quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Noivas de preto? Sim... essa já foi a cor

POR JANDIRA FERRAZ
Tudo é histórico. Portanto, a moda também. E hoje – a convite do blog - trago uma curiosidade que pode interessar aos leitores: alguma história dos vestidos de noiva. Sabem a tradição de que o branco significa pureza? Talvez não tenha sido sempre assim.

Há relatos de que a cor preferida das noivas até o século 19 era o preto, apesar de elas também usarem o azul, o marrom e o cinza. Se a família da moça tivesse dinheiro, não havia dúvida: era um vestido preto de seda. E tinha uma explicação. Era possível usar o vestido em outras ocasiões festivas. Havia noivas que escolhiam vestidos em preto, mas com tom opaco, porque estes podiam ser reutilizados para a missa, enterros etc.

É que naquela época, antes da Revolução Industrial, ter um vestido para usar uma única vez era um desperdício imperdoável. O problema com o branco – e as cores claras – é que sujava rápido e era pouco prático para usar em outros lugares. E não vamos esquecer que os casamentos naquela época não tinham muitos “eu-te-amos”, porque eram arranjados pelos pais como um negócio.

A coisa só mudou por volta de 1940, por causa da Rainha Vitória que, no seu casamento com o príncipe Albert, decidiu usar um vestido branco. E se a monarquia usa, então vira moda. Todos vocês, leitor e leitora, já devem ter ouvido falar em moral vitoriana, que prega a contenção sexual. Talvez seja daí a origem dessa crença: o vestido branco é sinal de pureza. Ou seja, um fato em sintonia com a “valorização” de virgindade.

E por falar em aristocracia e roupas negras, não foi a primeira vez que a cor esteve na moda. Um pequeno recuo no tempo permite encontrar o famigerado rei Felipe II, todo-poderoso na Espanha no século XVI. Era a época dos grandes descobrimentos marítimos e, por causa da riqueza do império, a corte espanhola vivia a esbanjar. Mas apesar do clima de prosperidade, as cores desapareceram do mapa.

Tudo por causa de Felipe II, um fanático religioso que deixou a Inquisição como grande marca para a história. E na hora de se vestir, adivinhem a cor escolhida: o monarca só se vestia de preto, para ficar parecido com os monges. Nessa altura os espanhóis mandavam no mundo e a cor virou uma moda mundial.

Tem outra coisa curiosa. Se o leitor e a leitora forem dar uma olhada nos retratos dos espanhóis da época vão perceber que todos usam cavanhaque. Também tem explicação. É que os homens usavam uma gola tão apertada e alta que quase chegava às orelhas. Se tivesse barba, os movimentos ficavam difíceis porque os pelos enroscavam. Foi o que fez com que os espanhóis abrissem mão da barba e passassem todos a usar só costeleta e cavanhaque.

Coisas da história e da moda.
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segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

A meritocracia é uma questão de cultura

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Um dia destes vi um documentário onde era feita uma comparação entre as expectativas de vida dos jovens nos Estados Unidos e na Dinamarca. O filme procurava mostrar as aspirações, projetos e desejos em cada um dos países. Lembro especialmente de uma comparação entre dois jovens universitários. As diferenças eram gritantes e põem em questão o conceito de meritocracia.

O estudante dinamarquês, que parecia encarar a vida de forma mais tranquila, tinha a sua própria noção de sucesso. Queria um emprego legal, mas não um emprego qualquer. Disse não estar disposto a ser um workaholic, porque valorizava muito a vida para além do trabalho. Em resumo, queria viver bem mas sem que a obsessão de ser rico ou milionário – coisa que não rejeitava – lhe desviasse o olhar.

O universitário norte-americano era água de outra pipa. Para começar, a entrevista foi feita numa marina, onde ele dizia que sonhava ter um daqueles barcos luxuosos. O objetivo de vida era ganhar o primeiro milhão de dólares. Parece que a coisa do primeiro milhão é uma espécie de milestone do sucesso lá por aquelas bandas. E ao contrário do europeu, para ele não isso de ter uma vidinha tranquila era roubada.

Esta pequena descrição é apenas para mostrar que também o sucesso é uma coisa relativa. Para uns é um objetivo, para outros é consequência. Imagino que no Brasil a maioria esteja das pessoas esteja mais inclinada para a fórmula norte-americana. Porque em sociedades como a brasileira – ainda muito marcada pelo apartheid social – o sucesso parece ter um padrão: é ter coisas que o dinheiro pode comprar. E que os outros possam ver, claro. É a tal meritocracia.

É uma questão cultural. Tem gente que confunde sucesso com dinheiro. Ou seja, você só será considerado um sucesso se isso estiver traduzido num casarão, um carrão ou viagens. O importante é ter a grana. O problema é que para muitos importam os fins e não os meios. E esse um campo fértil para aquilo que Richard Sennet chama corrosão do caráter (e que também gera o fenômeno da corrupção).

Mas para outros, como o jovem dinamarquês, o mérito reside em viver de forma tranquila. E isso faz com que a Dinamarca seja um dos países com menores índices de corrupção no planeta (o fenômeno quase inexiste) e tenha uma das melhores posições nos índices de desenvolvimento humano. Uma coisa que muitos brasileiros – em especial os defensores da tal meritocracia – têm muita dificuldade em entender.

É a dança da chuva.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Natal é o símbolo do capitalismo: consumismo, exclusão e hipocrisia

POR DOMINGOS MIRANDA
Natal é o período do ano em que os comerciantes mais ganham dinheiro. O consumismo exagerado encobre uma outra realidade. Milhões de deserdados não participam desta festa, ficam apenas com a propaganda de produtos que deverão ser comprados e presenteados para aqueles mais privilegiados. Para algumas crianças que nada receberão do Papai Noel são realizadas campanhas de solidariedade para arrecadar presentes. Mas, geralmente, quem organiza isto são aqueles empresários que pressionam os deputados e senadores a aprovarem leis que tiram direitos dos trabalhadores. Mas, o que importa, é a propaganda. A hipocrisia abre as asas.

Neste ano, com mais de 13 milhões de desempregados, muitos pais terão que explicar para as crianças que não haverá presente. E elas não entendem estas contradições. Enquanto algumas desfilam pelas ruas com seus belos presentes, outras ficam sonhando com o dia em que poderão ganhar alguma coisa. Também existem almas bondosas que fazem trabalhos anônimos em prol dos pequeninos e que às vezes são injustiçados. Como aconteceu na cidade  paulista de Itatiba, no dia 10 de dezembro.  Um comerciante da cidade  há vários anos se fantasia de Papai Noel e sai distribuindo doces pelos bairros mais pobres. Mas, este ano, como os doces acabaram, foi apedrejado.

Acho que a data perdeu, há muito, o sentido de solidariedade. Comecei a analisar melhor esta questão, em dezembro de 1983, quando trabalhava no jornal Tribuna Operária e fui fazer uma reportagem intitulada “Natal dos desempregados sem festas e presentes”. Escolhi o Largo 13 de Maio, na zona Sul de São Paulo, ponto de encontro dos trabalhadores, para ouvir as pessoas. O país passava por uma grave crise econômica, pior do que a atual. Somente nos três primeiros meses do ano foram demitidos 55 mil operários na cidade mais industrializada do Brasil. Naquela época não havia salário-desemprego e nem bolsa-família. O desemprego significava fome no lar.

Com a chegada do fim de ano aumentava a angústia daqueles que buscavam emprego. Escrevi: “Para o piauiense Amadeu Carlos da Mota, o Natal vai ser duplamente ruim: sem dinheiro e longe da família. Sentado com mais dois companheiros em um banco do Largo 13, rosto abatido, Amadeu afirma que ‘este Natal vai ser bem pior para mim porque estou desempregado’. Está  há três meses em São Paulo e deixou a mulher e os dois filhos em São Raimundo Nonato, no Piauí. Chegando em São Paulo foi trabalhar na construção civil, mas há 15 dias perdeu o emprego e agora não tem local para morar.”

Outro trecho da reportagem: “Um grupo de capoeira chega ao local para fazer uma apresentação e então se forma um círculo em volta dele. Atento às evoluções dos capoeiristas, o alagoano Arnaldo Augusto dos Santos esquece um pouco os seus problemas. Ajeitando seu boné na cabeça, ele conta que trabalhava como soldador, até ser “encostado” pelo INPS, com bronquite. Arnaldo ganha 36 mil cruzeiros por mês, tem seis filhos e diz que ‘este Natal vai ser mais difícil do que os outros. Na época que eu trabalhava, a firma dava uns presentes para as crianças, mas agora faço de conta que não existe Natal’”. No mesmo Largo 13, quatro meses depois, explodiu uma rebelião espontânea dos desempregados que parou a capital por três dias.

Ah, antes que me esqueça, no 25 de dezembro os cristãos também comemoram o nascimento de Jesus Cristo. Se aquele menino, que mais tarde morreu na cruz, morasse hoje no Brasil, com certeza, passaria por todas as privações daqueles da sua classe, dos pobres e marginalizados. O problema poderia ser resolvido se a sociedade fosse mais justa, mas isto os privilegiados não aceitam e lutam de todas as maneiras para impedir um mundo mais igualitário. O Natal perdeu qualquer significado para mim. Alguns podem se escandalizar com isso, mas escândalo maior é não sentir a angústia de uma criança marginalizada.