terça-feira, 3 de abril de 2018

Lula, Weisbrot e os tribunais canguru

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Você já ouviu falar em tribunais canguru (“kangaroo courts”)? Pois devia. Porque pode haver um aí bem pertinho de você. É um tribunal onde o resultado é pré-determinado pela reputação do réu e, por inerência, o julgamento nunca será justo. O réu que é julgado num desses tribunais tem o destino traçado. Por mais recursos legais que use, nunca vai ter resultados porque os seus argumentos são sempre desconsiderados. Mas para quem não está familiarizado com o conceito, eis uma definição que pode ser encontrada na net. 

TRIBUNAL CANGURU*
(direito) procedimento judicial - ou equivalente -, no qual o julgador é manifestamente autoritário e/ou parcial, decidido desde o início a julgar de modo favorável ou desfavorável a uma das partes, independentemente do conjunto de provas
(etimologia) trata-se de um calque do inglês kangaroo court; o termo “canguru” refere-se ao fato de ser um julgamento com juízes “no bolso”, assim como um filhote de canguru, ou também ao fato de os juízes promoverem “saltos” em direção à condenação do réu.

A expressão tomou corpo com um texto de Mark Weisbrot, diretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas - Washington, publicado no jornal New York Times, no início do ano, sob o título: “A democracia brasileira empurrada para o abismo”. O tema era o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ação do juiz Sérgio Moro. Ao falar de provas, o artigo diz que a “evidência escassa foi suficiente para o juiz Moro. Em algo que os americanos poderiam considerar procedimentos de um tribunal canguru, ele condenou Lula a nove anos e meio de prisão”.

É uma visão cada vez mais difundida no exterior. Mark Weisbrot diz que não acredita na imparcialidade da corte, em primeira ou segunda instância. E a sua contribuição, entre outras, é introdução da expressão “tribunais canguru” no debate, o que poderia trazer novas formas de abordar o tema. Mas não. Apesar de uma certa repercussão em alguns segmentos, na maior parte dos casos o tema passou batido. Ninguém no Brasil se interessou por introduzir o tema na agenda midiática. 

Ora, não dá para saber que ventos sopram lá para as bandas do professor Mark Weisbrot – se ele tem algum alinhamento ideológico ou não. Mas a sua intervenção é apenas reflexo daquilo que o mundo antes desconfiava e agora parece ter certeza: ninguém consegue afirmar a inocência ou culpa do ex-presidente Lula da Silva, mas todos têm a perfeita noção de que Justiça a brasileira apodreceu. O sistema judiciário mais parece um bordel ideológico, uma espécie de tribunal canguru perneta. 

É a dança da chuva.

*Fonte: wiktionary




segunda-feira, 2 de abril de 2018

Escolha


Começar por onde??

POR JORDI CASTAN

A semana passada foi tão cheia de notícias, de fatos e absurdos, que fica difícil escolher por onde começar. Escrever sobre o que? 

JOINVILLE - Talvez pela insistência quase doentia do prefeito em acabar com Joinville, comprometendo não só seu presente mas especialmente seu futuro. A Joinville que ele imagina e propõe para daqui 30 anos e a que eu e os joinvilenses vislumbramos como resultado dos seus desatinos. É mais ou menos como comparar  um cenário um Mad Max, em qualquer das versões, com o da cidade utópica em  que desenvolvimento urbano, equilíbrio e meio ambiente possam conviver. Lamentavelmente, o prefeito é devoto praticante da religião anti-humanista (no sentido da ecologia humana) e não duvidaria se na sua quimera se considerasse o Pontificex Maximus da ala mais radical dessa corrente.

LULA - Também poderíamos retomar o estranho "atentado" sofrido pelos ônibus de campanha do Lula. Sou dos que não entendo que um condenado, por unanimidade, em segunda instância, possa fazer campanha abertamente pelo Brasil, fora do período eleitoral. Em quanto ainda ecoavam no silêncio interiorano do oeste do Paraná os quatro tiros, já tinha gente discursando sobre fascismo, sobre o risco que corre a democracia no Brasil e sobre muitas outras coisas relacionadas, nem todas elas coerentes. Pessoalmente prefiro esperar o resultado das investigações. Não quero que, como no caso da vereadora assassinada no Rio, e tomados pela intensidade emocional do momento, tenhamos já culpados antes mesmo de que o crime seja investigado.

VALOR NOTÍCIA - Falando também de mortes violentas, não pude deixar de perceber a forma diferente com que a imprensa, os políticos e a sociedade trata o assassinato de um ou uma policial e outros assassinatos. Me molesta profundamente a dupla balança com que se medem uns e outros. Quero deixar claro aqui que acho escandaloso o numero de policiais mortos violentamente, muitos fora de serviço, pelo fato de ser policiais. Que não compactuo com o silêncio de determinados setores da sociedade. Acho grave que a sociedade não reaja, que não defenda e nem se manifeste contra essa violência, que escapou do controle e frente a que corremos o risco de passar a achar normal. Assim que vamos combinar, ou denunciamos toda a violência, toda a corrupção com a mesma intensidade ou perdemos a moral quando algumas vítimas são mais vítimas que outras.

Sobre corruptos, já escrevi aqui que não tenho corrupto favorito. Para concluir defendo a manutenção da jurisprudência atual sobre a prisão depois da condenação em segunda instancia, sem casuísmos. 

sábado, 31 de março de 2018

31 de Março: décadas depois, um cheirinho a déjà vu (para ouvir)

POR ET BARTHES
Interessante como décadas depois é possível reconhecer que alguns sintomas do mal-estar político do Brasil ainda sobrevive nestes dias. Uma viagem sonora... ouça.





sexta-feira, 30 de março de 2018

Portugal começa a ser um lugar difícil para Gilmar Mendes

POR ET BARTHES
Nos últimos tempos, Gilmar Mendes tem sido uma figura muito frequente em Portugal. Tem tudo para correr bem, porque os portugueses são uma gente que recebe bem os visitantes e a maioria nunca ouviu falar dele. O problema é que agora o país está cheio de brasileiros, que insistem em interagir com o juiz e, em muitos casos, tomar satisfação.

1. Desta vez o filme não é muito claro. Dá a entender que o juiz do STF teria chamado o brasileiro de palhaço. E deu no que deu. Mas a acusação é chocha: diz que Gilmar Mendes está a passear em Lisboa. Nada de errado nisso.

2. O episódio faz lembrar um encontro que o juiz teve com duas turistas brasileiras no início do ano. Os filmes estão aqui.  



Gregório Duvivier fala sobre os direitos humanos

POR ET BARTHES
Já faz algum tempo e muita gente já viu. Mas nesta sexta-feira, dia em que as pessoas têm um tempinho, dá para ver com calma. É um dia de paz, sem ódios...



quarta-feira, 28 de março de 2018

Caravana de Lula alvo de tocaia a tiros: até onde vai a escalada fascista?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Como descrever uma escalada fascista na prática? O processo pode começar com um simples xingamento. Depois aparece um energúmeno a chicotear pessoas. Mais tarde as estradas acabam interrompidas e pedras são atiradas. Até que um dia a coisa sai do controle e acaba num atentado a tiros. Acaba? Eis o problema. Porque a própria palavra “escalada” indica um movimento que não tem hora para acabar.

O atentado contra a caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – três tiros contra o ônibus onde estavam convidados e jornalistas –, ocorrido ontem no Paraná, é o mais grave episódio desta febre fascista que está a fazer o Brasil voltar aos tempos de antanho. É tão grave que a polícia decidiu tratar o caso como tentativa de homicídio. Os tiros, disparados dos dois lados da estrada, apontam para uma tocaia. E tocaia é uma coisa muito século 19.

O pior é ver políticos apostarem na anomia fascizante. Durante uma convenção do seu partido, a senadora Ana Amélia Lemos elogiou os ruralistas gaúchos por protagonizarem atos bárbaros contra a caravana do ex-presidente. É ruim, mas pode piorar. Ontem, ao comentar a emboscada à comitiva de Lula da Silva, o governador Geraldo Alckmin disse que o PT “colhe o que planta”. É o triunfo da selvageria.

Até onde vai essa escalada fascista pode levar o Brasil? É imprevisível. Mas ainda há tempo para evitar o pior. É preciso diálogo, serenidade e respeito pela regra democrática. No entanto, é impossível comunicar com fascistas. Há um vazio. Um fascista não se assume enquanto fascista porque, na maioria dos casos, ele sequer sabe que é fascista. Ou seja, não existe um interlocutor que represente o fascismo.

Roland Barthes escreveu que o “fascismo não é impedir-nos de dizer, é obrigar-nos a dizer”. Quer dizer que o fascismo não obriga à inação, mas à ação. E no Brasil destes tempos, ele é praticado de forma desarticulada, em forma de ações individuais ou de grupos, acobertados por discursos de ódio de classe. Aliás, vale lembrar que os fascistas são indivíduos fracos que, para compensar essa fraqueza, acabam por se identificar com os opressores.

O episódio está a pintar a imagem do país no exterior com tons sombrios. É uma questão de horas até que o assunto entre para a agenda da imprensa internacional. O mundo civilizado ainda nem assimilou a notícia da morte de Marielle Franco e já tem outras notícias negativas a partir do Brasil. E vale salientar que, mesmo com os acontecimentos dos últimos tempos, o presidente Lula da Silva ainda desfruta de enorme prestígio além-fronteiras.

A cada dia que passa, o Brasil se afasta da civilização e caminha distraidamente em direção à barbárie. Temos o lado menos mau. Enquanto houver uma “escalada fascista”, o ponto de não-retorno ainda não terá sido atingido. E o lado muito mau. O perigo é a evolução para um estágio de “espiral fascista”, porque as espirais giram sobre si mesmas e não têm fim.

É a dança da chuva.

Dicas para identificar o fascismo, segundo Umberto Eco

POR ET BARTHES
As pessoas tendem a gostar de explicações esquemáticas. Porque tornam a compreensão mais simples. O pensador Umberto Eco, um especialista em semiótica, tinha isso em mente e criou um esquema de 14 itens para ajudar a identificar o fascismo e os fascistas. O filme está em espanhol, mas a compreensão é muito fácil.




terça-feira, 27 de março de 2018

Netflix, o boicote e a legitimação da narrativa do golpe


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
O caso Netflix tem sido um dos temas quentes das redes sociais. Tudo por causa da série “O Mecanismo”, do diretor José Padilha, considerada um panfleto fascista pelos militantes de esquerda (nem todos, claro). E surgiu uma proposta de boicote ao serviço de streaming de vídeos. O que não deixa de ser irônico. Até um dia destes o Neflix era elogiado exatamente pela qualidade do seu catálogo, composto por milhares de filmes.

Mas vamos por partes. Há mesmo razões para boicotar o Netflix? Ora, aqui estamos no plano da relação entre o consumidor e o fornecedor de um serviço. Se a pessoa acha que não vale a pena pagar pelo produto, a solução é romper o contrato. E na pele de consumidor essa pessoa tem todo o direito de usar o word of mouth para tentar convencer outras a seguirem o mesmo caminho. É o capitalismo de mercado.

O problema é que não funciona. Poucas ideias são tão frágeis quanto o apelo ao boicote de uma marca. Lembram da Operação Carne Fraca? Houve uma revolta e a promessa de boicotar as empresas envolvidas. Mas o boicote acabou em churrasco. O auê destes dias só serviu para dar uma enorme notoriedade à serie. E ajudou a atrair o pessoal da direita que, mesmo fora do debate-boca, secretamente saliva de prazer.

“O Mecanismo” é mesmo fascista? A maioria das pessoas que repercute a crítica ainda não viu a série (estou no grupo do “não vi e nem quero ver”). Mas há uma queixa justa. Quando a frase de Romero Jucá é posta na boca do personagem que representa o ex-presidente Lula: o famoso “estancar a sangria”. Podemos dizer que foi uma liberdade poética ou até defender a liberdade de expressão. Mas falsear a história de forma tão grotesca é só canalhice.

A ex-presidente Dilma Rousseff fala em fascismo. A propósito de contar a história da Lava-Jato, numa série 'baseada em fatos reais', o cineasta José Padilha incorre na distorção da realidade e na propagação de mentiras de toda sorte para atacar a mim e ao presidente Lula. A série é mentirosa e dissimulada. O diretor inventa fatos. Não reproduz 'fake news'. Ele próprio tornou-se um criador de notícias falsas, escreveu nas redes sociais.

Qual é o problema da série (que, repito, não vi)? Por tudo o que se falou até agora, é a ideia de legitimar a narrativa do golpe. Num tempo em que as pessoas não distinguem a ficção da realidade, esse tipo de adulteração é perigoso. Muito perigoso. A história está repleta de exemplos de falsificações ideológicas através da arte. O fantasma de Leni Riefenstahl continua a pairar sobre o mundo das construções simbólicas.

A legitimação da narrativa do golpe é um desserviço à democracia. E para mostrar, na prática, os riscos trazidos por esse tipo de abordagem, eis o exemplo de um “diálogo” entre duas pessoas aparentemente esclarecidas (com diplomas, pelo menos), numa rede social. A reação é sintomática de gente suscetível de ser manipulada.

- Também estamos assistindo. Deviam passar nas aulas de história.
- Assunto para as salas de aula, com certeza. Para quem vai às urnas deveria ser obrigatório. Mudar essa realidade não é só obrigação de quem investiga! Não considero um desserviço, muito pelo contrário, que por meio da “ficção” o povo entenda a realidade do que significou a Lava-Jato e que é necessário mudar.

Eis o risco. As pessoas têm a tendência de confundir ficção e realidade (há uma diferença entre storytelling e historytelling). Ou seja, não percebem a diferença entre história, um corpo teórico que exige ferramentas para a interpretação, com narrativas ficcionais assimiladas de forma preguiçosa e noveleira – e sem questionamentos acerca dos interesses que possa estar a legitimar. Afinal, como diz a velha expressão, o fascismo é uma cadela sempre no cio.

É a dança da chuva.