sábado, 8 de dezembro de 2018

Cheque de dona Marisa Letícia é referente a pagamento de dívida, diz Lula*

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
O cheque de R$ 24 mil depositado pelo motorista em uma conta da primeira-dama, dona Marisa Letícia, se tornou nos últimos dias a principal preocupação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu grupo mais próximo. Nesta sexta-feira, um dias depois de revelado que o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão em uma conta do motorista do filho do presidente, Fábio Luiz Lula da Silva, o Lulinha.

O presidente Lula também apresentou a versão do repasse para Marisa Letícia. Ao site O Antagonista, o presidente confirmou uma justificativa que vinha sendo difundida reservadamente ao longo do dia por seus auxiliares próximos. O repasse, conforme disse Lula da Silva, se refere a uma parcela do pagamento de um débito antigo do motorista com ele.

"Emprestei dinheiro para ele em outras oportunidades. Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou. Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil", disse Lula da Silva ao site.

O então assessor de Fábio Luiz, mais conhecido por Lulinha,  foi exonerado em 15 de outubro. Ele tinha vencimentos de cerca de R$ 23 mil mensais. O total de R$ 1,2 milhão foi movimentado em sua conta no período de janeiro de 2016 a janeiro de 2017. O documento do Coaf lista dados financeiros e patrimoniais de funcionários da Assembleia Legislativa do Rio, alvo da Operação Furna da Onça. 

* Texto original de Constança Rezende, no site Terra, com a alteração dos nomes. Bolsonaro por Lula, por exemplo. Se fosse com os nomes certos, 81,23% dos joinvilenses não iriam entender.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Buracos em Joinville: culpa da chuva e dos suíços. Nunca do prefeito...


POR JORDI CASTAN
A Prefeitura Municipal parece seguir à risca a lógica de que quantos mais buracos, mais queijo. Traduzido para nossa realidade local, quantos mais buracos, mais ruas. Mas a lógica não é o forte desta gestão. O que era um problema de gestão acabou se tornando um problema de gestão e de caixa. O que era para ser uma duplicação acabou se convertendo numa enjambração, no caso da avenida Santos Dumont. E por aí vamos (aos solavancos). O que era para ser um modelo de gestão acabou virando um meme cunhado pelo neologismo “geston”. Aliás, palavra que nestes manguezais virou sinônimo de um mau administrador, de um gestor inepto e mesmo de nenhuma gestão ou de inação.

Voltando à teoria dos buracos e do queijo, diz-se na Suíça que quantos mais buracos tenha um queijo, mais queijo será. Ou melhor, mais suíço será o queijo. Os buracos conferem-lhe autenticidade, identidade e originalidade. Um bom queijo suíço tem como característica reconhecida os seus buracos. Para os amantes dos queijos, é bom lembrar que há mais de 450 tipos de queijo suíço e que os dois mais conhecidos são o Emmental e o Gruyére. E, sim, os buracos no queijo suíço são uma característica própria, resultado do processo de produção, no qual as bactérias acidificam o leite criando peculiaridades únicas e irrepetíveis.

É bom lembrar que uma parte significativa dos colonizadores de Joinville, que muitos denominam ainda hoje como alemães, vinham de outras nações. E um grupo importante veio da Suíça. Vai que é por isso que nossas ruas parecem queijos suíços. Mas nada mais longe da verdade. As nossas ruas estão cheias de buracos por outros motivos. Motivos que têm mais a ver com a desídia, a falta de manutenção regular e sistemática, a falta de fiscalização e a péssima qualidade da pavimentação,feita sem controle, sem rigor e sem seguir as normas técnicas adequadas.

O poder público insiste em culpar a chuva, como se Joinville fosse a cidade mais chuvosa do mundo. É bom que se diga que não é. A cidade mais chuvosa da terra encontra-se na Colômbia, Lloró. Sua precipitação anual média de 13.300 mm, cinco vezes mais que Joinville. Entre os lugares mais chuvosos do mundo encontramos Kukui, Maui, Havaí (média de precipitação anual: 9.293 mm) e Emei Shan, província de Sichuan, China (média de precipitação anual: 8.169 mm).

Nem somos a cidade mais chuvosa do Brasil. É outra mentira que nos contaram e que insistem em repetir. A chuva não é a vilã. A vilania deve ser buscada em outros endereços. Os dados de Joinville mostram uma realidade bem diferente. A média anual histórica de Joinville é de 2.130,1 mm. Menos da metade dos 4.165 mm do município de Calçoene, no Amapá. Há registros dos índices de chuvas de Joinville desde 1895. Naquele ano, choveu cerca de 2.200 milímetros. Desde 1950, os anos em que mais choveu na cidade foram: 1957 (2.649,7 mm), 1983 (2.782,1 mm), 1998 (2.611,2 mm) e 2008 (2.570,9 mm) — anos conhecidos por enchentes históricas em Joinville.

Assim que já aprendeu mais uma. Culpar a chuva é mais uma lorota. Se temos as ruas mais esburacadas da história, tem menos a ver com chuva e mais com gestão ou como se diz por aqui com “geston”. Começamos falando de queijos e buracos e acabamos mostrando que não é chuva a principal culpada pelo estado vergonhoso em que se encontra nossa cidade.
Mas uma coisa é certa, a cada dia Joinville é mais conhecida pelo estado lastimável da cidade que pelos canteiros de flor, os jardins bem cuidados e o capricho com que as coisas eram tratadas. Se houver um levantamento das cidades com mais buracos nas ruas, apareceremos bem na foto e estar nos primeiros lugares é uma péssima notícia.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A quem serve o Estado (2ª parte)



POR GIANE SOUZA
Por que há um interesse privado explícito dentro do comando da política pública?  Por que os políticos enriquecem assumindo cargos públicos? Por que as questões da vida privada são tratadas com benevolência dentro das esferas públicas para aqueles que estão a favor do poder e de forma perversa para aqueles que estão fora da órbita dos interesses privados corporativistas?

A ideologia desses gestores quer fazer crer que o Estado não funciona e coloca a administração privada como exemplo de idoneidade. Contudo as relações de poder e corrupção transitam nas duas esferas privadas e públicas, elas se retroalimentam. Há algo de podre no Reino da Dinamarca, diria Shakespeare em Hamlet. Refaço a questão do autor e coloco que há algo de podre na república brasileira, que nos faz pensar como e por que os representantes do Estado, atuam na destruição da própria república, do Estado e da política.

Como refazer caminhos que historicamente foram construídos por linhas tortas? Como o “jeitinho brasileiro”, a “política do toma lá dá cá”, a “farinha pouca meu pirão primeiro” deram a voz e a vez para aqueles que possuem sobrenome, berço, cabide, pistolão ou coadunados de plantão.

Para quem defende um serviço público de qualidade fica a ingrata tarefa de reformular e implodir estas estruturas de poder apodrecidas dentro do próprio Estado. A minha geração talvez não assista uma mudança positiva real. Os apodrecimentos que sustentam a base da política brasileira adubam o crescimento e a reprodução dessas relações perversas. O tempo escorre e derrete como um objeto surreal de Salvador Dalí.

IGNORÂNCIA COMO EXPRESSÃO POLÍTICA - O tempo da ingerência, da obscuridade, da ignorância, do apadrinhamento, do clientelismo, do favoritismo, do entreguismo e da mentira marca um compasso de retrocesso político e humanitário cruel. A todo minuto surgem mais uma mais uma mais uma e mais uma. As pérolas do governo eleito elegeram a ignorância como forma de expressão política. As apropriações e abusos do dinheiro público, de influências e da máquina pública são retoques de refinamento de uma burrice institucionalizada. Eu falo o que quiser porque eu tenho imunidade, disse certa vez o presidente eleito ao ser indagado sobre as violências verbais que costumeiramente expressa. E o Estado brasileiro segue cabisbaixo, fruto de um estupro moral. A quem recorrer?

Ficamos a mercê das experiências que de quatro em quatro anos reinventam, destroem e reconstroem o Estado, sem nenhum critério, sem nenhum planejamento, sem nenhum escrúpulo, sem nenhuma ausculta social. O que importa são as redes de amizade de filiação, de interesses, de poder, de fisiologismos e de fundamentalismos. Seguimos para o abismo e empurramos o Estado de direito com nossas “instituições fortes” para a ribanceira do descaso. Se a lei não serve, revogamos, se não concordamos, destituímos, se não entendemos, extinguimos.

Fico imaginando a compreensão analítica e cirúrgica que Eric Hobsbawn faria dessa conjuntura se estivesse vivo. Dos tempos extremos aos tempos fraturados, voltamos novamente para a era dos obscurantismos, dos nacionalismos, dos totalitarismos e dos conspiracionismos. E como diria Anne Applebaum: “De George Orwell a Arthur Kostler, os escritores europeus do século XX ficaram obcecados com a ideia da Grande Mentira”. O que fazemos nós agora com a Grande Mentira no século XXI?

 O Estado será destruído? Nem tanto, ainda é necessário ocupá-lo e dividi-lo em redes de influências e controle da sociedade. A distribuição de favores e trocas de apoios mantêm vivos os alinhamentos das estruturas de poder. A população tornou-se enfim um joguete nas mãos dos detentores do poder. Ela precisa acreditar na Grande Mentira.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

A quem serve o Estado? (1ª parte)

POR GIANE SOUZA
Quem trabalha no serviço público como funcionário de carreira, nas esferas municipais, estaduais ou federal, está cansado de ver abusos na gestão pública, principalmente em relação aos sucessivos gestores que se apresentam. As escolhas destes não seguem critérios técnicos. Os critérios da gestão pública, majoritariamente, são desenhados pela submissão e partilhas partidárias pelas quais as alianças eleitorais são estruturadas. A ocupação e o fatiamento do Estado são alicerçados em redes de clientelismo e negociatas.

Em 24 anos de serviço público municipal, presenciei e ouvi muitas barbaridades: “sou indicação direta do prefeito”, “sou indicação do vereador x”, “meu marido é da maçonaria”, “meu pai trabalhou na campanha”, “mas, o que vocês fazem aqui mesmo”, “estou aqui para aprender”. Muitas são as bravatas que colocam em xeque a paciência histórica de qualquer servidor. Nas indicações, alianças, acordos e amizades que demarcam as gestões o que menos importa é o bem público e a sociedade. 

O que interessa de fato são as redes de favorecimento e as vantagens advindas do cargo, dentro e fora do governo. Quem não é governo não é confiável. Quem é de confiança, consequentemente, representa indiscutivelmente os interesses da gestão do governo e não necessariamente do Estado. O importante é estar com o governo. Não por acaso os governos necessitam de maioria no parlamento para aprovar seus projetos. Essa maioria é negociada e barganhada com muitas trocas de favores e cargos.

Dessa forma, práticas perversas são criadas com o dinheiro público. Entre elas a corrupção dentro e fora do Estado. Contudo, essas práticas estão alicerçadas em uma estrutura de poder e de comando que fazem com que a máquina pública emperre, seja boicotada de dentro para fora, para de fato se comprovar a suposta ineficiência estatal. Projetos são engavetados, documentos são perdidos e alterados, boas práticas são descontinuadas, setores são destruídos, planos de trabalho são desconsiderados e o servidor público no seu dia a dia é massacrado por uma rede de ingerências e politicagens de todas as espécies.

A dança das cadeiras na administração pública, a ausência de planejamento do Estado, as descontinuidades das políticas fomentam a ilusão de que o serviço público não funciona, é moroso e ineficiente, por isso torna-se objeto constante de ameaças e ataques. Essa é uma estratégia de ação de alguns gestores. Fazer a máquina emperrar é uma opção política de gestão. Ocupar um cargo com quem não entende da área que irá atuar, muito além do apadrinhamento dos feudos partidários é uma forma de desprestigiar o Estado e desqualificar o serviço público.

As disputas de interesses fazem com que os cargos sejam distribuídos não conforme os valores, meritocracias e competências dos profissionais da área, mas segundo critérios de poderes escusos. Nas escolhas dos primeiro, segundo e terceiro escalões seguem os nomes estratégicos hierarquicamente para a governabilidade do partido hegemônico e das redes de influências na gestão pública. Cargos considerados desimportantes ou pastas com orçamentos reduzidos são destinadas para nomes igualmente desvalorizados no mercado partidário ou sem importância na articulação política. 

Diariamente o servidor público assiste uma coreografia marcada por constrangimentos e favorecimentos políticos. Ao servidor público calar, consentir ou se rebelar traz como consequência a sua marginalização ou não perante os gestores. Para aqueles que se rebelam, a geladeira é sempre colocada à disposição. Não por acaso, a Carta apócrifa que a Revista Carta Capital reproduziu, escrita por um diplomata ao futuro chanceler brasileiro Ernesto Araújo, justificava a sua não assinatura no documento: “Não quero enfrentar esse Senhor, pois ele dispõe dos meios para literalmente infernizar minha vida. Por isso, por proteção especialmente àqueles que dependem de mim, não me identificarei.”

Nesses infernos da má gestão pública, o maior prejudicado é o contribuinte. Políticas  públicas são interrompidas de quatro em quatro anos ou até antes. Eu trabalhei num Setor de Patrimônio Cultural, onde houve troca de gestão sete vezes em quatro anos no mesmo mandato. Não há política pública que sobreviva nesses esquemas de distribuição de favorecimentos e rede de amizades partidárias tampouco de desvalorização de determinadas áreas do serviço público.

O CASO BOLSONARO - Após a eleição presidencial são muitos os exemplos de partilhamento dos poderes em redes de clientelismo e fisiologismo no qual se projeta o futuro governo Bolsonaro. O presidente eleito demonstra executar uma versão piorada de si mesmo na ocupação do Estado, privilegiando o não planejamento e o não conhecimento técnico para atingir seus fins ideológicos. Prova disso é a escalação do seu time ministerial e as competências de cada um, ou melhor, as características das trajetórias políticas, religiosas, criminais, de filiação partidária, filiação parental e redes de amizades atribuídas aos seus séquitos.

Majoritariamente, a competência técnica não foi considerada em nenhuma das situações, obviamente é a menos importante. Bolsonaro segue o que Temer iniciou. Novamente o Estado brasileiro e as suas instituições, as quais o Ministério Público gosta de enfatizar como “fortes” foram redesenhadas, extintas, reformuladas, alteradas, desrespeitando processos históricos de construção e deliberação democrática a partir da Constituição Federal de 1988. Isso sem considerar os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, obstinadamente perseguidos.

Essas questões nos levam a refletir: a quem interessa sucatear e acabar com o Estado brasileiro? Por que as instituições no Brasil são tão frágeis frente aos acordos e interesses políticos de quem vence a eleição? Por que o serviço público é alvo constante de combate e de ocupação de representações corporativistas, lobistas, ideológicas e partidárias? 

(a segunda parte deste texto será publicada amanhã)

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

A entrevista do prefeito de Joinville e a sua cidade imaginária

POR JORDI CASTAN
Depois de ler a entrevista que o prefeito Udo Dohler concedeu ao jornal local, acredito que não esteja conseguindo mais diferenciar a fantasia da realidade, que viva na Joinville das suas quimeras, dos seus sonhos e dos seus pesadelos. Mas os sonhos (ou delírios) são só sonhos. A Joinville real está cada dia mais distante daquela em que o prefeito mora, claramente uma cidade imaginária.

É incansável a capacidade que este governo municipal tem de criar projetos, desenvolver propostas e, acima de tudo, querer nos convencer que vivemos numa outra Joinville.Para toda e qualquer coisa que alguém possa imaginar, a Prefeitura Municipal tem mais de um projeto. As alternativas se acumulam em gavetas e caixas empoeiradas. A maioria das soluções e os projetos propostos acabam ficando obsoletos antes de verem a luz.

É incrível a capacidade de inventar soluções que nunca serão executadas, de confundir fantasia e realidade. O risco é levar o prefeito e sua troupe a viver num mundo paralelo, em que não é mais possível discernir o certo do errado. Um caminho perigoso, confuso e difícil de percorrer. A impressão é que o prefeito está perdido no seu labirinto, que perdeu o novelo e não sabe sair da enrascada em que se meteu. Só que acabou nos levando a todos os joinvilenses juntos. 

Os meus filhos cresceram sem poder passear em nenhum dos parques projetados pelos técnicos da Prefeitura, apresentados em lindos desenhos coloridos em não poucas reuniões e palestras. Projetos que mesmo depois de muitos anos e muitos reais continuam sem ser implantados e parecem cada vez mais distantes.

Hoje duas cidades distintas ocupam o mesmo lugar. Uma é a cidade imaginária, só visível para políticos e os seus íntimos, através de um fantascópio. Essa Joinville é invisível a olho nu, para os cidadãos. É a Joinville irreal que nunca sai do papel e que só existe na fantasia dos nossos dirigentes, que acabam acreditando nas próprias fantasias, patranhas e invencionices.

Para nós fica a Joinville real, a das ruas esburacadas, sem espaços para o lazer, sem áreas verdes públicas. A Joinville cinza, do transito lento, dos engarrafamentos, das obras inacabadas, das inaugurações incompletas. A Joinville, que aos poucos vai perdendo o seu brilho de outrora.

Em alguns momentos as duas cidades se cruzam. Por instantes é possível vislumbrar na lanterna mágica as duas Joinvilles. Os desenhos coloridos dos projetos, perdem o brilho, a fantasia da computação gráfica, não sobrevive à claridade da luz do sol. E aos poucos as pessoas percebem que a nossa cidade é a real, a de cada dia, a das filas, dos buracos, que tem poeira na época de seca, a do barro na época de chuva.

A outra é uma fantasia, que existe só nas cabeças e nos sonhos e nas sandices que propalam. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Paris, 2013

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Paris está em chamas. Um domingo de manifestações violentas que acabou com lojas destruídas, carros incendiados e monumentos vandalizados. Tudo começou com as ações, nas últimas semanas, dos chamados “Coletes Amarelos”, movimento surgido no seio de uma sociedade em que a classe média se diz sufocada por impostos. O estopim foi a taxa sobre os impostos dos combustíveis.

Na noite deste último domingo muitos foram dormir com um travo amargo na boca. As manifestações fugiram ao controle. O movimento - espontâneo, orgânico e legítimo - tem o objetivo de protestar, mas o uso da violência não estava no horizonte da maioria. Mas as coisas descambaram e o dia acabou com mais de 300 manifestantes e uma morte a registrar (a terceira desde o início do movimento).

As coisas são confusas. O movimento é espontâneo e não tem lideranças (se tiver institucionaliza-se). É tudo descentralizado. Por essa razão que as manifestações pipocam aqui e acolá, sempre convocadas pelas redes sociais. O governo de Emmanuel Macron tem dificuldades em encontrar interlocutores tem se limitado a falar com os partidos políticos que, vale salientar, não representam os “Coletes Amarelos”.

Mas tudo faz lembrar o Brasil de 2013. Por quê? Porque também é um movimento que começa de forma legítima, mas que acaba descambando para a violência, com a infiltração de grupos extremistas. No caso da França, o “Coletes Amarelos” teve a infiltração dos opostos, a ultra-extrema direita e a extrema esquerda anarquista. É só vestir o colete e está integrado. O resultado é o que se viu nas ruas de Paris no domingo.

Todos sabemos que a escalada de 2013, no Brasil, provocou a degradação política que acabou com Bolsonaro no poder. É quase o mesmo na França, onde todos pedem a queda de Macron. As instituições são mais sólidas na França, mas nunca se sabe onde o irracionalismo pode levar as nações. A última vez que tivemos algo parecido no continente o resultado foi um Berlusconi.

E sabem o que é mais irônico. É que o atual presidente está a pressionar os preços dos combustíveis fósseis para valorizar as energias limpas. Mas as classes médias não vão nessa cantiga. Nunca vão…

É a dança da chuva.

Campeão


quinta-feira, 29 de novembro de 2018

A “ideologia de gênero” e a legitimação da violência

POR CLÓVIS GRUNER
A América Latina, de acordo com relatório da ONU Mujeres, é o local mais perigoso para as mulheres fora de uma zona de guerra: em 2017 foram cerca de 2,5 mil mortes causadas por violência de gênero. Com 1.133 assassinatos – uma média de três por dia – o Brasil contribuiu com quase metade dessa cifra. Poucos desses crimes mereceram alguma cobertura midiática; a maioria ficou relegada às estatísticas.

O mesmo levantamento reitera o que já é de conhecimento mais ou menos comum: na maioria dos casos de violência física ou sexual contra mulheres, o responsável é alguém conhecido ou mesmo íntimo – vizinho, namorado, noivo, marido, padrasto, pai – e o abuso acontece dentro de casa ou em ambientes familiares, não raro com a conivência de pessoas próximas.

É o caso, por exemplo, do estupro. No Brasil, foram mais de 60 mil registrados no ano passado, uma média de 164 por dia, um a cada dez minutos. Mas é bastante provável que a incidência seja maior porque, por diferentes razões, o estupro é um dos crimes com o maior índice de subnotificações, e boa parte deles nem mesmo chega ao conhecimento das autoridades policiais.

Não é muito diferente quando o assunto é pedofilia. Em 2016, cerca de 13 mil menores foram vítimas de abuso sexual, a maioria, como nos casos de estupro, dentro de casa ou em ambientes conhecidos, perpetrados por familiares ou pessoas próximas. Apesar da campanha de difamação promovida pelos milicianos do MBL, o senador Magno Malta e por pastores fundamentalistas, não há registros de pedofilia em exposições, performances artísticas e em museus.

As violências homofóbicas – Além disso, seguimos sendo, entre os países considerados democráticos, um dos que mais mata sua população LGBT. Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2011 – ano do último levantamento do órgão federal – cerca de 19 violações aconteceram diariamente em todo o pais. As estatísticas se referem às agressões notificadas, mas é provável que a incidência seja maior.

Os números são também assustadores no que se refere ao assassinato de LGBTs: em 2011, foram registradas 266 mortes; levantamento feito pelo Grupo Gay da Bahia para 2014, registra um aumento significativo, totalizando 326 assassinatos. No ano passado, esse número saltou para 445 vítimas. O número é maior entre a população gay masculina, seguida de perto pelos travestis. Confundidos com gays, nos últimos anos cerca de 20 homens heteros foram assassinados.

Apesar da posição oficial de entidades como a OMS e o Conselho Federal de Psicologia, a homossexualidade ainda é vista e tratada como doença por alguns profissionais de saúde, e não é tão incomum encontrarmos quem faça carreira alardeando e vendendo a “cura gay” em consultórios e clínicas particulares. Não me parece despropositado afirmar que o índice desalentador de suicídios entre jovens gays seja, em parte, resultado dessas muitas formas de violência simbólica.

E elas são, de fato, muitas: LGBTs são preteridos ou demitidos de empregos; constrangidos em lugares públicos e hostilizados quando demonstram afeto; expulsos do convívio familiar e de amigos; ridicularizados por programas de humor e humoristas politicamente incorretos; desrespeitados em ambientes públicos. Pesquisas recentes mostram que o bullying homofóbico nas escolas colabora para elevar os índices de repetência, evasão escolar e suicídio entre adolescentes.

Problemas de gênero – Diminuir essas estatísticas não é tarefa fácil, e demanda um esforço coordenado e articulado de diferentes grupos e instituições, a começar pelo Estado. Um ambiente onde discussões sobre gênero vicejassem de forma aberta e em espaços públicos como as escolas, deveria ser condição fundamental. Mas se avançamos muito pouco mesmo em governos considerados progressistas, com a eleição de Bolsonaro e o fortalecimento de movimentos reacionários como a “Escola sem Partido”, estamos a trilhar o caminho de volta.

Na semana passada, um deputado federal eleito pelo Rio de Janeiro – o mesmo que, nas eleições, rasgou uma placa em homenagem a Marielle Franco – invadiu uma escola em Petrópolis e ameaçou sua diretora. Em Minas Gerais, a Promotoria de Defesa dos Direitos das Crianças entrou com um processo contra o Colégio Santo Agostinho, de Belo Horizonte, por suposta adoção da “ideologia de gênero” no currículo escolar. Na segunda (26), o MP pediu a suspensão da ação, sob a justificativa de que a atribuição caberia à Promotoria de Defesa do Direito à Educação.

Na prática, a suspensão é provisória, válida até que a Procuradoria-Geral decida se a ação deve ou não ser objeto de intervenção do MP e, se for o caso, qual promotoria será responsável por ela. O texto da PDDC, uma peça em que o obscurantismo e a ignorância caminham juntos, serve apenas como o exemplo mais recente de uma sequência de ataques desferidos contra a escola, a educação e os docentes; mas não será o último.

Contra direitos e liberdades – Mentiras repetidas inúmeras vezes não viram verdade, mas atendem e cumprem propósitos e objetivos perversos. Com a “ideologia de gênero” não é diferente. Ela é o pretexto para desviar a atenção de problemas que de fato afetam a educação e demandam medidas e investimentos urgentes. Com professores equiparados a abusadores e estupradores – a analogia é de Miguel Nagib, criador e ideólogo da “Escola sem Partido” –, não é preciso encontrar outras razões, que não os próprios docentes, para explicar a suposta falência de nosso modelo de ensino.

Mas há outras razões além dessa mais imediata. Surfando na onde do anti-intelectualismo mais grosseiro, e desconsiderando e depreciando estudos científicos e acadêmicos sobre o tema, a propagação da “ideologia de gênero” funciona como uma espécie de slogan que catalisa manifestações contrárias a ações pedagógicas de promoção dos direitos sexuais, ao enfrentamento dos preconceitos, a prevenção de violências e o combate à discriminação de gênero.

Um dos objetivos é recuperar o espaço e o poder das igrejas em sociedades que atravessam processos de secularização, e ao mesmo tempo conter o avanço de políticas de garantia ou ampliação de direitos e buscando restaurar, por um discurso que os naturalizam, os modelos ditos tradicionais de família e sexualidade. Que isso seja feito tendo como base um pânico moral que recrudesce a violência contra grupos socialmente marginalizados, pouco importa. A ordem, afinal, é que eles se submetam à maioria. Ou desapareçam.