sexta-feira, 13 de abril de 2018

MBL, MIT, USP. É mentira, mas eu quero acreditar...

POR LEO VORTIS
Há algum tempo circula, nas redes sociais, um post afirmando que o MBL – Movimento Brasil Livre é o maior produtor de fake news do Brasil. A afirmação teria como base o estudo de uma Associação dos Especialistas em Políticas Públicas de São Paulo (AEPPSP), realizado a partir de critérios de um grupo de estudo da USP - Universidade de São Paulo (USP). Como o movimento não tem muita intimidade com a verdade, ficou fácil acreditar.

A fama de mentir assenta bem no MBL. Eis um exemplo recente. Há poucos dias, Arthur do Val, militante do movimento e conhecido como “Mamãe, Falei”, acusou o pré-candidato à presidência Ciro Gomes de agressão. Mas quem se deu ao trabalho de olhar para as imagens percebeu a falcatrua. Tudo fake. O rapaz, que parece ter os neurônios operando com capacidade ociosa, tentou criar um fato onde não havia fato.

Não há limites para a tal “pós-verdade” (mentira). Um dia destes o MBL publicou uma nota a acusar a velha imprensa de perseguição. E aponta o dedo a “uma perseguição implacável por parte de veículos viciados da grande imprensa como o ‘Globo’, ‘Veja’ e ‘Exame’. O objetivo desses grupos é o mesmo: silenciar o movimento que traz a contraversão da narrativa mentirosa que suas redações de esquerda tentam enfiar goela abaixo no país”.

Todos sabemos que integrantes do movimento não lidam bem com a verdade. Mas daí a acusarem essas três publicações de serem de esquerda é esticar demais a corda. Porque até a mentira tem limite. Não... pensando melhor, não tem. Porque há quem acredite. É como aquelas pessoas que defendem, de forma convicta, que o PSDB é de esquerda. Enfim, é mentira, mas elas querem acreditar e isso é o que importa nestes tempos confusos.

Faz algumas semanas, a imprensa divulgou os resultados de um estudo do respeitado MIT - Massachusetts Institute of Technology, que revelou uma realidade sombria: a verdade não tem como competir com as notícias falsas e os boatos. As falsidades tendem a se espalhar mais rápido, mais fundo e de forma mais intensa nas redes sociais do que a verdade. Foi o maior estudo já realizado nessa área, com a análise de cerca de 126 mil histórias, que envolveram três milhões de pessoas, durante 10 anos (a base foi o Twitter).

A pesquisa evidenciou o fato de que um certo prazer pela mentira tem muito a ver com a natureza humana. E deita por terra a teoria de que são os “robôs” os responsáveis por as versões falsificadas. “Parece ser bastante claro que informações falsas superam as informações verdadeiras. E isso não é só por causa dos bots. Pode ter algo a ver com a natureza humana”, analisou Soroush Vosoughi, o cientista do MIT que liderou o estudo desde 2013.

É mais ou menos a lei da oferta e da procura em ação. As fake news são um produto destes tempos, mas só existem porque há quem as consuma. É que para muita gente, em especial os conservadores, vale o slogan: “as fakes news são a minha verdade”. Ou seja, é mentira mas eu quero acreditar. A overload information (sobrecarga de informação) é a doença dos nossos tempos. As pessoas recebem muita informação, mas não sabem o que fazer com ela.

Ah... e sobre o MBL. Parece que o tal estudo da USP não existe. Mas quem se importa. Afinal, como diz o ditado, o MBL fez a fama e deitou na cama.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Lula preso: epílogo ou um novo capítulo?


POR CLÓVIS GRUNER
O assunto é incontornável: a prisão de Lula, decretada pelo juiz Sérgio Moro na quinta (05) e efetivada no sábado (07), quando o ex-presidente se entregou à Polícia Federal, mobilizou o país. Apesar das muitas paixões despertadas, de um lado e de outro, não se trata ainda de um desfecho, mas de mais um capítulo de uma narrativa cujo fim, me parece, não está próximo nem, tampouco, é previsível.

Das inúmeras imagens produzidas a partir do evento, duas são emblemáticas. Uma delas, a de Lula sendo conduzido por uma multidão na sua saída da sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Outra, a do empresário e cafetão Oscar Maroni, simulando o estupro em uma “performance” com uma prostituta, em frente ao Bahamas Hotel Club, um bordel de luxo na capital paulista, sob o olhar grave de dois juízes, Carmem Lúcia e o próprio Moro, cujos retratos adornavam a comemoração.

Como quase tudo que envolve o nome de Lula, elas são carregadas de um forte caráter simbólico, seja ele o reconhecimento pelos feitos dos governos Lula (em seu ex-blog, “Desafinado”, o historiador Murilo Cleto publicou, em 2014, um dos mais completos balanços das duas primeiras gestões petistas), ou os desejos perversos de subjugação violenta alimentados pela elite brasileira e parte da classe média – além, óbvio, dos milicianos do MBL –, que pensa e age como se fosse parte dela.

Mas é também interessante que, por caminhos opostos, ambas reforçam o caráter algo mítico de Lula em relação ao seu partido, em grande medida reafirmado a partir dos acontecimentos que culminaram com sua prisão. Principalmente depois que a Lava Jato e o juiz Moro decidiram sacrificar, abertamente, mesmo a mais pálida imagem de isenção, surfando na onda do antipetismo e ampliando seu apoio e base social, uma das linhas de defesa do PT e de Lula tem sido reforçar o caráter parcial e seletivo da operação.

O argumento é que a operação mira, mais que o próprio partido, sua principal liderança, o “sonho de consumo” de Moro. Há alguma razão nisso. Desde março de 2016, quando vazou a conversa telefônica entre Lula e Dilma, interferindo diretamente nos rumos da vida política do país, o juiz curitibano deixou de agir apenas como magistrado, confundindo o papel de julgador que se pretende imparcial com o de inquisidor – e sua sentença é uma clara demonstração disso.

Além disso, desde o impeachment, em agosto do mesmo ano, todos os indícios evidenciam que está a se cumprir a profecia de Jucá, a do aparelhamento da Lava Jato em um “grande acordo com o STF com tudo” para “estancar a sangria” e salvar quem realmente importa da cadeia. Nada estranhamente, práticas que foram condenadas e provocaram escândalo em governos petistas, mereceram o silêncio e a indiferença, inclusive da PF e da justiça, quando praticadas por Temer, ele próprio blindado de duas denúncias em troca de alguns bilhões distribuídos aos deputados da base aliada.

Sem crítica, nem projeto – Mas se o quadro geral justifica o discurso de Lula e do PT, ele serviu também como pretexto para que ambos não fizessem, nem uma autocrítica, nem tampouco um igualmente necessário mea culpa, seja pelo desastre que foram a gestão e meia de Dilma Rousseff – incluindo o estelionato eleitoral de 2014 –, ou pelos deslizes cometidos durante os 12 anos de governos petistas, aí incluídas as denúncias de corrupção.

Na narrativa do golpe, que ganhou força e impulso à medida que o verdadeiro desastre ético e político do governo Temer ficou mais claro, os muitos erros das gestões petistas foram obliterados na figura cada vez mais mítica, e na devoção quase religiosa, criada em torno à imagem e ao nome de Lula. A sua prisão reiterou esse caráter personalista, e em ambos os espectros que orbitam passionalmente ao seu redor, com prejuízos políticos a ambos, ao menos no médio prazo, e ainda que com resultados distintos.

À direita, a prisão de Lula pode diminuir a força do discurso antipetista, que tem sido a tônica desde as manifestações de 2015. Com Dilma deposta e Lula preso, os partidos de direita conseguiram atingir sua meta mais imediata, a retomada das instituições e a redistribuição de poder no interior delas, blindando a quadrilha que tomou de assalto o governo depois do impeachment.

Mas o empenho em estancar a sangria, mobilizando recursos na criação e demonização de um inimigo único e fonte de todo o mal, dificultou o surgimento de um nome e projeto alternativos. Dito de outra forma, se o problema começava e terminava em Lula, e com ele fora do páreo, o que sobra para a direita? O carisma de Geraldo Alckmin? Ou os delírios autoritários de Bolsonaro, disposto a transformar o Brasil em uma versão reacionária da Venezuela ou em um Irã tropical?

A situação não é mais confortável para a esquerda. É verdade que a prisão de Lula unificou parte dela, levando para o mesmo palanque Guilherme Boulos e Manuela D'Ávila. Mas seria melhor se essa unidade fosse construída também em torno a um projeto ou um programa mínimo – a auto proclamada “Frente Antifascista” não existe de fato –, o que a esquerda tampouco tem, porque nos últimos dois anos salvar Lula se tornou o único projeto que realmente importa.

A imagem da multidão a conduzi-lo em São Bernardo e a reação apaixonada de militantes dentro e fora das redes virtuais, parecem deixar claro que, se as forças e grupos de esquerda viviam um impasse e um vazio programáticos, seu encarceramento não os resolveu mas, antes, os aprofundam e estendem sua solução talvez indefinidamente. E em um ano eleitoral isso pode ser um problema a mais a ser contornado. Mas isso é tema para outro artigo.

terça-feira, 10 de abril de 2018

Ocupação


Odiar Lula. E odiar, odiar, odiar...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
- “Leva e não e traz nunca mais”.
- “Manda este lixo janela abaixo aí”.
De férias, fui despertado por uma mensagem de alguém a perguntar se eu sabia da veracidade do áudio com essas frases. Elas teriam sido proferidas por pessoas envolvidas no voo que transportava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para Curitiba. Tudo indica que são verdadeiras, mas nem precisariam ser. Os desejos de morte do ex-presidente são mais do que reais. É só dar uma olhada nas redes sociais.

É apenas fruto da escalada de ódio (de classe, mas não só) que tomou conta do Brasil. A cultura do ódio fez perder todas as referências, ao ponto de tornar irrelevante o valor da vida humana. É a rejeição da civilização. É a invalidação do imperativo categórico de Kant, aquele que fala em só querer para os outros o que queremos para nós (a vida é um bem universal). Enfim, é a negação do contrato social.

O episódio, somado a tantos outros que têm acontecido ao longo dos últimos tempos, revela o estado de putrefação a que chegou um certo inconsciente social. O ódio fez perder as referências da vida em sociedade. A decência, a tolerância e o respeito pelo ser humano – e pela vida – tornaram-se moeda podre. A corrosão do caráter dos indivíduos é o caminho para o fracasso da democracia. E parece não haver volta.

Sigmund Freud escreveu que o ódio é um processo do ego que projeta a destruição do ser odiado. O alvo dessa projeção? É todo aquele que se mostra irredutível à minha própria imagem. Ou seja, se o outro é diferente e não se converte à minha imagem, é inevitável odiá-lo. E surge a negação desse outro e, em situações mais extremas, o desejo de destruição (a pulsão de morte). Lula é alvo de todo esse ódio.

Há quem rejeite a expressão “ódio de classe” (os odiadores são os primeiros), mas ela é uma evidência no Brasil. O discurso do ódio ocupa o dia a dia dos conservadores. E é sempre oportuno lembrar Bernard Shaw, quando ele diz que o ódio é a vingança do covarde. Quem tem olhado para a caixa de comentários deste blog sabe do que estou a falar.

É a dança da chuva.

Danilo Gentili, por exemplo, sugere a morte de Lula.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Hoje tem Reinaldo Azevedo...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
De férias, deixo o Reinaldo Azevedo ocupar o meu lugar no blog (e vejam que não sou nadinha fã do Rola Bosta). É uma fala com alguns dias, mas dado os acontecimentos dos últimos dias parece ter interesse histórico.


Lula esta preso. E agora?

POR JORDI CASTAN
Prefiro manter o foco nos assuntos paroquiais, no quotidiano da vida da vila. Esse quotidiano que nos últimos anos tem sido dominado pela inação da inépcia. Mas hoje o tema não poderia ser outro que a prisão de um condenado em segunda instância.

Depois do espetáculo vergonhoso e lamentável promovido per unas centenas de fanáticos que colocaram acima da lei, finalmente o ex-presidente Lula foi preso por crime comum. O primeiro ex-presidente brasileiro preso por crime comum. Seus seguidores insistirão em que se trata de um julgamento político, alguns até insistem em dizer que Lula é hoje um preso politico. Lula, e é bom não confundir, é um politico preso. É oportuno lembrar que esta condenação em segunda instancia é pelo primeiro processo que corre na justiça contra ele, há ainda outros e, se for condenado, como tem grandes possibilidades de acontecer sua pena será aumentada.

Lula e seus seguidores vivem num mundo fantasioso, um mundo em que acreditam que podem construir a sua realidade. Se consideram cidadãos acima do bem e do mal, membros de uma casta superior que tem direitos que não são os mesmos dos cidadãos comuns. Preocupa esta incapacidade de ver a realidade como ela é. No mundo fantástico em que acreditam que podem decidir quando, onde e como se entregar para cumprir a ordem de prisão. Acreditam ainda que podem, com truculência e bravatas, impor a "sua verdade" sobre o cumprimento da lei. É oportuno lembrar que neste episódio a imagem da justiça, da lei e da própria Policia Federal saíram arranhadas. Verdade que tanto o juiz Moro como a Policia Federal agiram com o bom senso que faltou aos organizadores do espetáculo circense em que tudo se converteu.

É bom para a imagem do Brasil ver finalmente um condenado preso. Muitos chegamos a duvidar que isso algum dia acontecesse. Ilude-se quem acredita que Lula possa ficar preso por muito tempo. Ele sabe demais e pelos seus antecedentes no passado, não seria nenhuma surpresa se, depois de uns dias em prisão, ele decidisse contar um pouco do muito que sabe. Lula não tem perfil de herói. Tal vez por isso haja tantos interessados em que ele não fique muito tempo preso.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Lula, Moro e o momento da guerra simbólica

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Sérgio Moro foi com muita sede ao pote. O timing para a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva é mau e só pode ter sido fruto de pouca reflexão. Ou pela obsessão de ver o ex-presidente atrás das grades. Lula da Silva já veio a público dizer que considera a prisão um “sonho de consumo” do juiz. Faz sentido. A ordem de prisão foi a mais rápida entre os réus soltos da Lava Jato. É vapt-vupt. 

A história não tem fim à vista. Lula pode ser preso num dia e solto no outro. O imbróglio jurídico ainda não acabou e não se sabe o que vai acontecer. Nem quando. O fato é que o julgamento tem sido político e, neste momento, retiradas a Lula as hipóteses de recorrer em liberdade, a questão passa a ser eminentemente política. A política é a praia do ex-presidente e isso recomenda um olhar atento para as decisões deste dia.

Há muito mais em jogo do que simplesmente trancafiar um ex-presidente. Hoje será o dia D de uma batalha simbólica capaz de marcar os acontecimentos dos próximos tempos. Mais do que a prisão, hoje estarão em jogo as palavras, as ações e, principalmente, as imagens. O país tem um encontro consigo mesmo. O futuro do vai ser influenciado pelos símbolos que este dia venha a produzir.

Não é por respeito que Sérgio Moro proíbe o uso de algemas. É uma estratégia. Retirar as algemas da narrativa deste dia é apenas uma artimanha campônia. O juiz sabe que a imagem de Lula algemado pode criar uma semântica muito poderosa, capaz de fugir ao controle do golpe. Diz o velho adágio que uma imagem vale por mil palavras, mas neste é muito mais do que isto.

Outra patranha do juiz é a de que Lula deve se entregar por moto próprio. É claro que isso facilitaria em muito a vida de Sérgio Moro. Ele sabe que o ex-presidente vai estar cercado de seguidores e que abrir caminho entre a multidão poderia ser o estopim para a exacerbação dos ânimos. O risco de que a situação se inflame é muito elevado nestes tempos de polarização política.

Resistir ou se entregar? Lula pode fazer o jogo do juiz e agir de forma republicana. Ou seja, fazer o que Sérgio Moro determinou. O problema é que ser republicano não tem funcionado. E isso implicaria perder a batalha simbólica. Se o julgamento tem sido político – com o objetivo último de afastar Lula da corrida presidencial –, o ex-presidente pode assumir uma ação política e partir para a resistência pacífica.

O que isso quer dizer? Ora, Lula pode simplesmente ficar onde está e esperar pela ordem de prisão. É preciso ter em atenção que, nos dias que correm, a percepção torna-se muito mais importante que a realidade. As batalhas políticas são, antes de tudo, batalhas simbólicas. A semântica que ficará para a posteridade será construída pelas imagens, ações e movimentos das próximas horas.

É previsível que surjam pelo menos duas narrativas, uma no plano interno, com a velha imprensa no papel de partido de oposição, e outra no plano externo, muito mais favorável a Lula. A estratégia do PT de focar os seus esforços na imprensa internacional tem funcionado. O mundo sabe o que se passa no Brasil. E sabe que o objetivo é evitar que o ex-presidente volte ao Planalto.

A narrativa está contra o golpe. Há uma sucessão de fatos que mostram o apodrecimento das instituições no Brasil, incluindo a velha imprensa antipetista. A morte de Marielle. Os tiros na caravana de Lula. A ameaça de quartelada. E agora a prisão de Lula pode ser o corolário de uma imagética que põe o golpe em xeque. É esperar para ver. Minuto a minuto, até às 5 da tarde.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Lula, uma candidatura encurralada


Há algumas conclusões possíveis a serem tiradas do jejum com orações que o procurador Deltan Dallagnol (o juiz carioca Marcelo Bretas, cuja carne talvez seja mais fraca, irá acompanhá-lo apenas nas orações) pretende fazer hoje, durante o julgamento do habeas corpus de Lula pelo STF, espalhafatosamente anunciados em sua conta pessoal no Twitter. A primeira: se se preocupassem efetivamente com o bem estar do país, presente e futuro, Dallagnol e Bretas fariam melhor se, ao invés de orações e jejum, renunciassem ao auxílio-moradia.

Além disso, porque sua fé parece funcionar com base em algum algoritmo semelhante ao das redes sociais, Dallagnol não achou que a Lava Jato estivesse sob ameaça quando, por exemplo, o Congresso barrou, por duas vezes, as denúncias oferecidas contra Temer – flagrado em conversas nada republicanas, conspirando com criminosos para garantir, comprando, o silêncio de Eduardo Cunha – pela Procuradoria Geral. Ou mesmo quando Romero Jucá deixou claro que o impeachment tinha como principal propósito, justamente, enfraquecer a Lava Jato, essa que Dallagnol diz defender com jejum e orações.

Sejamos sinceros: a preocupação do Procurador da republiqueta curitibana com a corrupção e os corruptos tem a mesma extensão e sofisticação da maioria dos comentários anônimos que emergem do esgoto, dia sim outro também, aqui nesse blog, por exemplo. O fundamental, no entanto, Dallagnol não diz – e não diz porque seus dotes intelectuais e de analista político estão na proporção inversa às suas convicções religiosas.

Independente do resultado do julgamento de hoje, Lula é um político encurralado, e o futuro de sua candidatura – no momento em que escrevo, ainda incerto – é, para dizer o mínimo, nebuloso. Quer dizer, se o todo poderoso ouvir as preces do Procurador, Lula deixa de ser candidato e vira presidiário, para gáudio de muitos. Mas se os ministros decidirem contrariar a vontade dele (supondo que ele concorde com Dallagnol) e manter Lula solto, nem por isso sua candidatura se tornará, necessariamente, viável. Explico.

A essas alturas, em um ambiente político onde se trata um atentado a bala como se normal fosse, sugerindo tratar-se de uma encenação com fins políticos; ou se justifica o assassinato de uma vereadora negra e de esquerda, um crime que parece caminhar para o esquecimento, é pouco, pouquíssimo provável, que se consiga sustentar por muito mais tempo a farsa de que nossas instituições democráticas seguem “funcionando normalmente”.

Um horizonte nebuloso – Nesse sentido, são gravíssimas as declarações de dois generais do Exército, um deles de reserva, outro ninguém mais que o seu próprio comandante, que a pretexto de defender a Constituição e a democracia, deixam no ar a possibilidade da instituição fazer uso da força para atentar contra elas. Pode ser uma bravata, mas quando proferida por oficiais de alta patente, uma bravata pode ser mais que simples fanfarronice de mau gosto, e especialmente em um momento onde abundam afetos autoritários e o baixo apoio que tem, entre nós, a democracia mesmo a mais formal, é recomendável que os militares permanecem nos quarteis, de onde aliás, nunca deveriam ter saído. 

Mas mesmo que eliminemos o fantasma de um golpe militar, as alternativas nem por isso são alvissareiras. Um dos caminhos prováveis é de uma polarização ainda maior, com uma onda de indignação semelhante a de 2015 que, agora como lá, sirva de pretexto aos grupos e partidos de direita em sua nova tentativa de inviabilizar a candidatura lulista, caso a estratégia da condenação não funcione. Se deu certo uma vez, não há razões para não se tentar de novo, e nunca é tarde para tirar o pó da camisa verde e amarela da seleção e ensaiar de novo os movimentos ritmados daquelas velhas coreografias.

Se sobreviver politicamente e ganhar – dos cenários possíveis, a meu ver, o mais duvidoso –, Lula e o PT estarão frente a tarefa de governar um país em frangalhos, com uma economia ainda em crise e uma democracia em profunda recessão (a expressão “recessão democrática” é do sociólogo Celso Rocha, em texto publicado na Piauí). Não estamos mais em 2002 quando Lula e o PT subiram a rampa do Planalto surfando em uma onda de popularidade e esperança. A partir de 2019, com quem e com quais meios ambos, Lula e seu partido, pretendem responder a um quadro de instabilidade generalizada e estrutural?

A pergunta é pertinente porque, a rigor, Lula está isolado. O partido carece de um projeto para o país e de um programa mínimo de governo, porque salvar Lula se tornou o único projeto que realmente importa. A festejada “Frente antifascista” não existe ou, mais precisamente, não é exatamente uma frente, mas uma articulação de três partidos de esquerda e suas candidaturas. Se a intenção é formar uma frente, a ela deveriam ser incorporados partidos e candidaturas de centro esquerda, como o PDT de Ciro e a Rede de Marina Silva, e movimentos sociais não alinhados aos partidos, além de grupos e lideranças liberais que não se identificam com os discursos raivosos e reacionários da direita conservadora.

Sobra o apoio popular, traduzido nas intenções de voto que ainda, e apesar de tudo, continuam a manter Lula líder inconteste em todas as pesquisas. Mas não está claro como o PT pretende, se pretende, transformar essa devoção quase religiosa em algo com o qual governar. A experiência de 12 anos de governos petistas serviu para mostrar o contrário. Para manter a governabilidade, o partido optou pelos velhos, cômodos e corruptos esquemas e alianças eufemisticamente chamados de “coalizão”. Mas se a fatura foi alta em épocas de estabilidade, é justo supor que quem quer que se disponha a apoiar um hipotético futuro governo petista, não cobrará barato.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Lula, Weisbrot e os tribunais canguru

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Você já ouviu falar em tribunais canguru (“kangaroo courts”)? Pois devia. Porque pode haver um aí bem pertinho de você. É um tribunal onde o resultado é pré-determinado pela reputação do réu e, por inerência, o julgamento nunca será justo. O réu que é julgado num desses tribunais tem o destino traçado. Por mais recursos legais que use, nunca vai ter resultados porque os seus argumentos são sempre desconsiderados. Mas para quem não está familiarizado com o conceito, eis uma definição que pode ser encontrada na net. 

TRIBUNAL CANGURU*
(direito) procedimento judicial - ou equivalente -, no qual o julgador é manifestamente autoritário e/ou parcial, decidido desde o início a julgar de modo favorável ou desfavorável a uma das partes, independentemente do conjunto de provas
(etimologia) trata-se de um calque do inglês kangaroo court; o termo “canguru” refere-se ao fato de ser um julgamento com juízes “no bolso”, assim como um filhote de canguru, ou também ao fato de os juízes promoverem “saltos” em direção à condenação do réu.

A expressão tomou corpo com um texto de Mark Weisbrot, diretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas - Washington, publicado no jornal New York Times, no início do ano, sob o título: “A democracia brasileira empurrada para o abismo”. O tema era o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ação do juiz Sérgio Moro. Ao falar de provas, o artigo diz que a “evidência escassa foi suficiente para o juiz Moro. Em algo que os americanos poderiam considerar procedimentos de um tribunal canguru, ele condenou Lula a nove anos e meio de prisão”.

É uma visão cada vez mais difundida no exterior. Mark Weisbrot diz que não acredita na imparcialidade da corte, em primeira ou segunda instância. E a sua contribuição, entre outras, é introdução da expressão “tribunais canguru” no debate, o que poderia trazer novas formas de abordar o tema. Mas não. Apesar de uma certa repercussão em alguns segmentos, na maior parte dos casos o tema passou batido. Ninguém no Brasil se interessou por introduzir o tema na agenda midiática. 

Ora, não dá para saber que ventos sopram lá para as bandas do professor Mark Weisbrot – se ele tem algum alinhamento ideológico ou não. Mas a sua intervenção é apenas reflexo daquilo que o mundo antes desconfiava e agora parece ter certeza: ninguém consegue afirmar a inocência ou culpa do ex-presidente Lula da Silva, mas todos têm a perfeita noção de que Justiça a brasileira apodreceu. O sistema judiciário mais parece um bordel ideológico, uma espécie de tribunal canguru perneta. 

É a dança da chuva.

*Fonte: wiktionary