIS - COFINS, cada carro consome combustível. Sobre o qual paga mais ICMS, e também pagam PIS – COFINS, CIDE. O carro é uma vaca sagrada, que ainda paga pedágio para circular pelas estradas nacionais.

Se isso fosse pouco, o proprietário ou o motorista de um carro está sujeito ao pagamento de multas quando cometa qualquer infração prevista no CBT (Código Brasileiro de Trânsito). Nada errado se as infrações fossem resultado de uma política transparente e justa de policiamento, prevenção, segurança e informação. Os governos e as autoridades de trânsito a eles vinculadas tem convertido o CBT numa fonte de receitas infinita. E a cada dia avançam com mais cobiça sobre os incautos motoristas.

Há um emaranhado de sócios nesse assalto ao bolso do motorista. Os Detrans e os agentes de trânsito, que têm seus salários pagos com os recursos arrecadados pelas multas. As polícias, tanto a civil como a militar, que recebem uma parte do valor arrecadado. As empresas proprietárias dos radares, que os alugam as autoridades de trânsito e recebem uma remuneração pelo negócio. As empresas de sinalização horizontal e vertical, que recebem pelos seus serviços com os recursos originários das multas de trânsito. Os próprios Correios, os despachantes, os escritórios de advocacia especializados na defesa das multas. Como identificar e quando identificar que se trata de uma indústria? É fácil muito fácil.

1. Seu município tem um levantamento dos pontos negros ou de maior risco de acidentes de trânsito?  
2. Os radares e equipamentos de segurança são instalados de acordo com o mapa de risco?
3. Como resultado da instalação dos equipamentos de fiscalização eletrônica houve uma redução do número de acidentes fatais nas ruas e nos pontos em que foram instalados? 
4. O município informa regularmente dos pontos de maior risco e as medidas tomadas pela autoridade de trânsito para diminuir ou zerar os acidentes nestes pontos ou o município só informa do total de multas emitidas e dos valores arrecadados? 
5. O foco é a segurança ou a arrecadação?  
6. Os salários dos guardas de trânsito e do pessoal administrativo depende da arrecadação de multas para ser pago ou há um orçamento próprio adequado e suficiente? 
7. A decisão de colocar ou relocar radares ou outros equipamentos fiscalizadores de velocidade ou ultrapassagem de sinal vermelho é baseada em histórico de acidentes e são priorizadas as ruas e os pontos mais letais ou a escolha é feita por outros critério$? 
8. Quais são os estudos apresentados para justificar cada um dos pontos escolhidos? 
9. Frente a escolas, hospitais, igrejas e outros locais de grande fluxo de pedestres, a prioridade é instalar lombadas eletrônicas que multam os veículos que passam acima da velocidade mínima, ou se prioriza a instalação de sinaleiros acionados por botoeira, que aumentam a segurança dos pedestres, porque garantem a detenção completa do veículo? 
10. A legislação municipal prioriza a segurança do pedestre e garante que meio fios sirvam como proteção adicional ou estimula o rebaixamento indiscriminado dos meio fios para facilitar o acesso dos veículos aos passeios, aumentando o risco para o pedestre? 
12. Uma mesma rua tem limites de velocidade diferentes, o que dificulta o cumprimento da legislação por parte do motorista? 
13. Os agentes de trânsito quando multam, se identificam, conversam com o infrator, o informam do motivo da multa ou ficam escondidos com um bloquinho na mão?

Viu como é simples saber se há ou não uma indústria da multa? Pelas respostas é fácil identificar que aqui em Joinville há uma indústria desesperada para superar metas. E há radares que são retirados porque não atingem as metas mínimas de faturamento. Se há metas de faturamento e não há metas mínimas de redução de acidentes com morte é porque a abordagem está errada. As pessoas sempre são mais importantes que o faturamento. 

sábado, 8 de dezembro de 2018

Cheque de dona Marisa Letícia é referente a pagamento de dívida, diz Lula*

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
O cheque de R$ 24 mil depositado pelo motorista em uma conta da primeira-dama, dona Marisa Letícia, se tornou nos últimos dias a principal preocupação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu grupo mais próximo. Nesta sexta-feira, um dias depois de revelado que o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão em uma conta do motorista do filho do presidente, Fábio Luiz Lula da Silva, o Lulinha.

O presidente Lula também apresentou a versão do repasse para Marisa Letícia. Ao site O Antagonista, o presidente confirmou uma justificativa que vinha sendo difundida reservadamente ao longo do dia por seus auxiliares próximos. O repasse, conforme disse Lula da Silva, se refere a uma parcela do pagamento de um débito antigo do motorista com ele.

"Emprestei dinheiro para ele em outras oportunidades. Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou. Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil", disse Lula da Silva ao site.

O então assessor de Fábio Luiz, mais conhecido por Lulinha,  foi exonerado em 15 de outubro. Ele tinha vencimentos de cerca de R$ 23 mil mensais. O total de R$ 1,2 milhão foi movimentado em sua conta no período de janeiro de 2016 a janeiro de 2017. O documento do Coaf lista dados financeiros e patrimoniais de funcionários da Assembleia Legislativa do Rio, alvo da Operação Furna da Onça. 

* Texto original de Constança Rezende, no site Terra, com a alteração dos nomes. Bolsonaro por Lula, por exemplo. Se fosse com os nomes certos, 81,23% dos joinvilenses não iriam entender.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Buracos em Joinville: culpa da chuva e dos suíços. Nunca do prefeito...


POR JORDI CASTAN
A Prefeitura Municipal parece seguir à risca a lógica de que quantos mais buracos, mais queijo. Traduzido para nossa realidade local, quantos mais buracos, mais ruas. Mas a lógica não é o forte desta gestão. O que era um problema de gestão acabou se tornando um problema de gestão e de caixa. O que era para ser uma duplicação acabou se convertendo numa enjambração, no caso da avenida Santos Dumont. E por aí vamos (aos solavancos). O que era para ser um modelo de gestão acabou virando um meme cunhado pelo neologismo “geston”. Aliás, palavra que nestes manguezais virou sinônimo de um mau administrador, de um gestor inepto e mesmo de nenhuma gestão ou de inação.

Voltando à teoria dos buracos e do queijo, diz-se na Suíça que quantos mais buracos tenha um queijo, mais queijo será. Ou melhor, mais suíço será o queijo. Os buracos conferem-lhe autenticidade, identidade e originalidade. Um bom queijo suíço tem como característica reconhecida os seus buracos. Para os amantes dos queijos, é bom lembrar que há mais de 450 tipos de queijo suíço e que os dois mais conhecidos são o Emmental e o Gruyére. E, sim, os buracos no queijo suíço são uma característica própria, resultado do processo de produção, no qual as bactérias acidificam o leite criando peculiaridades únicas e irrepetíveis.

É bom lembrar que uma parte significativa dos colonizadores de Joinville, que muitos denominam ainda hoje como alemães, vinham de outras nações. E um grupo importante veio da Suíça. Vai que é por isso que nossas ruas parecem queijos suíços. Mas nada mais longe da verdade. As nossas ruas estão cheias de buracos por outros motivos. Motivos que têm mais a ver com a desídia, a falta de manutenção regular e sistemática, a falta de fiscalização e a péssima qualidade da pavimentação,feita sem controle, sem rigor e sem seguir as normas técnicas adequadas.

O poder público insiste em culpar a chuva, como se Joinville fosse a cidade mais chuvosa do mundo. É bom que se diga que não é. A cidade mais chuvosa da terra encontra-se na Colômbia, Lloró. Sua precipitação anual média de 13.300 mm, cinco vezes mais que Joinville. Entre os lugares mais chuvosos do mundo encontramos Kukui, Maui, Havaí (média de precipitação anual: 9.293 mm) e Emei Shan, província de Sichuan, China (média de precipitação anual: 8.169 mm).

Nem somos a cidade mais chuvosa do Brasil. É outra mentira que nos contaram e que insistem em repetir. A chuva não é a vilã. A vilania deve ser buscada em outros endereços. Os dados de Joinville mostram uma realidade bem diferente. A média anual histórica de Joinville é de 2.130,1 mm. Menos da metade dos 4.165 mm do município de Calçoene, no Amapá. Há registros dos índices de chuvas de Joinville desde 1895. Naquele ano, choveu cerca de 2.200 milímetros. Desde 1950, os anos em que mais choveu na cidade foram: 1957 (2.649,7 mm), 1983 (2.782,1 mm), 1998 (2.611,2 mm) e 2008 (2.570,9 mm) — anos conhecidos por enchentes históricas em Joinville.

Assim que já aprendeu mais uma. Culpar a chuva é mais uma lorota. Se temos as ruas mais esburacadas da história, tem menos a ver com chuva e mais com gestão ou como se diz por aqui com “geston”. Começamos falando de queijos e buracos e acabamos mostrando que não é chuva a principal culpada pelo estado vergonhoso em que se encontra nossa cidade.
Mas uma coisa é certa, a cada dia Joinville é mais conhecida pelo estado lastimável da cidade que pelos canteiros de flor, os jardins bem cuidados e o capricho com que as coisas eram tratadas. Se houver um levantamento das cidades com mais buracos nas ruas, apareceremos bem na foto e estar nos primeiros lugares é uma péssima notícia.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A quem serve o Estado (2ª parte)



POR GIANE SOUZA
Por que há um interesse privado explícito dentro do comando da política pública?  Por que os políticos enriquecem assumindo cargos públicos? Por que as questões da vida privada são tratadas com benevolência dentro das esferas públicas para aqueles que estão a favor do poder e de forma perversa para aqueles que estão fora da órbita dos interesses privados corporativistas?

A ideologia desses gestores quer fazer crer que o Estado não funciona e coloca a administração privada como exemplo de idoneidade. Contudo as relações de poder e corrupção transitam nas duas esferas privadas e públicas, elas se retroalimentam. Há algo de podre no Reino da Dinamarca, diria Shakespeare em Hamlet. Refaço a questão do autor e coloco que há algo de podre na república brasileira, que nos faz pensar como e por que os representantes do Estado, atuam na destruição da própria república, do Estado e da política.

Como refazer caminhos que historicamente foram construídos por linhas tortas? Como o “jeitinho brasileiro”, a “política do toma lá dá cá”, a “farinha pouca meu pirão primeiro” deram a voz e a vez para aqueles que possuem sobrenome, berço, cabide, pistolão ou coadunados de plantão.

Para quem defende um serviço público de qualidade fica a ingrata tarefa de reformular e implodir estas estruturas de poder apodrecidas dentro do próprio Estado. A minha geração talvez não assista uma mudança positiva real. Os apodrecimentos que sustentam a base da política brasileira adubam o crescimento e a reprodução dessas relações perversas. O tempo escorre e derrete como um objeto surreal de Salvador Dalí.

IGNORÂNCIA COMO EXPRESSÃO POLÍTICA - O tempo da ingerência, da obscuridade, da ignorância, do apadrinhamento, do clientelismo, do favoritismo, do entreguismo e da mentira marca um compasso de retrocesso político e humanitário cruel. A todo minuto surgem mais uma mais uma mais uma e mais uma. As pérolas do governo eleito elegeram a ignorância como forma de expressão política. As apropriações e abusos do dinheiro público, de influências e da máquina pública são retoques de refinamento de uma burrice institucionalizada. Eu falo o que quiser porque eu tenho imunidade, disse certa vez o presidente eleito ao ser indagado sobre as violências verbais que costumeiramente expressa. E o Estado brasileiro segue cabisbaixo, fruto de um estupro moral. A quem recorrer?

Ficamos a mercê das experiências que de quatro em quatro anos reinventam, destroem e reconstroem o Estado, sem nenhum critério, sem nenhum planejamento, sem nenhum escrúpulo, sem nenhuma ausculta social. O que importa são as redes de amizade de filiação, de interesses, de poder, de fisiologismos e de fundamentalismos. Seguimos para o abismo e empurramos o Estado de direito com nossas “instituições fortes” para a ribanceira do descaso. Se a lei não serve, revogamos, se não concordamos, destituímos, se não entendemos, extinguimos.

Fico imaginando a compreensão analítica e cirúrgica que Eric Hobsbawn faria dessa conjuntura se estivesse vivo. Dos tempos extremos aos tempos fraturados, voltamos novamente para a era dos obscurantismos, dos nacionalismos, dos totalitarismos e dos conspiracionismos. E como diria Anne Applebaum: “De George Orwell a Arthur Kostler, os escritores europeus do século XX ficaram obcecados com a ideia da Grande Mentira”. O que fazemos nós agora com a Grande Mentira no século XXI?

 O Estado será destruído? Nem tanto, ainda é necessário ocupá-lo e dividi-lo em redes de influências e controle da sociedade. A distribuição de favores e trocas de apoios mantêm vivos os alinhamentos das estruturas de poder. A população tornou-se enfim um joguete nas mãos dos detentores do poder. Ela precisa acreditar na Grande Mentira.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

A quem serve o Estado? (1ª parte)

POR GIANE SOUZA
Quem trabalha no serviço público como funcionário de carreira, nas esferas municipais, estaduais ou federal, está cansado de ver abusos na gestão pública, principalmente em relação aos sucessivos gestores que se apresentam. As escolhas destes não seguem critérios técnicos. Os critérios da gestão pública, majoritariamente, são desenhados pela submissão e partilhas partidárias pelas quais as alianças eleitorais são estruturadas. A ocupação e o fatiamento do Estado são alicerçados em redes de clientelismo e negociatas.

Em 24 anos de serviço público municipal, presenciei e ouvi muitas barbaridades: “sou indicação direta do prefeito”, “sou indicação do vereador x”, “meu marido é da maçonaria”, “meu pai trabalhou na campanha”, “mas, o que vocês fazem aqui mesmo”, “estou aqui para aprender”. Muitas são as bravatas que colocam em xeque a paciência histórica de qualquer servidor. Nas indicações, alianças, acordos e amizades que demarcam as gestões o que menos importa é o bem público e a sociedade. 

O que interessa de fato são as redes de favorecimento e as vantagens advindas do cargo, dentro e fora do governo. Quem não é governo não é confiável. Quem é de confiança, consequentemente, representa indiscutivelmente os interesses da gestão do governo e não necessariamente do Estado. O importante é estar com o governo. Não por acaso os governos necessitam de maioria no parlamento para aprovar seus projetos. Essa maioria é negociada e barganhada com muitas trocas de favores e cargos.

Dessa forma, práticas perversas são criadas com o dinheiro público. Entre elas a corrupção dentro e fora do Estado. Contudo, essas práticas estão alicerçadas em uma estrutura de poder e de comando que fazem com que a máquina pública emperre, seja boicotada de dentro para fora, para de fato se comprovar a suposta ineficiência estatal. Projetos são engavetados, documentos são perdidos e alterados, boas práticas são descontinuadas, setores são destruídos, planos de trabalho são desconsiderados e o servidor público no seu dia a dia é massacrado por uma rede de ingerências e politicagens de todas as espécies.

A dança das cadeiras na administração pública, a ausência de planejamento do Estado, as descontinuidades das políticas fomentam a ilusão de que o serviço público não funciona, é moroso e ineficiente, por isso torna-se objeto constante de ameaças e ataques. Essa é uma estratégia de ação de alguns gestores. Fazer a máquina emperrar é uma opção política de gestão. Ocupar um cargo com quem não entende da área que irá atuar, muito além do apadrinhamento dos feudos partidários é uma forma de desprestigiar o Estado e desqualificar o serviço público.

As disputas de interesses fazem com que os cargos sejam distribuídos não conforme os valores, meritocracias e competências dos profissionais da área, mas segundo critérios de poderes escusos. Nas escolhas dos primeiro, segundo e terceiro escalões seguem os nomes estratégicos hierarquicamente para a governabilidade do partido hegemônico e das redes de influências na gestão pública. Cargos considerados desimportantes ou pastas com orçamentos reduzidos são destinadas para nomes igualmente desvalorizados no mercado partidário ou sem importância na articulação política. 

Diariamente o servidor público assiste uma coreografia marcada por constrangimentos e favorecimentos políticos. Ao servidor público calar, consentir ou se rebelar traz como consequência a sua marginalização ou não perante os gestores. Para aqueles que se rebelam, a geladeira é sempre colocada à disposição. Não por acaso, a Carta apócrifa que a Revista Carta Capital reproduziu, escrita por um diplomata ao futuro chanceler brasileiro Ernesto Araújo, justificava a sua não assinatura no documento: “Não quero enfrentar esse Senhor, pois ele dispõe dos meios para literalmente infernizar minha vida. Por isso, por proteção especialmente àqueles que dependem de mim, não me identificarei.”

Nesses infernos da má gestão pública, o maior prejudicado é o contribuinte. Políticas  públicas são interrompidas de quatro em quatro anos ou até antes. Eu trabalhei num Setor de Patrimônio Cultural, onde houve troca de gestão sete vezes em quatro anos no mesmo mandato. Não há política pública que sobreviva nesses esquemas de distribuição de favorecimentos e rede de amizades partidárias tampouco de desvalorização de determinadas áreas do serviço público.

O CASO BOLSONARO - Após a eleição presidencial são muitos os exemplos de partilhamento dos poderes em redes de clientelismo e fisiologismo no qual se projeta o futuro governo Bolsonaro. O presidente eleito demonstra executar uma versão piorada de si mesmo na ocupação do Estado, privilegiando o não planejamento e o não conhecimento técnico para atingir seus fins ideológicos. Prova disso é a escalação do seu time ministerial e as competências de cada um, ou melhor, as características das trajetórias políticas, religiosas, criminais, de filiação partidária, filiação parental e redes de amizades atribuídas aos seus séquitos.

Majoritariamente, a competência técnica não foi considerada em nenhuma das situações, obviamente é a menos importante. Bolsonaro segue o que Temer iniciou. Novamente o Estado brasileiro e as suas instituições, as quais o Ministério Público gosta de enfatizar como “fortes” foram redesenhadas, extintas, reformuladas, alteradas, desrespeitando processos históricos de construção e deliberação democrática a partir da Constituição Federal de 1988. Isso sem considerar os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, obstinadamente perseguidos.

Essas questões nos levam a refletir: a quem interessa sucatear e acabar com o Estado brasileiro? Por que as instituições no Brasil são tão frágeis frente aos acordos e interesses políticos de quem vence a eleição? Por que o serviço público é alvo constante de combate e de ocupação de representações corporativistas, lobistas, ideológicas e partidárias? 

(a segunda parte deste texto será publicada amanhã)

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

A entrevista do prefeito de Joinville e a sua cidade imaginária

POR JORDI CASTAN
Depois de ler a entrevista que o prefeito Udo Dohler concedeu ao jornal local, acredito que não esteja conseguindo mais diferenciar a fantasia da realidade, que viva na Joinville das suas quimeras, dos seus sonhos e dos seus pesadelos. Mas os sonhos (ou delírios) são só sonhos. A Joinville real está cada dia mais distante daquela em que o prefeito mora, claramente uma cidade imaginária.

É incansável a capacidade que este governo municipal tem de criar projetos, desenvolver propostas e, acima de tudo, querer nos convencer que vivemos numa outra Joinville.Para toda e qualquer coisa que alguém possa imaginar, a Prefeitura Municipal tem mais de um projeto. As alternativas se acumulam em gavetas e caixas empoeiradas. A maioria das soluções e os projetos propostos acabam ficando obsoletos antes de verem a luz.

É incrível a capacidade de inventar soluções que nunca serão executadas, de confundir fantasia e realidade. O risco é levar o prefeito e sua troupe a viver num mundo paralelo, em que não é mais possível discernir o certo do errado. Um caminho perigoso, confuso e difícil de percorrer. A impressão é que o prefeito está perdido no seu labirinto, que perdeu o novelo e não sabe sair da enrascada em que se meteu. Só que acabou nos levando a todos os joinvilenses juntos. 

Os meus filhos cresceram sem poder passear em nenhum dos parques projetados pelos técnicos da Prefeitura, apresentados em lindos desenhos coloridos em não poucas reuniões e palestras. Projetos que mesmo depois de muitos anos e muitos reais continuam sem ser implantados e parecem cada vez mais distantes.

Hoje duas cidades distintas ocupam o mesmo lugar. Uma é a cidade imaginária, só visível para políticos e os seus íntimos, através de um fantascópio. Essa Joinville é invisível a olho nu, para os cidadãos. É a Joinville irreal que nunca sai do papel e que só existe na fantasia dos nossos dirigentes, que acabam acreditando nas próprias fantasias, patranhas e invencionices.

Para nós fica a Joinville real, a das ruas esburacadas, sem espaços para o lazer, sem áreas verdes públicas. A Joinville cinza, do transito lento, dos engarrafamentos, das obras inacabadas, das inaugurações incompletas. A Joinville, que aos poucos vai perdendo o seu brilho de outrora.

Em alguns momentos as duas cidades se cruzam. Por instantes é possível vislumbrar na lanterna mágica as duas Joinvilles. Os desenhos coloridos dos projetos, perdem o brilho, a fantasia da computação gráfica, não sobrevive à claridade da luz do sol. E aos poucos as pessoas percebem que a nossa cidade é a real, a de cada dia, a das filas, dos buracos, que tem poeira na época de seca, a do barro na época de chuva.

A outra é uma fantasia, que existe só nas cabeças e nos sonhos e nas sandices que propalam. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Paris, 2013

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Paris está em chamas. Um domingo de manifestações violentas que acabou com lojas destruídas, carros incendiados e monumentos vandalizados. Tudo começou com as ações, nas últimas semanas, dos chamados “Coletes Amarelos”, movimento surgido no seio de uma sociedade em que a classe média se diz sufocada por impostos. O estopim foi a taxa sobre os impostos dos combustíveis.

Na noite deste último domingo muitos foram dormir com um travo amargo na boca. As manifestações fugiram ao controle. O movimento - espontâneo, orgânico e legítimo - tem o objetivo de protestar, mas o uso da violência não estava no horizonte da maioria. Mas as coisas descambaram e o dia acabou com mais de 300 manifestantes e uma morte a registrar (a terceira desde o início do movimento).

As coisas são confusas. O movimento é espontâneo e não tem lideranças (se tiver institucionaliza-se). É tudo descentralizado. Por essa razão que as manifestações pipocam aqui e acolá, sempre convocadas pelas redes sociais. O governo de Emmanuel Macron tem dificuldades em encontrar interlocutores tem se limitado a falar com os partidos políticos que, vale salientar, não representam os “Coletes Amarelos”.

Mas tudo faz lembrar o Brasil de 2013. Por quê? Porque também é um movimento que começa de forma legítima, mas que acaba descambando para a violência, com a infiltração de grupos extremistas. No caso da França, o “Coletes Amarelos” teve a infiltração dos opostos, a ultra-extrema direita e a extrema esquerda anarquista. É só vestir o colete e está integrado. O resultado é o que se viu nas ruas de Paris no domingo.

Todos sabemos que a escalada de 2013, no Brasil, provocou a degradação política que acabou com Bolsonaro no poder. É quase o mesmo na França, onde todos pedem a queda de Macron. As instituições são mais sólidas na França, mas nunca se sabe onde o irracionalismo pode levar as nações. A última vez que tivemos algo parecido no continente o resultado foi um Berlusconi.

E sabem o que é mais irônico. É que o atual presidente está a pressionar os preços dos combustíveis fósseis para valorizar as energias limpas. Mas as classes médias não vão nessa cantiga. Nunca vão…

É a dança da chuva.

Campeão