quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

O deputado, a Rocinha e as políticas do esquecimento


Afinal, Jair Bolsonaro realmente sugeriu metralhar a Rocinha como solução para o tráfico e a violência na comunidade carioca? A nota, publicada pelo jornalista Lauro Jardim em sua coluna de domingo (11), no jornal “O Globo”, repercutiu enormemente em sites, especialmente os de esquerda, e nas redes sociais, além de provocar a ira do próprio deputado e presidenciável e de seus seguidores, os chamados “bolsominions”.

Apesar da repercussão, é bastante provável que a frase não tenha sido dita, ao menos não como informou Lauro Jardim. Claro que Bolsonaro tratou de desmentir a nota, mas o desmentido de um fascista tem validade zero como prova. Por outro lado, a favor dele, há a ausência de qualquer registro documental, o que em tempos de internet e vídeos comprometedores sacados de celulares, é no mínimo estranho, especialmente em um evento com algumas centenas de testemunhas.

Além disso, nenhum outro veículo ou profissional deu a tal notícia, e o também jornalista Augusto Nunes, convidado a conduzir um bate-papo com Bolsonaro, disse textualmente que se tratou de um equívoco. De acordo com Nunes, seu colega foi “induzido ao erro”, possivelmente informado, e mal, por algum dos presentes. A própria coluna de Lauro Jardim, em sua versão on line, publicou uma espécie de “erramos”, aparentemente acatando a explicação do deputado.

Em seu artigo de terça (13), meu colega de blog José António Baço abordou o assunto sob o prisma de sua repercussão na mídia. Em síntese, defendeu que as recentes notícias envolvendo Bolsonaro, desde o aumento suspeito de seu patrimônio pessoal e de seus filhos (essas, absolutamente verdadeiras), até a nota n’“O Globo”, são parte de uma estratégia para se livrar do incômodo candidato. Gostaria de abordar o mesmo acontecimento sob outra perspectiva.

Tortura, estupro e ódio como paradigmas – A mim não importa que Bolsonaro não tenha dito tamanho impropério, porque há registros suficientes da sua capacidade e disposição em produzir e disseminar o ódio e a barbárie. Há, por exemplo, sua apologia ao estupro, e suas muitas homenagens à memória do Coronel Brilhante Ustra, conhecido por torturar e estuprar militantes mulheres – sim, parece que Bolsonaro tem uma fixação pelo assunto.

Há ainda uma coleção de declarações homofóbicas, racistas e misóginas (além da apologia ao estupro), e sua completa miopia no que se refere a temas como a violência, ao defender o recrudescimento de políticas públicas que há décadas são, justamente, parte instituinte do problema, não sua solução. Uma visão estreita de mundo, obviamente, não poderia resultar em outra coisa além de um candidato cujas “propostas” (passe o exagero) só são comparáveis às nações governadas pelo peso do autoritarismo militar – como a Venezuela ou a Coreia do Norte –, ou do fundamentalismo religioso, como em alguns países do Oriente Médio.

Mas se votar em Bolsonaro é desistir de um país moderno, seja econômica ou politicamente, o que explica que de uma excrescência fascista ele tenha passado a segundo lugar na intenção de votos para presidente? A explicação de que se trata de um outsider, embora coerente, me parece insuficiente. E embora seja verdade que, apesar de ter pertencido à base aliada de todos os governos do PT, seu crescimento se deva em parte à sua capacidade de surfar na onde do anti-petismo mais hidrófobo, tampouco considero tal argumento satisfatório.

Como uma força centrípeta, ele canaliza, dá forma e sentido a um conjunto de afetos dispersos e difusos, tais como o ressentimento, a indiferença, o medo e o ódio, produzidos em um ambiente político pouco afeito a coisas como democracia, liberdades individuais ou direitos humanos. Há uma parcela expressiva de pessoas que o apoiam justamente por seus elogios à ditadura e sua defesa da tortura, por exemplo, e não apesar disso. Nesse sentido, entender o seu significado é compreender o processo de construção de nossa memória recente.

O esquecimento e a banalização da violência – No último livro publicado em vida, “A memória, a história, o esquecimento”, o filósofo francês Paul Ricoeur contrapõe ao que considera as dimensões positivas do olvido, os efeitos potencialmente danosos do esquecimento como gesto forçado de apagamento da lembrança, que denominou de “memória impedida”. É esse impedimento que fundamenta aquelas políticas que, como a nossa, confundem anistia com amnésia e tomam essa como critério para associar aquela ao perdão.

O equívoco não é apenas semântico – anistia não significa necessariamente perdão nem, tampouco, esquecimento –, mas principalmente político. Desde a transição para a Nova República, há uma interdição, um silenciamento a impedir que tratemos a Lei de Anistia e as políticas de esquecimento daí derivadas pelo que elas são: um obstáculo à efetivação de uma cultura democrática sensível, entre outras coisas, aos muitos riscos a que está exposta, e aos restos de uma ditadura que, mesmo institucionalmente, continuam a ameaça-la.

Há diferentes maneiras de interpretar o alcance dessa limitação. Entre outras coisas, o esquecimento produz a naturalização e a banalização da violência institucional – aquela praticada pelo Estado e os governos –,  que admitida como um dos componentes de nossa vida social, não é por isso considerada desumana nem, tampouco, uma anomalia, uma aberração, um desvio: no Brasil, parafraseando Giorgio Agamben, a violência institucional há tempos deixou de ser exceção para se tornar a regra.

A truculência de Bolsonaro é um sintoma desse estado de coisas. Ele mobiliza e organiza um circuito de afetos que tem como centro o esquecimento das violências passadas a informar a indiferença cotidiana para com as violências presentes, usando a democracia não para aprofundá-la, mas para conspirar contra ela e fragilizá-la. Racista, misógino, homofóbico, clara e abertamente fascista, Bolsonaro não é apenas a expressão de nossos impasses políticos, mas um perigo que ameaça nossa ainda débil democracia. Se nunca fomos modernos, com ele estamos condenados a nunca ser.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Bolsonaro, a Rocinha e a metralhadora da mídia

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Ora, ora, ora. Parece que a velha imprensa anda mesmo empenhada em detonar o putativo candidato a presidente Jair Bolsonaro. Desta vez o ataque foi com chumbo grosso, a tiros de metralhadora. A denúncia partiu do jornalista Lauro Jardim, que publicou, no jornal O Globo, a notícia de que Bolsonaro teria proposto metralhar a Rocinha para acabar a guerra entre as facções envolvidas no tráfico de drogas.

Diz o jornalista que a ideia foi apresentada durante um evento de um banco, que reuniu cerca de mil executivos. Qual era a estratégia de Bolsonaro para resolver o problema? Simples. A partir de um helicóptero, lançar folhetos ordenando aos bandidos que se entregassem num prazo de seis horas (por que seis horas?). Se não se rendessem, as metralhadoras começariam a varrer a favela.

A notícia virou tema quente nas redes sociais. Mas não demorou para circular um filme em que Bolsonaro, com ar indignado, fazia o desmentido e exigia uma retratação do jornalista (algo que, parece, não aconteceu). “Isso é uma insanidade, uma loucura alguém escrever uma coisa dessas", disse um irritado Bolsonaro, negando que tivesse falado em metralhar toda a favela.

Eis o problema do candidato. É que a ideia, mentirosa ou não, acaba por parecer plausível sendo ele o autor. Bolsonaro é um boquirroto capaz de dizer os maiores disparates e isso torna fácil acreditar na notícia. Não vamos esquecer daquela entrevista em que ele falava de matar uns 30 mil. Aliás, muitos dos seus seguidores levaram a sério e até acharam que metralhar a Rocinha era boa ideia.

Uma coisa é certa: o estrago (mais um) na imagem de Bolsonaro está feito. O candidato pode espernear, gritar ou ir à Justiça pedir reparação. Mas no Brasil a mentira da mídia (lembremos que o jornalista não desmentiu) tem o efeito de um furacão e os desmentidos mais parecem simples brisas de verão. É lídimo pensar que, depois de focar o afastamento de Lula, a velha mídia tenta agora detonar quem vem em segundo nas pesquisas.

Todos sabemos que a direita – em especial os tucanos – não consegue ganhar eleições, nem mesmo com a incansável adesão da mídia. Quer dizer, a direita não pode correr o risco de ter adversários. Lula e Bolsonaro são pedras no meio do caminho. É preciso removê-las e abrir passagem para um novo Fernando Collor. E todos sabemos que está a ser preparado um candidato - a jato - para dar corpo ao engodo. 

É a dança da chuva.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Um governo ou um bom governo?

POR JORDI CASTAN
Há tantos temas mais urgentes e mais importantes sobre os que deveria escrever aqui no Chuva Ácida. Então, pode parecer estranho voltar quase 2.000 anos no tempo para descobrir que algumas coisas não mudam. 2018 será um ano de eleições. Mas será também um ano marcado por privilégios, os de uma minoria sobre a maioria. Será um ano de injustiças. Será também um ano em que seguiremos vendo o país se apequenar, governado por gente menor. 

Não consigo encontrar motivos para acreditar que o Brasil que sairá das urnas, será melhor que este Brasil. Os brasileiros se conformam com pouco. No Brasil de 2018, não há muita esperança que das urnas possa sair um bom governo. Um bom governo é o resultado de bons governantes e estes são o resultado de bons eleitores. Está difícil encontrar ambos por aqui.

Entre os séculos I e II, Plutarco se dedicou a ensinar a o que seria um bom governo e a aconselhar como escolher bons governantes na Grécia daquela época. Os seus conselhos seguem atuais e hoje como ontem não são seguidos. O resultado é esta serie de governos e governantes ineptos, corruptos e incompetentes que nos governam desde faz mais de vinte séculos.

Escrevia Plutarco que "em primeiro lugar, não se deve eleger à política por um impulso repentino, por não ter outras ocupações ou pela busca do lucro ou ganância. A política deve ser a escolha dos que tem a convicção e o resultado de uma reflexão profunda, sem buscar a própria reputação e sim o bem comum".

É evidente que se alguém por estes lados tivesse lido e prestado atenção aos conselhos de Plutarco, o resultado da ultima eleição teria sido distinto. Mas ainda há  oportunidade de dar uma lida aos ensinamentos dele. Recomendo o capítulo referido "a um governante falto de instrução".

Ainda sobre o tema mais importante de 2018. Não deveria ser a Copa do Mundo e sim a eleição para presidente, governadores, deputados e senadores. Seria bom que os programas de governo com que se elegem os candidatos ao executivo fossem a peça que permitisse a abertura de processo penal contra os candidatos, que depois de eleitos, não os seguissem a risca e os cumprissem.

Se este fosse um país sério, o que claramente não é, teríamos vários deles sendo condenados por mitômanos, por embusteiros contumazes e por incumprimento de contrato com o eleitor. Sim, o eleitor crédulo que acreditou num programa de governo que na maioria dos casos nunca foi levado a sério nem pelo candidato, nem pela sua equipe de governo.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Há algo de podre no reino do judiciário

POR DOMINGOS MIRANDA
Nunca antes em nosso País os juízes tiveram tanto poder como hoje. Isso subverte a teoria de Montesquieu de equilíbrio dos poderes, mas aconteceu em função da desmoralização do Executivo e Legislativo. Isso foi bom para a população? Não, pelo contrário. Temos visto abusos e mais abusos que colocam em risco a liberdade das pessoas de bem, a insegurança dos negócios empresariais e até atividades estratégicas como a pesquisa nuclear. A coisa chegou a tal ponto que os juízes não mais respeitam a Constituição – como a questão do teto salarial – e não há ninguém com coragem para coibir esta afronta legal. Aqui poderíamos copiar Shakespeare: há algo de podre no reino do judiciário.

O caso que mais tem chocado a população é o auxílio-moradia de R$ 4.300 para todos os juízes, mesmo para aqueles com imóveis onde trabalham. O despudor chegou a tal ponto que dois ícones do moralismo da classe média – Sérgio Moro e Marcelo Bretas – tiveram a petulância de dizer que é legal. Isso faz lembrar uma célebre frase do escritor francês Victor Hugo: “Raspai o juiz, encontrareis o carrasco”.

Os empresários não têm mais segurança pois qualquer juiz de primeira instância pode inviabilizar negócios arduamente conquistados. No dia 2 de fevereiro o juiz federal Djalma Moreira Gomes ordenou o desembarque de 25.600 bovinos que estavam a bordo do navio Nada, pronto para partir para a Turquia, sob a alegação de maus tratos aos animais. Depois de ficar detido três dias no porto, o Tribunal Regional Federal autorizou o navio a zarpar. A medida do juiz Gomes causou mais estresse aos bovinos e colocou em risco futuros negócios do exportador. Isso fez lembrar a Operação Carne Fraca, que afetou as exportações de carne para vários países, por causa de um suposto pagamento de propina aos fiscais que liberavam os produtos de 21 frigoríficos.

No mesmo dia em que o navio Nada deixava o porto de Santos o jornal conservador Gazeta do Povo, de Curitiba, publicava em manchete: “Moro deixou o Brasil em escombros”. E acrescentava: “Escombros da Lava Jato: plataformas de petróleo novinhas são vendidas como sucata”. Esta história da Lava Jato ainda está por ser escrita, pois afetou mortalmente as construtores mais competitivas do Brasil e inviabilizou a indústria naval. 

O líder sindical Benito Gonçalves, de Rio Grande, uma das cidades mais afetada pelo desmonte dos estaleiros, desabafou ao jornal paranaense: “É uma lástima, um crime de lesa pátria”. A decana das economistas Maria da Conceição Tavares também teceu seu comentário: “A Lava Jato é uma operação que começou com os melhores propósitos e se tornou uma ação autoritária, arbitrária, que atenta contra as justiças democráticas, para não citar o rastro de desemprego que deixou em importantes setores da economia”.

O judiciário brasileiro é o mais caro do mundo e isto está incomodando muita gente, principalmente neste momento em que se fala tanto em corte de gastos. O editorial da Folha de S. Paulo de 5 de fevereiro abordou esta questão. Sob o título de “Privilégios de casta”, o jornal paulista afirma: “A República pode ser uma ideia estranha para a casta [judiciário], assim como o é o conceito de escassez de recursos. Não raro, magistrados concedem direitos, para si ou outros, que extrapolam a capacidade orçamentária dos governos”.

Mas o que mais amedronta é o poder discricionário dos homens de toga, que tudo podem sem qualquer controle. Quem faz as maiores críticas ao trabalho do judiciário, principalmente no julgamento de Lula, é o jornalista direitista Reinaldo Azevedo, crítico feroz do ex-presidente petista.  Azevedo mostra que os juízes e desembargadores que condenaram Lula não apresentaram provas e isto é um perigo para qualquer cidadão que pode ficar à mercê da vontade dos togados. Ele frisa: “Um país em que o cidadão enfrenta não um juiz, mas uma corporação, este país está com problemas”.

O filósofo chinês Confúcio dizia: “Quando as palavras perdem o significado, as pessoas perdem sua liberdade”. Hoje, no Brasil, a palavra justiça perdeu o seu real sentido e nós estamos correndo um grande risco. Lutemos para restaurar a democracia.s

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

O cidadão, o consumidor e os impasses da esquerda



Poucos dias antes de seu julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o ex-presidente Lula concedeu entrevista ao jornal francês “Libération”. Nela, principalmente, se defende das acusações de corrupção, que o condenaram a 12 anos de prisão e, ao menos virtualmente, o colocam fora das eleições presidenciais desse ano.  Não há nada de muito novo nela, mas das respostas de Lula uma em especial me chamou a atenção.

Ao ser perguntado a que atribui o ódio que acusa estar na origem da perseguição política movida contra ele, Lula argumenta que se trata, principalmente, do ressentimento das elites brasileiras, contrariadas com a ascensão social promovida pelas administrações petistas. E prossegue: “Nós transformamos esses pobres em cidadãos. Eles puderam ir a um restaurante, pegar um avião, comprar carros, computadores e celulares modernos. Tudo que estava reservado aos 35% de brasileiros mais ricos, de repente estava disponível para quase todos”.

Há alguns problemas nessa afirmação, a começar pela concepção frágil de cidadania, drástica e equivocadamente reduzida à capacidade de consumir. Não se trata, obviamente, de negligenciar a importância do acesso a bens de consumo, sejam eles quais forem, ou de menosprezar o significado social e político de ver os aeroportos lotados de brasileiros antes limitados no seu direito de ir e vir. Mas de reconhecer o básico, de que se a cidadania passa pelo incremento do consumo, ela não se encerra nele.

Além disso, Lula sugere uma diminuição da desigualdade ao longo da década em que o PT esteve à frente do governo, o que vem sendo colocado em questão por pesquisas recentes. Elas mostram que a redução dos índices de pobreza se fez pela redistribuição pela base, com políticas sociais como o Bolsa Família, e o aumento do salário mínimo, mas que isso não alterou a desigualdade social,que permaneceu intocada. Não pretendo me estender nisso, porque minha questão é outra. Basicamente, acredito que os critérios pelos quais medimos nossa cidadania não podem basear-se apenas no acesso ao mercado e na ampliação do consumo. Isso é bom, necessário até. Mas não o suficiente.

Se fosse apenas conceitual, ainda assim o equívoco seria sério. Mas a concepção frágil de cidadania, que Lula compartilha com e orienta parte significativa de militantes e simpatizantes do lulismo, pode nos ajudar a compreender alguns dos impasses de parte da esquerda brasileira, notadamente do PT, especialmente em um ano eleitoral. É o que pretendo argumentar nos próximos parágrafos.

Do “golpe” à “fraude” – Foi publicado ontem (06), pelo TRF-4, o acórdão da sentença de Lula. O seu destino não está ainda definitivamente selado, porque há recursos que podem ser interpostos pelos advogados. Se há quem aposte em algum tipo de acordo, com o STF com tudo, para livrá-lo da cadeia, é cada vez mais improvável que sua candidatura sobreviva às decisões da justiça – e não vou entrar aqui no mérito político dessas decisões, que pesaram mais que os critérios jurídicos.

A condenação em segunda instância ensejou uma forte mobilização, dentro e fora das redes sociais, no sentido de garantir a candidatura lulista. Sob o mote “Eleição sem Lula é fraude”, o PT reafirma, embora em outro contexto, o que vem anunciando desde o impeachment de Dilma: o golpe começou em 2016, mas sua consolidação passa, necessariamente, pelo impedimento de Lula, que mesmo após o julgamento pelo Tribunal Federal continua liderando, com folga, todas as pesquisas eleitorais.

Não é difícil entender essa liderança. Há, de um lado, a crônica de um desastre anunciado que é o governo Temer, com seus interesses escusos, sua promiscuidade, sua corrupção desavergonhada e impune. De outro, a memória da relativa estabilidade política e econômica dos governos petistas, a servir como um contraponto à instabilidade crescente. Lula e o PT têm recorrido principalmente a lembrança desse período para justificar, mais que o seu direito a disputar a eleição, a afirmação de que, sem ele, ela será uma fraude.

A questão é: por que uma fraude? É preciso voltar à resposta de Lula ao “Libération”. Quando reduz a concepção de cidadania à capacidade de consumo – frequentar restaurantes, viajar de avião, comprar carros e bugigangas tecnológicas –, Lula sintetiza, em um parágrafo, algumas das diretrizes políticas que, de diferentes maneiras, contribuíram para a glória e a agonia dos governos petistas, ao falharem na consolidação de uma cidadania e de uma cultura democrática mais amplas e participativas. Explico.

Ao valer-se, principalmente, da estabilidade econômica e de políticas distributivas que permitiram, de maneira inédita, elevar os padrões de consumo de parcelas significativas da população, sem no entanto criar mecanismos institucionais que facilitassem e promovessem uma participação democrática mais ampla e direta, o social-desenvolvimentismo dos governos petistas diluiu o tema da cidadania nos índices de diminuição da pobreza, na prática barrando seu aprofundamento ao reduzi-la a um único, e insatisfatório, aspecto.

Um novo pacto político – Com isso, instaurou a confusão revelada no discurso de Lula: se não há cidadãos, mas consumidores, não é necessário um projeto político, um esforço de pensar o país nem, tampouco, um exercício de autocrítica capaz de apontar, e corrigir, os limites e os erros passados. Se o que está em jogo não é a ampliação da cidadania, nem fazer avançar nossa cultura democrática, mas as promessas de um futuro baseado no consumo, a narrativa precisa ser reduzida até o limite da polarização: de um lado, as forças que atentam contra o retorno idílico ao país da promissão; de outro, aquele que pode nos devolver a ele.

Se em um contexto de estabilidade essa estratégia já seria arriscada, ela é ainda mais em um momento como o atual, sujeitados que estamos a um governo criminoso e ao risco de uma eleição que amplie e fortaleça o avanço de lideranças e grupos reacionários, do ódio à democracia. À medida que insiste no discurso de que uma eleição sem Lula é fraude, tensionando o campo político e apelando à memória dos consumidores eleitores, o PT colabora para aumentar a instabilidade, e arrisca o que ainda tem de capital político.

Chegará um momento em que terá de decidir se tem coragem suficiente para sustentar um gesto político e simbólico de resistência, apresentando uma espécie de “anti-candidatura” de Lula – o que  pessoalmente acho pouco provável. Ou se volta atrás e, contrariando o que vem insistentemente repetindo, reconhece que as eleições, mesmo sem ele, não são uma fraude e tenta transferir os votos a alguém que, devidamente ungido, cumprirá a promessa de, se eleito, transformar pobres em cidadãos precários, porque pouco mais que consumidores. Mas, além da flagrante e incômoda contradição, há pelo menos dois problemas a considerar.

O mais imediato é que a transferência de votos não é coisa simples, especialmente depois de se construir em torno a Lula a imagem de uma candidatura personalista, que paira acima de programas e partidos. Além disso, transformados e tratados como consumidores, os eleitores podem se comportar como tais escolhendo, na ausência de Lula, quem lhe oferece a melhor mercadoria – que pode vir embalada nas promessas enganosas das medidas liberais de austeridade e de redução dos investimentos públicos, ou no recrudescimento da intolerância e da violência institucionais, apresentadas como um antídoto à insegurança e ao medo.

A alternativa seria propor um projeto político capaz de mobilizar forças e recursos para a efetiva construção da cidadania, apontando caminhos e alternativas democráticas aos nossos muitos problemas. Isso significaria, entre outras coisas, assumir a falência do pacto republicano ainda vigente, substituindo-o por outro, a ser coletivamente construído. Mas, definitivamente, ninguém parece disposto a isso.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Carta a Luana Piovani


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Olá, Luana.

Que legal! Fiquei a saber que você decidiu vir morar em Portugal e então tomei a liberdade de escrever para dar uns bitaites. Não agradeça, é a cortesia lusitana. As pessoas de bem são sempre bem-vindas, Luana. Os portugueses são um povo que sabe receber, mas também tem o lado prático: há cálculos a dizer que, para manter o crescimento, o país precisa de 900 mil imigrantes para trabalhar e a gerar riqueza. É gente, né?

Eu explico, Luana. Em Portugal a gente tem um sistema de welfare (muito já se perdeu com os ataques neoliberais) e o dinheiro dos impostos é essencial para investir em saúde, segurança ou educação. Para todos. Então você vai entender a preocupação. Todos são bem-vindos, menos aqueles brasileiros que defendem a ideia de que “sonegar é legítima defesa”. Esses a gente não quer. Podem ficar no Brasil.

Aliás, soube que você estava indecisa entre Portugal e EUA. Não resisto a dar um palpite: a Califórnia deve ser melhor opção. Imagine que Portugal é governado pelo Partido Socialista, um pessoal de centro-esquerda muito parecido com o Partido dos Trabalhadores, no Brasil. E surge a questão. Será que você vai curtir a ideia de ser governada por “socialistas”? O poder está tomado pelos “esquerdistas”, Luana.

O atual governo é minoritário e só consegue governar com o apoio do Partido Comunista (coligado com os não menos esquerdistas Os Verdes) e do Bloco de Esquerda. É o tipo de gente que, mesmo em Portugal, um país de brandos costumes, muitos chamam “extrema esquerda”. Ou seja, para os padrões coxinhas brasileiros eles são ainda mais “esquerdopatas” que os petistas. É dureza.

E mais uma inside information. O Bloco de Esquerda é coordenado pela Catarina Martins. Então fico a imaginar como você vai reagir a isso, uma vez que parece não gostar muito de mulheres no comando. Dilma que o diga, né? E o Partido Comunista é liderado pelo Jerónimo de Sousa, um antigo operário metalúrgico. Metalúrgico? Onde é que já ouvimos essa história? Ah, sim, Lula. Então fica a pergunta: será que você quer mesmo viver num país como Portugal?

Olha, Luana, a gente até já esqueceu aquele episódio do Instagram. Lembra como foi? “O Brasil foi explorado tantos anos por Portugal e agora continuará a ser pela PT! Não é à toa que a sigla de Portugal é PT! Eu votei Aécio!”, você escreveu. Confesso que não entendi a declaração, porque parece uma maluquice pegada (expressão cá da terra) e não faz o menor sentido. Era uma tentativa de ofender? Passou.

Despeço-me, Luana, na expectativa de que tenham sido informações úteis e que a ajudem a decidir. Se vier para Portugal vai ser bem recebida. Como foi a Madonna, que já vive aqui faz um tempinho. Aliás, vai ser uma honra para os portugueses ter, ao mesmo tempo, duas estrelas de expressão mundial.

É a dança da chuva.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

O balão de Udo Dohler desinchou...


POR JORDI CASTAN

Começou o xadrez para eleição estadual de 2018. E ficou claro que o sonho do prefeito de Joinville - que queria ser candidato a governador de Santa Catarina - não foi além de uma quimera. Não é segredo para ninguém que a candidatura do prefeito Udo Dohler nunca passou de um sonho amalucado. Com uma administração tão ruim que não chega sequer a pode ser considerada medíocre, atrapalhado pela sua própria inépcia e rodeado por uma equipe sem imaginação, nem capacidade, sua imagem de gestor eficiente nunca ultrapassou os limites de Garuva ao norte, Araquari ao sul e Guaramirim ao oeste.

O balão estufado desinchou rapidamente quando confrontado com verdadeiros profissionais da política. Sem nada para mostrar, sem o apoio do seu padrinho político e sem a menor capacidade de articulação, a sua figura política reduziu-se ao que sempre foi: um administrador medíocre, acostumado a vencer eleições em que não teve concorrentes com chances reais de enfrentá-lo. É bom lembrar que ser eleito presidente da ACIJ uma meia dúzia de vezes ou do sindicato patronal não pode ser considerado uma prova de popularidade e que as duas eleições municipais vencidas em Joinville foram, na primeira, mais mérito de Luiz Henrique e, na segunda, demérito do seu opositor a segunda.

Agora reduzido a sua real insignificância, o prefeito Udo Dohler enfrenta sem muitas expectativas e sem realizações o seu lânguido final de mandato. Uma segunda gestão que acabou bem antes de iniciar. Nenhuma das suas promessas de campanha foi cumprida e mesmo que siga impávido e lépido com o seu discurso vazio, não engana mais ninguém. Poucos dos seus eleitores votariam nele de novo. Teria trabalho até para se eleger síndico do seu prédio. Se sua empresa de toalhas fabricasse seus produtos como se executam as obras públicas aqui na vila, ou tratasse seus clientes como trata os eleitores de Joinville, das duas uma: a empresa teria falido faz anos ou gastaria fortunas se defendendo no Procon por promessas descumpridas, produtos não entregues no prazo e sem a qualidade apregoada na propaganda.

Santa Catarina tem sorte de que alguém com os seus predicados (ou falta deles) não seja candidato ao governo do Estado. O reverso da moeda é que Joinville pagará ainda por mais alguns anos o preço de tanta incompetência. Joinville se sacrificará, uma vez mais, para salvar Santa Catarina. Joinville paga o preço e o seguirá pagando por anos a fio.

A triste conclusão é a que administrar uma cidade do porte de Joinville requer conhecimento, capacidade e experiência que não estão ao alcance da maioria. A possibilidade que tenhamos, no curto e médio prazo, candidatos com este perfil é mais que improvável e esta é uma ameaça que pesa, como uma espada de Dâmocles sobre o futuro desta cidade. Quem poderia não quer Quem quer não tem a competência para fazê-lo. E o eleitor acabará elegendo de novo um candidato inepto para administrar uma cidade cada vez mais complexa e mais difícil de administrar. 

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Nazistas em São Chico? Prefeito quer reparação de guerra da Alemanha

POR DOMINGOS MIRANDA
Há muito tempo eu não via uma história tão bizarra como a publicada na Folha de S. Paulo em 31 de janeiro. O jornal informava que a prefeitura de São Francisco do Sul está reivindicando compensação financeira do governo da Alemanha a título de reparação de guerra. Isso porque, alegam os advogados, o canal do Linguado foi fechado em 1935 para que o governo nazista transportasse material bélico para Joinville. Como essa obra causou danos ambientais, a cidade quer ser recompensada.

A advogada Maristela Basso, que é professora de direito da Universidade de São Paulo e coordena o processo, diz que este material bélico chegava ao porto de São Francisco em navios e submarinos da Alemanha, era finalizado na região e então enviado para outros destinos. “Queremos que São Francisco do Sul seja incluída no rol das reparações de guerra da Alemanha”, frisou Basso para a repórter da Folha. O prefeito Renato Lobo explicou que quer usar este dinheiro da reparação para financiar estudos sobre impactos ambientais da possível reabertura do canal.

Esta é mais um fato fantástico envolvendo São Francisco. No passado já ocorreram outros acontecimentos extraordinários, comprovados, tais como a do capitão francês Binot Gonneville, a do explorador espanhol Cabeza de Vaca e do médico francês Benoit Mure, fundador do Falanstério do Saí. Agora surge esta história, ainda não documentada, das garras do governo nazista às margens da baía da Babitonga. O governo alemão já se manifestou, através do consulado geral em São Paulo, dizendo que o aterramento “foi uma decisão do governo brasileiro, tomada antes da Segunda Guerra”, portanto sem nenhuma responsabilidade do governo alemão.

É verdade que os municípios brasileiros passam por dificuldades financeiras por conta da crise, mas existem maneiras mais práticas de solucionar estas carências. Apelar por uma ajuda da chanceler Angela Merkel chega a ser ridículo, podendo ser motivo de chacota. A abertura do canal do Linguado é uma necessidade e há cerca de 20 anos se discute isso mas a justiça não chega a um acordo. Quem perde é a população, pois a baía da Babitonga está sendo assoreada e dentro de pouco tempo ficará imprópria para a navegação.

Oportunidades surgem e os administradores deixam escapar. Há cerca de dez anos o médico Carlos Alberto Fiorot, então presidente da Associação Médica Homeopática Brasileira, se deslocou de Vitória (ES) até São Francisco do Sul para um encontro agendado com o prefeito Luiz Zera. O chefe do Executivo não pode atender e a conversa foi com um dos secretários. Fiorot propunha a criação de um Museu da Homeopatia na Vila da Glória, no local onde Benoit Mure criou a primeira escola homeopática brasileira. Diante do desinteresse da prefeitura, o assunto não prosperou.

O escritor Victor Hugo dizia que uma boa ideia no tempo certo tende a ser vitoriosa. Mas, no caso desta reparação de guerra não é uma ideia genial, mas apenas um jogo de marketing em busca de dividendos econômicos. Só que a história está tão mal contada que pode deixar a cidade envergonhada. 


Ponte no Canal do Linguado foi substituída por aterro e pode gerar indenização.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Depredação da Rio dos Peixes é sintoma de degradação social

POR RAQUEL MIGLIORINI
Recentemente, a sede do Instituto Sócio-Ambiental Rio dos Peixes, uma OSCIP que tem como objetivo a Educação Ambiental e preservação da Bacia Hidrográfica do Rio Piraí, foi depredada e muito material foi destruído. Toda a fiação elétrica foi roubada, o telhado foi danificado (o que provocou infiltração em muitas salas) e paredes foram pichadas. Nas pichações, aparece o nome do responsável: PGC – Primeiro Grupo Catarinense.

Parece claro que traficantes e milícias que ocupam alguns bairros da cidade não se preocupariam em roubar e vender fios por uns trocados. É necessário fazer um exercício e ampliar o olhar. Esses grupos aliciam menores, moradores da periferia. Sem acesso a Cultura, Esportes e Educação Integral de qualidade, essas crianças e adolescentes são presas fáceis por não terem nada de valor ao seu redor e por não terem a alma alimentada por coisas que não estão na cesta básica. Esse vazio é preenchido com a promessa de status e dinheiro fácil que o crime organizado proporciona. O começo desse processo é o vandalismo e o roubo e venda de materiais de pouco valor.

Não há novidade aqui. Esse processo aconteceu na maioria das grandes cidades brasileiras. Chegamos ao caos extremo do Rio de Janeiro mas, proporcionalmente, Joinville não se encontra tão distante.

Existe uma receita que, se feita corretamente, nunca desanda: 
manter essas crianças com a alma tão alimentada por música, dança, teatro e todas as outras formas de arte, de modo que elas falem NÃO ao convite dos traficantes. 
Oferecer diversas modalidades esportivas para que esses jovens desenvolvam habilidades e se sintam valorizados.
Oferecer Educação de qualidade para que os pais tenham suporte e possam trabalhar seguros de que seus filhos não estão à mercê de qualquer indivíduo na rua.
Pensar a cidade da periferia para o Centro, e não o contrário. Embelezar o bairro e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos faz com que eles tenham orgulho e cuidem do lugar onde moram.

Ao compararmos essa lista com a reforma administrativa recente e com o “enterro” dos planos municipais de cultura, esporte, de meio ambiente, de saneamento básico, temos um panorama claro e triste do que acontece na cidade, longe das ruas com nomes ilustres. A atual Câmara de Vereadores chancela todos os pedidos do Executivo sem discussão e sem responsabilidade pela queda vertiginosa da qualidade de vida dos habitantes da cidade.

Pior do que os governantes não exercitarem esse olhar e adotarem essas medidas, é a fala generalizada de que só é vândalo e ladrão quem quer. Que se a pessoa quiser, ela se torna um “cidadão de bem”. E ainda, pensar no crescimento da cidade com a oferta de subempregos, sem mobilidade e moradia adequadas.

Joinville cresceu e não se deu ao trabalho de aprender com os erros seculares de outras cidades. A depredação da sede Rio dos Peixes é um pequeno sintoma que a degradação social já está em andamento na Cidade das Flores (sic).