quarta-feira, 13 de junho de 2018

Os homens que não amam as mulheres


POR CLÓVIS GRUNER
Um juiz de Mococa, interior de São Paulo, ordenou judicialmente a esterilização de uma mulher, Janaína Aparecida Quirino, depois que o promotor público Frederico Liserre Barruffini instaurou ação judicial com o intento de constrangê-la a realizar o procedimento compulsoriamente. A alegação da promotoria foi que, moradora de rua, mãe de seis filhos e grávida de um sétimo, ela se recusou a fazer a laqueadura voluntariamente. A história veio à luz sábado último (09), na coluna do professor de Direito Constitucional, Oscar Vilhena, na Folha de São Paulo.

Desde então, o episódio repercutiu em outros veículos que ampliaram a cobertura e revelaram mais detalhes do caso, além de manifestações nas redes sociais, incluindo o apoio inconteste e irrestrito à medida da outrora estelar Janaina Paschoal, e um desmentido do juiz responsável pelo caso, Djalma Moreira Gomes Junior. Segundo ele, o procedimento foi realizado com o consentimento de Janaína Quirino, atualmente cumprindo pena por tráfico de drogas.

A trajetória de Janaína não é única em um país atravessado, historicamente, por contradições e desigualdades aparentemente insolúveis. A decisão do juiz, por outro lado e até onde sei, é inédita. Mas sua novidade, no entanto, está circunscrita ao ato – aliás, inconstitucional, o que tampouco parece fazer diferença em um país onde juízes driblam a legislação para contabilizar ganhos acima do teto constitucional.

No Brasil, a guerra contra os pobres vem de longa data. Mesmo antes de nos tornarmos nação, após nossa independência e durante o século XX, já no período republicano, nossas elites (econômicas, políticas ou intelectuais) não se furtaram a defender medidas drásticas, às vezes com o lastro da ciência, quando se tratou de sujeitar grupos vulneráveis. A decisão do juiz de Mococa é inédita, mas não é nova, porque retoma e atualiza uma ideia que foi lugar comum nas democracias ocidentais há até pouco menos de um século.

Eugenia e políticas de esterilização – Impulsionadas pelas teses naturalistas surgidas ainda nas primeiras décadas do século XIX, as teorias eugênicas se desenvolveram ao longo da segunda metade do oitocentos. Em seu cerne, a concepção da evolução humana como resultado imediato de leis biológicas e naturais que determinam o comportamento humano, sendo as raças constitutivas de um processo evolutivo no interior do qual se configuraram e cristalizaram as desigualdades.

A naturalização das diferenças legitimou um conjunto de proposições com desdobramentos políticos significativos: se as desigualdades são racialmente determinadas e estruturadas na natureza das populações, é possível asseverar a superioridade de uma raça sobre outras, mesmo a um nível mais cotidiano, afirmando a continuidade entre os caracteres racialmente determinados e a conduta moral dos indivíduos, por exemplo. A expansão colonialista levada a cabo pelas potências europeias se assentou, em grande medida, nesses discursos.

Amplamente aceita pela comunidade científica, a eugenia orientou igualmente ações políticas e governamentais dentro dos próprios países em que foi formulada. Nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que pelo menos 70 mil americanos foram esterilizados compulsoriamente, a esmagadora maioria mulheres, nas primeiras décadas do século XX. Os esforços americanos chamaram a atenção de Hitler, que tratou de aprimorar as tecnologias de eliminação dos indesejados, elevando-as a parâmetros industriais de resultados bárbaros e trágicos amplamente conhecidos.

A política eugenista de esterilização em massa seduziu também cientistas e políticos brasileiros. Uma das bandeiras da Sociedade Eugênica de São Paulo, criada pelo médico Renato Kehl em 1918 e que nos anos subsequentes tornou-se um movimento mais nacional, era a revisão do Código Civil. Ele defendia a inclusão de um dispositivo que autorizasse o Estado a proibir o casamento entre indivíduos que apresentassem algum risco da geração de uma prole com tendência à degenerescência. Em algumas versões, a proibição do casamento foi substituída pela esterilização compulsória.

Guerra contra os fracos – Houve um recuo dos discursos eugênicos depois da Segunda Guerra, por razões óbvias. Mas isso tampouco significou, particularmente no Brasil, um abrandamento das relações tensas e violentas entre o Estado e os grupos dominantes, cujos interesses sempre coincidiram, e as populações fragilizadas. Do golpe de 64 aos esquadrões da morte e à Candelária; dos massacres de Eldorado do Carajás ao Carandiru; de Belo Monte à Maré; da prisão de Rafael Braga ao assassinato de Marielle Franco, o Estado de exceção tem sido a regra.

Não surpreende que o recrudescimento de discursos eugênicos, incluindo a defesa da esterilização compulsória, ganhou novo fôlego com as políticas públicas de inclusão que, nas primeiras gestões petistas, impulsionaram a ascensão social de parcelas da população mais pobre. Misto de desinformação e preconceito, proliferaram desde então discursos que insistem em condenar grupos inteiros a uma espécie de subcidadania. E eles incluem assegurar ao Estado o direito de interferir nos corpos, notadamente naqueles considerados descartáveis, precários, indignos mesmo do luto, na expressão de Judith Butler.

E tem sido sobretudo os corpos femininos o objeto privilegiado desse novo front reacionário. Um exemplo: em 2014, o deputado estadual Carlos Bolsonaro, um dos herdeiros de Voldemort, defendeu que o Bolsa Família fosse concedido apenas às famílias cujas mulheres aceitassem se submeter “às cirurgias de laqueadura”. Como bom “liberal conservador”, Bolsonaro argumentava a favor da “liberdade individual” porque, mesmo garantindo ao Estado normatizar e condicionar o recebimento de um benefício à esterilização das beneficiadas, a cirurgia seria “uma escolha do cidadão”. O pai deve ter se sentido orgulhoso.

Não há nisso surpresa ou coincidência. De um lado, parte dos programas sociais, como o Bolsa Família, transfere a elas responsabilidades e lhes dá maior autonomia, “empoderando” mulheres de extratos economicamente mais desassistidos. De outro, assistimos uma ofensiva que desqualifica as políticas e discussões de gênero, vinda de parlamentares e entidades como o Escola sem Partido. A violência contra Janaína Quirino, nesse sentido, é a expressão de um desejo cada vez menos contido de estendê-la a outros e, principalmente, a outras Janaínas. A guerra contra os fracos não tem fim. Contra as mulheres, tampouco.

terça-feira, 12 de junho de 2018

Lula leu 21 livros em 57 dias. E os botocudos puseram a boca no mundo...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
“Lula leu 21 livros em 57 dias”.
Só num lugar dominado por gente atrasada o tema podia virar polêmica. Mas esse lugar existe. E nem sou eu a dizer. Uma pesquisa divulgada no ano passado revela que a população brasileira é a segunda, entre 38 nações investigadas, com maior dificuldade em entender a própria realidade. Sempre foi assim, mas as redes sociais tornaram essa evidência gritante.

E por falar em social media, foi justamente no Twitter que o tema dos livros lidos por Lula ganhou força. A coisa acabou mesmo no plano da aritmética. Uma moça de nome Bruna Luiza produziu a seguinte pérola: “Se cada livro tem 150 páginas (o que é pouquíssimo para um livro normal), são 3150 páginas. Lula teria que ler 55 páginas por dia. Qualquer pessoa que costuma ler sabe que isso é irrealista, especialmente para um semi-analfabeto”. Viu?

Ora, é apenas ranço, preconceito e aquilo que podemos chamar ignorância petulante. O Brasil é um país onde persiste a lógica do apartheid social (ricos de um lado e pobres do outro) e ter um curso superior faz muita gente acreditar que é superior. Essa falta de noção faz com que muitos se sintam com autoridade para chamar o ex-presidente de analfabeto – ou semi-analfabeto, como no caso da moçoila.

É fato. Num país como o Brasil, onde a educação sempre foi privilégio, o diploma ainda funciona como elemento de distinção. Mas a verdade é que o país está cheio de obtusos com diplomas. Todos sabemos que, na prática, há pessoas que obtêm um canudo sem terem lido pelo menos dois míseros livros inteiros (se duvida, fale com algum professor). Tudo o que essas pessoas têm são noções epidérmicas sobre os fatos.

A ignorância petulante é resultado desse mal calculado complexo de superioridade. É uma auto-ilusão que leva as pessoas a se imaginarem num patamar intelectual elevado, quando, muitas vezes, estão abaixo disso. Muito abaixo. É o que mostra o caso da moça do Twitter, que considera irrealista ler 55 páginas num dia. Ah, minha cara Bruna Luiza, nem sempre é fácil entender que as nossas limitações são apenas nossas.

O preconceito impede de ver as coisas mais óbvias. Se uma pessoa se julga melhor que as outras apenas porque lê (e aqui há muito a questionar) ou porque tem um diploma, então ela é parte do problema. Aliás, é  um saco ver analfabetos funcionais - que às vezes sequer funcionam – arrotando superioridade apenas porque têm um canudo. Eita papo botocudo.

Enfim, parece muito provável que o ex-presidente tenha lido os tais 21 livros em 57 dias, até porque tem tempo de sobra. E, para finalizar, fica a dica: não tenho receio de afirmar que Lula entende mais de economia do que muito economista, de sociologia do que muito sociólogo, de administração que muito administrador. Entendedores entendem...

É a dança da chuva.


segunda-feira, 11 de junho de 2018

Uma geston eficientizaçada #sqn


POR JORDI CASTAN

Não posso evitar o sentimento de otário quando cruzo na rua com um desses sinaleiros “eficientizados” que geram uma economia de R$ 720.000 ao ano. Primeiro, porque uma administração pífia e inepta pode fazer qualquer coisa menos eficientizar alguma coisa. Nem o verbo “eficientizar” aparece no Aurélio. Deve ser desses neologismos que burocratas ficam inventando nas suas horas diárias dedicadas a praticar o onanismo mental.

Em outras palavras, esta gestón ineficiente, que vituperou a inteligência coletiva do joinvilense afirmando que não faltava dinheiro, mas gestão, mostrou depois de poucos dias que não tinha nem dinheiro, nem gestão. A resposta à eficientização dos sinaleiros veio na forma de um aumento brutal da COSIP. Assim, o joinvilense paga mais caro pela eficientização dos sinaleiros. Bingo! Alguma dúvida que o resultado seria esse?

Depois de trocar todas as luminárias vermelhas do Carlito pelas novas de LED, que são mais eficientes e, portanto, consomem menos energia, a lógica diria que a economia deveria ser transferida para o cidadão. E o valor extorsivo da COSIP seria reduzido. Nem preciso avisar que isso não vai acontecer. Seguiremos pagando mais caro pela eficientização da iluminação pública. E ganharemos o pomposo titulo de otário do ano, na categoria ouro, com menção honrosa. Porque trouxa que é trouxa merece ser homenageado e sua bovina mansidão reconhecida publicamente.

Em tempo, nenhum vereador tem se manifestado pelo desperdício de recursos públicos que representa converter em sucata as luminárias substituídas com menos de um terço da sua vida útil. Porque cidade rica se faz assim, jogando fora o que ainda serve, aumentando os valores das contribuições e taxas e administrando cada dia pior.

Para não ficar restrito à eficientização da iluminação pública, podemos incluir a da sinalização horizontal, as mudanças de trânsito, intempestivas e sem estudos técnicos que as sustentem, ou a administração por tentativa e erro. Com mais erros que tentativas, o que, convenhamos, tem muito mérito porque não é fácil cometer mais de um erro em cada nova mudança.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

O ativismo identitário e a segunda morte de Dona Ivone Lara

POR CLÓVIS GRUNER 

O ativismo identitário conseguiu mais uma vitória de Pirro. Apenas três dias depois de anunciada como a intérprete de Dona Ivone Lara no musical “Dona Ivone Lara – um sorriso negro”, a sambista Fabiana Cozza renunciou ao papel, após os ataques violentos que sofreu de militantes ignorantes, entre outras coisas, que sua escolha não foi um capricho da produção do espetáculo.

Seu nome contava com o aval dos familiares de Ivone Lara e da própria biografada – falecida em abril último, aos 96 anos –, pois o projeto começou a ser concebido na década passada. A justificativa para a investida contra Fabiana foi que, filha de pai negro (e sambista) e mãe branca, ela não é uma “preta retinta”. Ao aceitar interpretar Dona Ivone Lara nos palcos, Cozza estaria usufruindo do privilégio de ter a pele mais clara e contribuindo para a invisibilidade de artistas negros de pele mais escura.

Não vou discutir a cor da pela e a negritude de Fabiana Cozza. Gente mais capacitada e com legitimidade de sobra já o fez, em apoio a ela – Leci Brandão, Chico César, Emicida, além dos familiares e da própria Ivone Lara. Meu objetivo é discutir a violência que tem sido a tônica da atuação de parte da militância, particularmente nas redes sociais, capitaneada por influenciadores e influenciadoras digitais ávidos por likes e novos seguidores.

A quem acompanha a terra quase sem lei que é a internet, não é novidade que parcela da esquerda brasileira que a frequenta, os chamados “movimentos identitários”, se caracteriza pela prática de um policiamento moralista, arrogante e autoritário. Hostis ao diálogo com quem consideram diferentes – e a diferença se tornou evidência e prova de culpa –, são pródigos em apontar inimigos por toda parte, nem que isso signifique produzi-los.

O comportamento é mais abertamente visível nos "influenciadores de opinião”. Com milhares de seguidores alguns deles, eles parecem menos preocupados em abrir espaços de discussão, qualificar o debate público, em suma, desmantelar as muitas estruturas de poder e preconceito que os oprimem, e mais em uma busca incessante por curtidas e comentários elogiosos, pela sensação de que exercem uma influência sobre um número cada vez maior de seguidores.

A política da lacração – Nesse sentido, a performance é mais importante que a argumentação, e quanto mais intolerante e sectário o comportamento com o interlocutor, maior a “lacração”. Há um misto de preguiça, arrogância e covardia a sustentar uma prática que prescinde do diálogo, substituindo-o pelo ressentimento puro e simples, e confunde confronto com violência, tomada aqui em sua acepção mais restrita: o ato de intimidar, pelo recurso à força – que é, nas redes, principalmente discursiva – aquele que se pretende desqualificar.

Há muita preguiça em uma rede de circulação de textos e ideias que, basicamente, se alimenta e retroalimenta de uma maneira autorreferente e autossuficiente. Em um bom número de blogs e perfis de ativistas, não apenas o esforço de leitura começa e termina dentro da própria rede, como se compartilha um tipo de convicção ingênua de que os movimentos negros, feminista e LGBT nasceram com eles. O passado, quando aparece, surge de forma anacrônica, quando não meramente ilustrativa.

Como resultado, se ignora o esforço de construção desses movimentos e as muitas e complexas redes que os ligam a diferentes temporalidades. Dito de outro modo, falta historicidade a uma boa parte dos movimentos e ativistas, que parecem viver em um contínuo presente porque julgam desnecessário inserir sua militância em um tempo mais amplo, que contemple o passado e suas descontinuidades, seus avanços e recuos.

A fixação no presente explica também a arrogância que se expressa em uma espécie de estoicismo vulgar e virtual: na conduta do militante, sempre moralmente certa e reta, não há espaço para a incoerência e a contradição. Esse novo estoicismo, de verniz moralizante, justifica a exposição pública, a desqualificação, o linchamento de quem escapa a ele e a identidade que o define. Lombrosianos redivivos, os militantes identitários atribuem ao seu inimigo um olhar determinista que naturaliza sua diferença, transformada em uma desigualdade irredutível.

Há algumas explicações possíveis para essas condutas. Uma delas é de que, sem vitórias significativas, apesar de algumas conquistas mais ou menos pontuais, e depois de verem suas reivindicações incorporadas, diluídas e, algumas delas, nunca atendidas, por governos de esquerda – a descriminalização do aborto, por exemplo, nunca avançou –, sobrou a esses movimentos a truculência e o extremismo alimentados, ambos, pelo ressentimento.

Tornado afeto central da militância identitária, o ressentimento é potencializado nas redes sociais. Elas permitem que sentenças sejam rapidamente promulgadas e executadas pelos tribunais populares midiáticos, sem o filtro da reflexão mais ponderada, do debate, do enfrentamento de posições, resumindo tudo a acusações que cabem em uma ou duas frases, com algum esforço, em um post. Grosso modo, os movimentos identitários retiveram o pior da justiça tradicional – seu caráter excludente, por exemplo –, sem preservar, no entanto, seus poucos méritos.

A identidade como violência – Em seu livro “Identidade e violência: a ilusão do destino”, o economista indiano Amartya Sen nos lembra que as identidades (étnicas, religiosas, de gênero, etc.) tanto confortam como matam, denunciando o risco do que chama de “cativeiro” quando a cultura se deixa dobrar à “ilusão identitária”. Ele defende que identidades são plurais e as fronteiras entre elas, porosas e historicamente constituídas.

Isso não significa renunciar a características que definem, simbolicamente, nosso “lugar” no mundo, nem desconhecer as desigualdades hierárquicas que atravessam as relações entre diferentes culturas. Mas reduzir a identidade a algo absoluto, uno e coeso é perigoso porque, entre outras coisas, incentiva a construção e a percepção do outro como inimigo, tomando-o a partir de uma essência (étnica, religiosa, de gênero, etc.) ela própria artificial – não desempenhamos, socialmente, um papel único, mas múltiplos, plurais e não raro contraditórios papéis.

Um dos custos dessa busca por uma identidade singular e essencialista é o reconhecimento sempre limitado do outro, dificultando as possibilidades do encontro e da troca dialógica a partir de características mais ou menos comuns. E se Sen associa esse movimento em especial aos grupos e ideias nacionalistas de cunho mais conservador, no Brasil tem sido principalmente parte da esquerda a desempenhá-lo.

Os ataques contra Fabiana Cozza são apenas o mais recente, mas não o primeiro e, desconfio, nem o último caso de violência simbólica, protagonizado pelas redes de militância em nome da identidade e reivindicando, como justificativa, o combate à discriminação e suas consequências. Não há dúvidas que denunciar e combater as diferentes formas de preconceito e suas muitas violências é uma tarefa ética e política das mais urgentes.

Mas se a intenção é realmente desmantelar as estruturas profundas que os produzem e reproduzem, a militância identitária poderia tentar substituir a estratégia do linchamento e da desqualificação pelo confronto e a crítica capazes de forjar alianças, por exemplo, ao invés de se fecharem e cerrarem possibilidades de diálogo. Afinal, o ativismo identitário, suponho, sabe quem são seus verdadeiros inimigos.

Mas a enfrentá-los, inventa novas monstruosidades e produz novos inimigos a serem combatidos e linchados publicamente, em uma sanha persecutória e punitivista que condenamos quando vem da direita ou do Estado. E supõe, ou simplesmente finge supor que, com essa prática lamentável em que se cruzam egos, ressentimentos e disputas mesquinhas por nacos de poder, está de fato tornando esse mundo um lugar mais suportável. Mas não está.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

10 cuidados para ter no Facebook

POR LEO VORTIS
Durante muito tempo, o mundo viveu apenas com as esferas privada e pública. Mas as redes sociais vierem mudar essa realidade, introduzindo o conceito de esfera digital. As redes sociais, em especial o Facebook, são muito boas para comunicar, mas também podem representar um perigo em termos de quebra de privacidade.

Depois do escândalo da Cambridge Analytica, a imprensa mundial passou a fazer listas de recomendações sobre cuidados que você deve ter em relação ao Facebook. E hoje, baseado num texto do britânico “The Independent”, publico aqui um decálogo a conter algumas recomendações essenciais para preservar a sua privacidade.

1. A data do aniversário
Muita gente usa a data de aniversário como senha para muitas ações online. É possível que alguém parta desse dado para tentar acessar a sua conta bancária ou obter dados pessoais.
2. Número de telefone
Já imaginou alguém que você não conhece - e nem quer conhecer - telefonando a qualquer hora? Ou pior, entrando num processo de cyberbulling ou stalking – de cariz sexual ou não.
3. Abrir mão dos “amigos” 
Que tal abrir mão dos amigos que não são amigos? Segundo o “The Independent”, o professor de psicologia de Oxford, Robin Dunbar, desenvolveu uma tese segundo a qual uma pessoa só consegue manter  cerca de 150 relacionamentos estáveis. E a maioria dos amigos virtuais não estará ao seu lado quando precisar deles.
4. Fotografias de crianças ou jovens? Não…
Para começar, uma criança não pode dar permissão, mesmo aos pais. E como nunca se sabe quem está do outro lado, a melhor ideia é não abrir portas para intrusos, ainda que teoricamente virtuais.
5. Não revele a escola dos seus filhos
O número de crimes sexuais registrados tem crescido em alguns países. Evite dizer onde o seu filho está, porque os agressores sexuais podem estar à espreita.
6. Evite serviços de localização
Os sistemas Android ou o iPhone têm serviços de localização. Evite usar. Porque se alguém deseja prejudicá-lo não é boa ideia ele saber onde você está.
7. Evite comentários sobre o seu local de trabalho
É um caso comum. Cuidado com o que diz no Facebook, em especial sobre o trabalho. Qualquer pessoa – no caso, um chefe – pode acessar o seu perfil e ver o seu comportamento. Evite críticas públicas à sua empresa. Ah... mas há formas de excluir o acesso de certas pessoas.
8. Não marque o seu endereço
Muita gente marca o lugar onde vive e fornece o próprio endereço. Pode haver problemas. Por exemplo: há pessoas que gostam de mostrar fotografias das férias, enquanto ainda estão fora. Tudo bem. Mas é melhor não esquecer que há gente mal intencionada (os tais amigos do alheio) que fica sabendo que você não está em casa.
9. Numa relação? 
Guarde essa informação para si e para a sua vida pessoal. Há muitas razões. A primeira é que os relacionamentos acabam e a mudança de status sempre chama a atenção. A outra é que pessoas que não gostam de você também podem começar a chatear a sua cara metade. O mesmo vale para o resto da família.
10. Detalhes do cartão de crédito
Mas nem que a vaca tussa.

terça-feira, 5 de junho de 2018

Foram pedir intervenção no 62º BI? Só pode ser fake news...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
As fake news são um problema sério destes tempos. É preciso ter muito cuidado com as coisas que aparecem na internet (e não só). E dou um exemplo recente de notícia falsa: circula, por aí, um vídeo que mostra uns grunhos em frente ao 62º Batalhão de Infantaria de Joinville pedindo intervenção militar. Tem que ser fake.

Só pode ser um vídeo forjado, com imagens falsas e uso de montagem em pós-produção. Está na cara que é fake, porque não há gente assim tão burra em Joinville. Eu, pelo menos, me recuso a acreditar. É uma cidade conservadora, sim, mas nunca desceria a esse nível de estupidez.

Aliás, a mentira é tanta que até vi umas imagens onde aparecem pessoas vestindo a camisa amarela da CBF. Ah... conta outra. Quem tem coragem de usar essa camisa depois da desgraça que têm sido os dois anos do governo Temer? Não em Joinville. E quem tem a falta de juízo de pagar 450 pilas por uma camisa que virou sinônimo de mico?

O filme é tão falso que aparece o argumento mais jegue possível. Se as Forças Armadas não ficarem ao lado da população, o Brasil vira uma Venezuela. Uai! Não faz sentido. Até porque não há esse perigo. Lá Maduro está a resistir o quanto pode para não entregar o petróleo. No Brasil, o pessoal entregou facinho, facinho para os gringos.

Para completar a insanidade, li o seguinte: “Os brasileiros não são venezuelanos! É hora das Forças Armadas trabalharem para a nação brasileira e não para um governo que quer que a nação pague o que foi roubada dela”. Peraê. Será que estão a falar de Temer, o resultado impeachment que eles pediram?

Só pode ser fake. Ninguém em Joinville seria tonto ao ponto de dizer esse tipo de asnice em público. E ninguém seguiria um maluco desses. Porque a ser verdade, só restaria usar a lógica do ditado antigo: se cobrir vira circo, se trancar vira hospício. Meu santo Simão Bacamarte, aí seria um caso de internamento.

É a dança da chuva.


Notícias fresquinhas (e verdadeiras) para os que acreditam não ter havido corrupção durante a ditadura militar

segunda-feira, 4 de junho de 2018

A greve dos caminhoneiros pôs o país de joelhos. E agora?


POR JORDI CASTAN
Não há como não comentar a greve dos caminhoneiros, seu desenvolvimento, seus impactos e os aprendizados a tirar dela. Comentar o que foi, o que não foi ou, melhor ainda, o que poderia ter sido e não foi.

Primeiro, não foi surpresa. Se alguém no governo - ou nos governos - diz ter sido pego de surpresa ou mente ou achou que não ia dar em nada, como quase tudo neste Brasil. Não foi falta de aviso. O setor de transporte rodoviário vive, desde faz tempo, numa crise que só tem se agravado. Cresceu - e muito - na onda dos preços controlados pelo governo e no crédito fácil que estimulou o consumo e levou ao aumento da frota além do necessário. Se agigantou na falta de infraestrutura adequada e disparou de vez quando a Petrobras passou a praticar preços de mercado. E acabou o sonho.

Um frete rodoviário de Natal a São Paulo custa aproximadamente R$ 16.000, dos quais quase R$ 13.000 são para pagar o óleo diesel, outros R$ 1.200 para pedágios, o resto para pagar o desgaste de pneus, manutenção, salário e despesas. E ainda falta remunerar o investimento. As contas só saem mesmo para quem não tem contato com o Brasil real.

É evidente que essa bomba estouraria mais cedo ou mais tarde. Estourou por conta do preço do óleo diesel e quando os caminhoneiros receberam o apoio da população. Porque é importante lembrar que, antes que aparecessem os oportunistas de sempre, a maioria da população apoiou a greve. Depois aos poucos o movimento foi perdendo foco. Ou talvez ganhando foco, até porque o foco era o preço do diesel e dos pedágios. E na medida em que o governo, tardiamente e devagar demais, atendeu as reivindicações dos grevistas, o brasileiro percebeu que de novo seria ele quem teria que pagar a conta. E neste ponto o apoio começou a arrefecer.

O resultado é que o governo não mexeu onde deveria. Todos vamos pagar o subsídio concedido aos caminhoneiros e ,já sabemos, que este modelo de subsídios pontuais a determinadas categorias em detrimento de outras, não resolve o problema, que fica só postergado. O Brasil precisa cortar na carne. Precisa cortar o número de carros oficiais, os supersalários - acima do limite constitucional -, os benefícios ilegais e imorais. Precisa reduzir as estruturas inchadas e ineficientes, cortar os R$ 28.000.000 que custa por dia o Congresso Nacional. Precisa cortar a carga tributária.

E não só não o fez, como escolheu cortar na saúde, na educação e na desoneração das exportações. Sem reduzir o tamanho do Estado, o Brasil não tem solução. O gasto público está fora de controle e o que poderia ter sido o início de um movimento para reduzir o tamanho do estado e cortar o gasto público acabou sendo só uma greve por R$ 0,46.

O Brasil segue deitado eternamente em berço esplendido. Quanto maior for o governo, menor será o cidadão. A greve expôs a fragilidade de um país que não tem nem governantes, lideranças e nem a infraestrutura capazes de enfrentar os problemas de frente e resolvê-los. O alerta está dado. O Brasil é um gigante com pés de barro. Se houver uma próxima greve, porque não devemos nos surpreender se tivermos outra a curto prazo, que seja geral, mais longa e com o apoio de todos, não haverá governo que resista. Um grupo de caminhoneiros usando WhatsApp colocou o país de joelho. É bom não esquecer.

Em tempo: tanto Santa Catarina como Joinville foram um péssimo exemplo de como lidar com uma greve. O governador e o prefeito agiram tarde e mal. Não estavam preparados para lidar com a gravidade da situação. Foram mal assessorados e não tiveram à altura da responsabilidade necessária.



sexta-feira, 1 de junho de 2018

É intervenção militar que vocês querem? Então Pra Frente Brasil...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
(COM VÍDEO)
Sempre que alguém pede uma intervenção militar – por outras palavras, uma ditadura – fico a pensar numa cura para essa doença mental. A solução ideal seria, por um passe de mágica, transportar a pessoa para uma sociedade em ditadura. Obviamente é impossível e a mágica não vai tão longe. Mas por sorte existe a arte.

O filme “Pra Frente Brasil”, de Roberto Farias, pode ser muito ilustrativo para levar esses idiotas a “viverem” uma experiência com a ditadura. A narrativa fala de um cidadão comum que cai por engano nas mãos de torturadores do regime militar. Realizado na década de 80, é considerado um dos 100 melhores filmes de toda a história do cinema brasileiro.

“Pra Frente Brasil” é uma mistura de realidade e ficção. E por agora proponho um exercício ao leitora e à leitora: imagine que você é Jofre Godói (vivido por Reginaldo Faria), o cidadão inocente, e que o Dr. Barreto (Carlos Zara) é o coronel Brilhante Ustra, aquele mesmo que foi homenageado por Jair Bolsonaro no Congresso Nacional.

Neste excerto, Reginaldo Faria tem um monólogo interessante. Eis: “eu sempre fui neutro, apolítico, nunca fiz nada contra ninguém. Eu não sou dos que são contra. Eu sou um homem comum, eu trabalho, eu tenho emprego, documento, tenho mulher, tenho filho, eu pago imposto, ninguém tem o direito de fazer isso comigo… e os meus direitos?”.

Perceberam a reflexão? O personagem, um homem honesto e trabalhador de classe média, pode ser considerado aquilo que muitos chamam “gente de bem”. Mas as ditaduras estão recheadas de cretinos que não ligam para isso. O filme a seguir tem pouco mais de cinco minutos e foca as cenas de tortura.

É a dança da chuva.




quarta-feira, 30 de maio de 2018

ManifestaCão


Algumas lições da greve


POR CLÓVIS GRUNER
Filme de estreia do então desconhecido Steven Spielberg, “Encurralado”, de 1971, narra a história de David, um motorista perseguido por um caminhoneiro obcecado por assassiná-lo. A identidade do caminhoneiro não é revelada e não sabemos nem mesmo quais suas motivações. A trama, econômica, se resume ao confronto desigual entre um indivíduo débil e encurralado e seu implacável e desconhecido perseguidor.

Há algo de divertido, apesar da seriedade do assunto, em imaginar o telefilme que lançou Spielberg em Hollywood como uma espécie de alegoria da greve dos caminhoneiros, que nos últimos dias parece caminhar para seu fim. Como no filme, os trabalhadores em greve encurralaram um governo débil, e souberam aproveitar a fragilidade de um presidente não apenas inepto, mas cuja legitimidade, colocada à prova, revelou-se inexistente.

Apesar dos inúmeros contratempos gerados pela paralisação, o apoio de parcelas significativas da população foi decisivo para colocar Temer de joelhos. Igualmente, ninguém até agora parece preocupado com os possíveis desdobramentos das medidas anunciadas pelo presidente para colocar fim à paralisação, ainda que, mesmo instintivamente, saibamos que junto com os benefícios concedidos à categoria, o governo fez a alegria das grandes transportadoras e de oportunistas como Emílio Dalçoquio.

Há algumas lições a se tirar desses últimos dias. A paralisação escancarou as péssimas condições de trabalho dos caminhoneiros, uma das categorias profissionais mais precarizadas do país. Além disso, revelou nossa dependência do transporte rodoviário, fruto do desmonte das ferrovias iniciada pelo desenvolvimentista Juscelino Kubitschek, amplamente aprofundada pelos governos militares em conluio principalmente com empreiteiras, e continuada pelos governos civis.

Provavelmente nenhuma das duas situações mudará com a greve, entre outras coisas, porque pouca gente parece particularmente atenta a elas. As principais demandas da categoria – a diminuição do preço do diesel e o não pagamento do pedágio sobre eixos suspensos –, ainda que legítimas e necessárias, são bastante pontuais e não incidem, diretamente, sobre as condições precárias de trabalho e tampouco tocam no quase exclusivismo do transporte rodoviário.

Mal estar e oportunismo – Igualmente, o apoio popular ao movimento repercute, em grande medida, o mal estar reinante no país desde há alguns anos. Sintoma disso é a avaliação ingênua e sem sustentação empírica de que estamos pagando o preço da corrupção, quando não faltam evidências técnicas de que a crise foi gerada, principalmente, pela política de preços praticada pelo atual governo.

A relação equivocada entre a greve, a corrupção na Petrobras e a Lava Jato foi o combustível – com o perdão do trocadilho – que alimentou, de um lado, as manifestações legítimas de apoio aos caminhoneiros. Mas, de outro, serviu ao oportunismo de uma direita reacionária que encontrou, em meio a um movimento caracterizado pela ausência de lideranças centralizadas e institucionais, a brecha para levar às ruas, uma vez mais, os apelos golpistas por uma “intervenção militar”, eufemismo que, por ignorância ou má fé, tem servido aqueles que imaginam, como visão de futuro, uma bota pisando um rosto humano para sempre.

A esquerda tem sua cota de responsabilidade nesse quadro lamentável. Enquanto o país flertava com o caos, o PT preferiu lançar oficialmente a candidatura de Lula à presidência. Nas redes sociais abundaram demonstrações explícitas de ressentimento, com militantes comemorando o revés dos caminhoneiros por conta de sua participação, em 2016, no movimento pelo impeachment de Dilma Rousseff, além de especialistas a afirmar que estávamos ante um lockout patronal, desconsiderando a enorme diversidade do movimento, ao mesmo tempo em que o acusava de ilegítimo.

É verdade que uma parte da esquerda optou, acertadamente, por apoiar a greve, mas o fez um pouco tarde. Quando lideranças como Guilherme Boulos ou militantes do MST, vieram a público manifestar seu apoio aos caminhoneiros, a imagem do movimento estava fortemente ligada à direita reacionária. A esquerda perdeu, mais uma vez, a batalha narrativa. E perdeu, entre outras razões, porque boa parte dela tem sido incapaz de perceber que a “politização” não é mais aquilo que ela acredita ser – isso se algum dia o foi.

Ao preferir não disputar politicamente uma categoria por considerá-la “despolitizada”, a esquerda, enfim, permitiu que o protagonismo do movimento fosse tomado de assalto por grupos antidemocráticos. Obviamente, ninguém esperava uma “revolução caminhoneira”. Mas tampouco precisávamos que, das fileiras de caminhões à beira da estrada, ressurgisse com tamanha força a sanha autoritária dos golpistas.