terça-feira, 8 de maio de 2018

Não leia os comentários

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Antes de ir ao ponto, eis alguns dados importantes a reter.
1. De acordo com a Unesco, o Brasil é o oitavo país com mais adultos analfabetos do mundo (são cerca de 14 milhões).
2. Numa pesquisa realizada em 38 países, os brasileiros ficaram em segundo lugar entre os lugares onde as pessoas têm menos noção da própria realidade.
3. Apenas 8% das pessoas com idade para trabalhar são capazes de entender e se expressar por palavras e números.
4. O estudo “Analfabetismo no Mundo do Trabalho” diz que um a cada quatro brasileiros pode ser considerado analfabeto funcional.
5. O Brasil está na 72ª colocação em um ranking que avalia a inclusão digital de 150 países.

Os dados apontam uma evidência. O Brasil é um lugar onde as pessoas têm dificuldades para interpretar o mundo. É uma deficiência expressa nas redes sociais e nos comentários nos textos de jornais e blogues. Há o lado bom: as plataformas digitais são ferramentas de intervenção que vieram dar voz aos que nunca puderam falar. E o lado mau: a liberdade virou excesso e fez emergir o lado mais negro da mente humana. Ao ponto termos um conselho recorrente: “não leia os comentários”.

Na década de 70 do século passado, o escritor  Alvin Tofller criou a expressão information overload (sobrecarga de informação), considerada uma das grandes doenças do século 21. O que significa? Que os avanços da tecnologia estão a intensificar o tráfego de informações ao ponto de tornar impossível processar e reter todos os dados. O cérebro humano não está rotinado para acelerar os seus processos na mesma velocidade dos avanços tecnológicos.

Agora imaginem o que essa sobrecarga de informação pode produzir numa sociedade que, durante décadas de ditadura militar, foi obrigada ao silêncio. Gente que não aprendeu a debater. Que nunca teve que enfrentar o contraditório. Que não foi educada para a democracia. Diz o ditado que “quem nunca comeu melado, quando come se lambuza". O surgimento dessa esfera digital é um avanço civilizacional. Mas para parte dos brasileiros a coisa descambou.

O copo meio cheio diz que informação nunca é demais. Mas o copo meio vazio revela efeitos colaterais. Se há pessoas intelectualmente preparadas para fazer a gestão da informação (e dos excessos), também há quem patine. Soterradas por tantos dados, muitas pessoas são incapazes de organizar a informação. Nesses casos, há quem recorra à saída mais fácil: o uso de bengalas discursivas. Falam muito, dizem nada.

O que são essas bengalas? Ora, são as frases prontas (clichês, slogans, chavões) que têm a função de dar um ar de simplicidade ao que é complexo. Ou seja, são ideias simplórias que criam uma sensação de entendimento dos fatos. Mas é exatamente o contrário. É um risco acrescido em sociedades onde muita gente se informa apenas pelas redes sociais, que, todos sabemos, são o meio propício para plantar a desinformação.

O problema é que esses clichês estão contaminados pelo ódio e pela intolerância. Eis o perigo. Talvez o plano de expressão da alma do povo seja a caixa de comentários dos jornais, dos blogues, das redes sociais. A iliteracia e as ideias simplórias, misturadas com doses maciças de intolerância, transformaram estes ambientes em autênticos pantanais – que vão para além do virtual. A ignorância é a mãe de todos dos ódios. E tudo o que se vê é feio, muito feio.

É a dança da chuva.

P.S. Não leia os comentários...

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Os "udoboys" e a Cota 40. De novo...

POR JORDI CASTAN
Acabar com a cota 40 tem se convertido na obsessiva tarefa diária do Executivo municipal. Para atender interesses especulativos e “promover o progresso”, o prefeito municipal encarregou a missão de destruir o mais importante pulmão de Joinville. E para isso um grupo de técnicos tem se dedicado diuturnamente a achar formas de acabar com a Cota 40.

Desconsideram que, para acabar com a Cota 40, é preciso desrespeitar a LOM (Lei Orgânica Municipal), a nossa constituição municipal. Uma lei que considera, de forma explícita, as regras e os pilares do convívio entre os joinvilenses. Ou seja, considera sabiamente que os morros, morrotes e todas as áreas localizadas acima de Cota 40 devem ser preservadas. O prefeito deve ter esquecido que, quando tomou posse, prometeu cumprir a lei que agora insiste teimosamente em ignorar e desvirtuar.

A “genial” proposta que o Executivo encaminhou ao Legislativo é a de permitir a mineração das Áreas acima da cota 40. Assim, todos os morros com cota superior poderão ser explorados para mineração e sua cota rebaixada com a retirada do material mineral, seja ele barro, saibro ou rocha. Ora, depois de não haver mais a cota 40, o imóvel poderá ser ocupado normalmente.

Já escrevi neste espaço que temas complexos não são o forte do prefeito. Há nele uma predisposição a simplificar as coisas de modo que possa compreendê-las. Gente simples não compreende ideias ou propostas complexas. O prefeito acha assim que consegue resolver com soluções simplórias temas que exigem analise, estudos técnicos e conhecimento que ele e sua equipe ou abominam ou não tem competência para compreender.

Por isso, o prefeito trata Joinville como um gigantesco tabuleiro de banco imobiliário em que ruas e bairros mudam de valor de acordo com o seu interesse ou o dos seus amigos e apaniguados. Para o grupo denominado de “udoboys” Joinville é um jogo de Sin City à escala gigante. E a cota 40 é na sua cabeça um empecilho para o “progresso” desta pujante cidade.

sábado, 5 de maio de 2018

A classe dominante e consciência dominante


POR KARL MARX
As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes. Ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual.

As ideias dominantes não são mais do que a expressão ideal [ideell] das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, das relações que precisamente tornam dominante uma classe, portanto as ideias do seu domínio. Os indivíduos que constituem a classe dominante também têm, entre outras coisas, consciência, e daí que pensem; na medida, portanto, em que dominam como classe e determinam todo o conteúdo de uma época histórica, é evidente que o fazem em toda a sua extensão, e portanto, entre outras coisas, dominam também como pensadores, como produtores de ideias, regulam a produção e a distribuição de ideias do seu tempo; que, portanto, as suas ideias são as ideias dominantes da época.

Numa altura, por exemplo, e num país em que o poder real, a aristocracia e a burguesia, lutam entre si pelo domínio - em que portanto o domínio está dividido - revela-se ideia dominante a doutrina da divisão dos poderes, que é agora declarada uma "lei eterna".

A divisão do trabalho, uma das principais forças da história até aos nossos dias, manifesta-se agora também na classe dominante como divisão do trabalho espiritual e material, pelo que no seio desta classe uma parte surge como os pensadores desta classe (os ideólogos conceptivos ativos da mesma, os quais fazem da formação da ilusão desta classe sobre si própria a sua principal fonte de sustento). Ao passo que os outros têm uma atitude mais passiva e receptiva em relação a estas ideias e ilusões, pois que na realidade são eles os membros ativos desta classe e têm menos tempo para criar ilusões e ideias sobre si próprios.

No seio desta classe pode esta cisão da mesma chegar a uma certa oposição e hostilidade entre ambas as partes. Mas que por si própria desaparece em todas as colisões práticas em que a própria classe fica em perigo, desaparecendo então também a aparência de que as ideias dominantes não seriam as ideias da classe dominante e teriam um poder distinto do poder desta classe. A existência de ideias revolucionárias numa época determinada pressupõe já a existência de uma classe revolucionária, e já atrás ficou dito o que era necessário sobre estas premissas.

Ora, se na concepção do curso da história desligarmos as ideias da classe dominante da própria classe dominante, se lhes atribuirmos uma existência autónoma, se nos ficarmos por que numa época dominaram estas e aquelas ideias, sem nos preocuparmos com as condições da produção e com os produtores destas ideias, se, portanto, deixarmos de fora os indivíduos e as condições do mundo que estão na base das ideias, então poderemos dizer, por exemplo, que durante o tempo em que dominou a aristocracia dominaram os conceitos honra, lealdade, etc., durante o domínio da burguesia dominaram os conceitos liberdade, igualdade, etc.

Em média, é isto que a própria classe dominante imagina. Esta concepção da história, que a todos os historiadores é comum, em especial a partir do século XVIII, há-de necessariamente dar com o fenômeno de que dominam ideias cada vez mais abstratas. Isto é, ideias que assumem cada vez mais a forma da universalidade. É que cada nova classe que se coloca no lugar de outra que dominou antes dela, é obrigada, apenas para realizar o seu propósito, a apresentar o seu interesse como o interesse comunitário de todos os membros da sociedade, ou seja, na expressão ideal [ideell]: a dar às suas ideias a forma da universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais e universalmente válidas.

A classe revolucionante entra em cena desde o princípio, já que tem pela frente uma classe, não como classe, mas como representante de toda a sociedade, ela aparece como a massa inteira da sociedade face à única classe, a dominante. E consegue-o porque, a princípio, o seu interesse anda realmente ainda mais ligado ao interesse comunitário de todas a demais classes não dominantes, porque sob a pressão das condições até aí vigentes ele não pôde ainda desenvolver-se como interesse particular de uma classe particular.

A sua vitória aproveita também, por isso, a muitos indivíduos das demais classes que não se tornam dominantes, mas apenas na medida em que permite a estes indivíduos subirem à classe dominante. Quando burguesia francesa derrubou o domínio da aristocracia, tornou desse modo possível a muitos proletários subirem acima do proletariado, mas apenas na medida em que se tornaram burgueses.

Cada nova classe, por isso, instaura o seu domínio apenas sobre uma base mais ampla do que a da até aí dominante, pelo que, em contrapartida, mais tarde também o antagonismo da classe não dominante contra a agora dominante se desenvolve muito mais aguda e profundamente. Por ambas as razões, é determinado o fato de que a luta a travar contra a nova classe dominante por seu turno visará uma negação mais radical, mais decidida, das condições sociais até aí vigentes do que fora possível a todas as classes que anteriormente procuraram dominar.

Toda esta aparência de que o domínio de uma determinada classe seria apenas o domínio de certas ideias cessa, naturalmente, por si mesma logo que o domínio de classes em geral deixa de ser a forma da ordem social, logo que, portanto, deixa de ser necessário apresentar um interesse particular como geral ou "o geral" como dominante.

Hoje é aniversário de Karl Marx: o velho barbudo faz 200 anos

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Se fosse “imorrível” (imortal ele é), hoje Karl Marx faria 200 anos. E para comemorar há muita festança por todo o mundo, desde a sua Trier natal até a Londres vitoriana onde viveu, passando pelo Brasil. O fato é que o velho barbudo, tão anatemizado pelos que nunca o leram (ou os que não entenderam), é um dos maiores pensadores da história. E não sou eu a dizer. É um quase consenso nos meios acadêmicos. E não só.

É só lembrar que faz alguns anos a respeitável BBC Radio 4, lá das terras de Sua Majestade, realizou uma votação para escolher o maior pensador de todos os tempos. Quem ganhou? Karl Marx, claro. E com uma goleada sobre o segundo colocado, o filósofo e historiador escocês David Hume (27,93% contra 12,67%). Mais atrás ficaram Wittgenstein, Nietzsche, Platão, Kant, São Tomás de Aquino, Sócrates, Aristóteles e sir Karl Popper (vá de retro).

A coisa até podia passar despercebida se não fosse a Inglaterra o país do liberalismo e da tal terceira via (que parece ter desaparecido). E não deixa de ser estranha a escolha de um pensador cujo nome ainda provoca ranger de dentes. O nome Karl Marx é amaldiçoado pelos conservadores, em especial os que nunca folhearam um dos seus textos.

E tem um processo muito típico do Brasil. Hoje em dia, para desqualificar um interlocutor, os conservadores acreditam que basta acusá-lo de ser “marxista” (é o mesmo que “esquerdista”). Em termos de hegemonia neoliberal, há um esforço violento para associar o pensamento marxiano ao atraso, anacronia e fracasso.

Depois da queda do Muro de Berlim, o neoliberalismo impôs-se como modelo sem alternativa. Modelo único, pensamento único. Todas as teses que estejam em discordância com o liberalismo econômico acabaram banidas do sistema de circulação de ideias. Qualquer pensamento dissonante é considerado datado, inoportuno. É tese sem antítese. Não há evolução.

Mas o método de análise do velho filósofo ainda tem muita força. É preciso ler a sua obra, que não se resume a “O Capital” ou à economia. A filosofia é uma das suas grandes contribuições para entender a sociedade. O problema é que os sicofantas do establishment não gostam de livros, preferem o conforto das verdades prontas.

O antimarxismo é mais do que natural. E ao longo dos tempos a crítica a Marx tem sido feita por intelectuais respeitados. Mas é uma abordagem que não podemos confundir com a vulgata rasteira das redes sociais, edificada sobre frases feitas e clichês idiotas. Antimarxismo de Facebook é a morte do pensamento.

As auto-citações são para evitar, mas não resisto a resgatar um excerto de um texto meu publicado no Anexo, do jornal A Notícia, num distante 18 de abril de 1993. E lá vão quase 25 anos. Dizia eu, naquela altura:

- Nos tempos de euforia liberal, Marx se transformou em sinônimo de atraso e a simples citação do seu nome podia colocar o indivíduo do lado menos recomendável do muro. Tornou-se impossível falar acerca do pensamento do velho filósofo sem que se esbarrasse em argumentos apriorísticos cuja irracionalidade impedia qualquer discussão.

O texto continua:
- Prevaleceu a histeria burra que dividia o mundo em mocinhos e bandidos (estes os que nutrissem simpatia pelo pensador alemão). Fruto de irrefreável compulsão ao reducionismo, aqui no patropi estigmatiza-se o que se julga entender por marxismo e, frase feita, joga-se tudo na lata de lixo da história. Só que qualquer pessoa com um mínimo contato com esse campo teórico sabe que Marx não se presta às simplificações pretendidas pelo senso comum.

É a dança da chuva.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Quando aquela tia ou tio sai do WhatsApp e vem fazer política na vida real

POR ET BARTHES
Sabe aquela tia ou aquele tio que nunca quiseram saber de política, mas hoje não param de infernizar a vida com mensagens no ZapZap? Viraram experts no assunto sem sequer lerem um jornal. Mas enquanto a coisa fica nos grupos de família, é tudo muito tranquilo. Mas acontece que às vezes essas pessoas embarcam numa de "militância" no mundo real e muitas vezes os resultados são no mínimo estranhos. 

E hoje apresentamos alguns exemplos de pessoas que foram intervir no mundo real, mas com ideias saídas do ZapZap. Não dá certo. Porque a realidade é bem diferente das redes sociais e coisas ridículas acontecem. Como nesta antologia (e a palavra antologia foi escolhida de propósito) que mostra essas pessoas numa espécie de transe político. E, claro, pagando aquele micão. Veja o filme.



As 20 melhores fotografias feitas com celular em 2018

POR LEO VORTIS
As câmeras de celular evoluíram muito nos últimos tempos. Hoje é possível ter fotos de elevada qualidade técnica e até mesmo os profissionais da fotografia já estão usando este recurso em alguns trabalhos. O resultado é que todos nós, donos de um smartphone, acabamos virar “fotógrafos”.

Mas se a qualidade dos equipamentos digitais é cada vez melhor, é o talento de cada um a fazer a diferença. Ou seja, é preciso criatividade, talento e, claro, saber o momento exato de fazer o clique. Os resultados a gente tem visto principalmente nas redes sociais.

A Organização Mundial da Fotografia organizou, há pouco tempo, Prémio Sony - World Photography Mobile Phone Awards. E hoje apresentamos as três fotografias vencedoras, bem como as que entraram para a shortlist (em vídeo). Dê uma olhada e veja se concorda com as escolhas. A minha favorita, aviso já, é On The Edge, de Atle Ronningen.










quarta-feira, 2 de maio de 2018

Espoliação urbana e déficit habitacional: crônica de tragédias anunciadas


POR CLÓVIS GRUNER
Em maio de 1978, o “Extra”, jornal joinvilense que circulou entre 1977 e 1988, publicava um contundente editorial sobre o problema da moradia e o processo de favelização em Joinville: apenas naquela década, o déficit habitacional passara de cinco para 15 mil residências e o futuro, segundo o jornal, era o “colapso”. O colapso não veio, ao menos não como o matutino temia, mas o problema persiste desde então.

Hoje, o déficit quantitativo (número de famílias que não dispõem de moradias em termos absolutos) é de aproximadamente 12 mil residências. Em termos de déficit qualitativo (grosso modo, a falta de condições básicas de moradia), são cerca de 27 mil residências. E isso em uma cidade com estimados 12 mil domicílios vazios, e algo em torno de 30 mil terrenos baldios ou subaproveitados – ou seja, sua área construída é menor que 10% do coeficiente de aproveitamento do lote. Uma coisa e outra são, em grande medida, resultado de um crescente monopólio imobiliário, construído por meio de investimentos industriais e da especulação, eventos que por vezes se confundem.

Começo com esses dados bastante genéricos sobre a situação local para lembrar que a tragédia ocorrida na madrugada de terça (01), em São Paulo, onde um edifício ocupado por cerca de 150 famílias desabou, não é um problema exclusivo da metrópole. São Paulo é uma cidade superlativa, e por isso suas mazelas sintetizam e reverberam uma situação gravíssima que não é nova nem está limitada a um único local. Em todo o país, estima-se em sete milhões o número de famílias que se enquadram no déficit habitacional quantitativo; o qualitativo é de 15,5 milhões - respectivamente, 22 milhões, algo em torno de 10% da população brasileira, e cerca de 48 milhões de pessoas.

Nas cidades de porte médio e grande, a situação se agravou principalmente em função do processo migratório que, a partir dos anos de 1950-60, deslocou milhares de indivíduos do campo para as regiões urbanas. A crescente especulação imobiliária, aliada à irresponsabilidade e negligência dos poderes públicos, empurraram famílias e grupos em situação vulnerável a morar em regiões cada vez mais periféricas e a ocupar imóveis ociosos, tornando-se às vezes reféns de movimentos cujos interesses, apesar da denominação, nem sempre são sociais – segundo relatos de moradores, o Luta por Moradia Digna (LMD), que gerenciava a ocupação no largo do Paissandu, cobrava dos residentes um valor acima do necessário para a manutenção do local. É provável que não seja o único.

Direito à cidade e à moradia – Nos anos de 1980, o sociólogo Lucio Kowarick cunhou o conceito de “espoliação urbana” para traduzir as desigualdades e os conflitos sociais que tinham como palco as cidades, decorrência da distribuição desigual dos resultados do desenvolvimento econômico industrial. A exclusão de grupos inteiros de condições dignas de habitação é, a um só tempo, continuidade e extrapolação das formas de extorsão características do mundo do trabalho, sobrepujando para a moradia a precariedade observada, por exemplo, nas fábricas. Mas a espoliação denunciada por Kowarick não diz respeito exclusivamente à falta absoluta de um teto.

Suas formas de manifestação são muitas e diversas: as longas horas despendidas em transportes coletivos de péssima qualidade; a inexistência de investimentos públicos – saneamento básico, pavimentação, praças e parques, ausência de equipamentos culturais, de lazer e esportivos, etc... –; a fragilidade das moradias e das condições de vida nas periferias; a exposição constante à situações de risco e de violência urbana, criminosa e policial, são algumas delas. Velhas conhecidas dos moradores citadinos, elas se constituíram em característica intrínseca de centros como Curitiba, cidade onde moro, equivocadamente tomada como modelo urbanístico por quem dela só conhece a propaganda oficial.

Nem a Constituição de 1988, que transformou a moradia em um direito, nem o Estatuto da Cidade, que sugere medidas efetivas para garantir ou ao menos ampliar significativamente esse direito, têm sido suficientes para evitar tragédias como a de São Paulo – e que custou, ao menos oficialmente, uma vida, a de Ricardo, conhecido pelos moradores do edifício como “Tatuagem” – e outras tantas pequenas tragédias cotidianas, cujas dores nem sempre saem no jornal.

Em uma declaração lamentável, mas que traduz a mentalidade de parte de seus eleitores (e não apenas os seus), o ex-prefeito e candidato a governador João Dória afirmou que o prédio havia sido ocupado por uma “facção criminosa”, tratando como criminosos, indistintamente, todos os moradores do edifício, e que a solução para o problema é “evitar as invasões”. Sobre a ausência de politicas habitacionais e os interesses escusos, públicos e privados, que sustentam e reproduzem a espoliação urbana, razão primeira de nossos problemas, nada além do silêncio. Um silêncio, aliás, nada surpreendente, além de significativo.

terça-feira, 1 de maio de 2018

Feliz dia dos colaboradores...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Trago más notícias: o trabalhador morreu. De quê? De assassinato semântico. Quem tenha estado atento às mudanças na linguagem das últimas décadas vai se lembrar da causa do óbito. Foi quando os empresários decidiram extirpar a palavra trabalhador do dicionário das empresas, substituindo-a pela expressão colaborador, uma denominação contaminada pela ideologia burguesa.

As palavras têm história. E não é preciso um grande exercício para entender a lógica. Trabalhador é uma expressão que vem do discurso de classes. É um sujeito incômodo, que luta pelos seus direitos, que se organiza, exige salário, faz greve. É claro que o patronato prefere lidar com o colaborador. Afinal, ele colabora.

Numa economia de mercado, nada mais natural que haver também uma economia do mercado linguístico. E há quem torture as palavras. Quem detém o poder económico, comunicacional e político pode impor o seu logos. É um fenômeno conhecido pelos estudiosos como “logocracia”. O poder da palavra. O poder pela palavra.

É célebre o diálogo entre Alice e Humpty Dumpty, em que o escritor Lewis Carrol sintetiza a questão da relação entre linguagem e poder.
- Quando eu emprego uma palavra, ela quer dizer exatamente o que me apetecer... nem mais nem menos – retorquiu Humpty Dumpty
- A questão é se você pode fazer com que as palavras queiram dizer tantas coisas diferentes.
- A questão é quem é que tem o poder... é tudo – replicou Humpty Dumpty.

A conclusão é óbvia. Os donos do poder têm a capacidade de fundar o vocabulário do mundo. Se linguagem e pensamento são indissociáveis, então a manipulação da linguagem será a manipulação do pensamento. O colaborador é filhote dessa falsificação. Tanto que a expressão foi assimilada por muitos trabalhadores, que se autodefinem como colaboradores.

A vida dos donos do poder fica mais fácil. Baixar o cacete para submeter os trabalhadores não é o único caminho. Há a linguagem. A estratégia passa por torná-los colaboradores, fazer com que se sintam integrantes de algo maior, domesticar o seu comportamento e conseguir a adesão. Um truque linguístico é coisa simples, mas de longo alcance.

E que tal extrapolar a questão para o plano político? Um partido de trabalhadores que preserve a consciência de classe será sempre uma pedra no sapato dos donos dos meios de produção. Não por acaso que a burguesia brasileira encetou o seu plano: destruir o Partido dos Trabalhadores e impedir que o país volte a ter um governo popular.

Pierre Bourdieu denuncia uma “vulgata planetária - da qual se encontram notavelmente ausentes capitalismo, classe, exploração, dominação, desigualdade e tantos vocábulos decisivamente revogados sob o pretexto de obsolescência ou de uma presumível falta de pertinência - produto de um imperialismo apropriadamente simbólico: os seus efeitos são tão poderosos e perniciosos porque ele é veiculado não apenas pelos partidários da revolução neoliberal”.

Ou como diz o próprio Karl Marx, os integrantes das classes hegemônicas “dominam também como pensadores, como produtores de ideias, regulam a produção e a distribuição de ideias do seu tempo; que, portanto, as suas ideias são as ideias dominantes da época”. Enfim, Bourdieu e Marx apontam para o mesmo destino: é mais fácil de controlar um colaborador, porque alienado ele perde a noção da sua condição de trabalhador.

É a dança da chuva.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Os honestões e o segredo de construir uma imagem na TV

POR JORDI CASTAN
Eles apareceram. Chegou o tempo dos honestões. Não confundir com os honestos, porque esses deveriam se fazer presentes o ano todo, a cada minuto. Mas são tão escassos que há quem ache que foram extintos pela cobiça, a corrupção e o próprio sistema, que não tolera que convivam, no mesmo espaço e tempo, duas espécies tão opostas.

Os honestões são esses animais políticos que pipocam a cada dois anos em eventos, festas, encontros e principalmente nas televisões dos eleitores, amparados pelo modelo eleitoral que estabelece o horário eleitoral gratuito. Ainda que poucos saibam nada ter de gratuito.

Do dia para a noite. aparecem com soluções miraculosas para todos os problemas da sociedade. Se transformam em experts em saúde, segurança ou mobilidade. Dão aula de educação, de planejamento e, por aqui, até temos os que se apresentam como gestores de sucesso.

Na realidade, são encantadores de burros, vendedores de ar quente, promotores do engano e da trapaça. Têm nos iludidos seu público cativo, no eleitor desinformado e facilmente manipulável seus mais ferventes seguidores. Para facilitar sua identificação o blog coloca à disposição dos seus leitores este vídeo que mostra como identificar a alguns destes honestões.



sexta-feira, 27 de abril de 2018

Para que servem as redes sociais? Para xingar, mentir, ofender...

POR LEO VORTIS
A internet revolucionou a esfera pública. Pessoas que antes não tinham um meio de expressão, hoje podem ir para as redes sociais ofender, caluniar, xingar, difamar, odiar. Ok... não era essa a ideia original, mas é o que temos. Aliás, as redes sociais também servem para inventar ou reproduzir notícias falsas. É uma casa de loucos, um autêntico vale-tudo.

“Eu estou certo”...
Nas redes sociais, todos acreditam estar certos e ser portadores da verdade derradeira. Autênticos gênios. Até mesmo aqueles que se “informam” de forma preguiçosa e sem critério. Pergunto: você consegue passar um único dia nas redes sociais sem experimentar algum sentimento de vergonha alheia? Não, certo?

“Não tenho dúvida”.
As redes sociais são um lugar onde a dúvida não existe. As pessoas vivem com inabaláveis certezas, mesmo que sejam as coisas mais estapafúrdias. E ai de quem tentar questionar. Enfim, como anunciava Bertrand Russel, “aquilo que as pessoas de fato querem não é o conhecimento, mas a certeza”. Exato, sir.

“Você é burro”.
Já notaram como as pessoas mais tapadas são as primeiras a chamar as outras de “burros” ou ignorantes”. É só dar uma olhada nas caixas de comentários da imprensa ou blogs. O “argumentum ad hominem” (atacar a pessoa e não as ideias) é a lógica mais comum. Discutir com esse tipo de gente é jogar palavras ao vento. Afinal, dois monólogos não fazem um diálogo.

“É mentira, mas eu acredito”.
As “fake news”, as mentiras nas quais a pessoa quer acreditar, devem ser o que  há de pior nas redes sociais. Já notaram o tantão de mentiras que todos os dias circulam por aí? O problema é que as pessoas querem acreditar, porque aquilo justifica algum dos seus preconceitos. Mas tem uma boa notícia. True news. Jimmy Wales, um dos criadores da Wikipedia, está trabalhando numa plataforma que vai publicar notícias neutras e baseadas em fatos reais. “Fake news” não entram.

Aliás, deixo aqui alguns conselhos práticos para evitar as fake news. Não interessa para muitos, mas lá vai:
1 – Ver se o URL (o endereço da página) é de uma fonte credível.
2 – Verificar a data, porque há muitas notícias velhas que são requentadas.
3 – Pesquisar se alguma fonte jornalística credível (jornal, televisão, rádio) também está falando no tema.
4 – Pesquisar no Google – usando as palavras-chave certas – para ver se o tema é debatido em outros meios. Usar o mesmo procedimento para saber também os nomes das pessoas.
5 – Estar atento à qualidade gráfica dos posts. Na maioria das vezes, as imagens são mal feitas e o visual é ruim (tudo depende da educação visual do leitor).
6 – Tentar perceber se as imagens não são manipuladas ou falsificadas.
7 – Ver se há mais alguém a falar no mesmo assunto.

E agora, você, que achou isto tudo uma grande inutilidade, já pode ir até a caixa de comentários dizer o quanto eu sou fraquinho.