Nasci torcedora do Grêmio, de Porto Alegre, por obra e graça de meu pai Francisco. Muito criança, ainda, servia de antena humana para ele ouvir os jogos do tricolor pelas ondas da rádio Guaíba, que só chegavam ao pequeno receptor a luz, lá na minha Santa Maria, por força de minha intervenção, por assim dizer, eletromagnética, segurando, durante o jogo inteiro, a anteninha de arame.
Interessante começar a amar o futebol dessa forma, por pura imaginação das jogadas, ouvindo os comentários e xingamentos de meu pai e mentalizando cada passe, cada drible, cada cruzamento, sentindo disparar o coração a cada jogada mais perigosa, de “por pouco, muito pouco, pouco, mesmo”... E foi um tempo áureo, em que o Imortal foi heptacampeão gaúcho, impossível não se apaixonar... Era o Grêmio de Alcindo, o maior goleador da história do clube. E de Everaldo, como esquecer? Na copa de 70, Brasil tricampeão, lá estava nossa estrela dourada, primeiro gaúcho campeão mundial, recebido no Rio Grande como herói.
Mas, anos depois, quando cheguei à universidade, começou um hiato de décadas, entre este grande amor e eu. Envolvida em política estudantil, quase não falava de futebol que, para boa parte da minha turma, era um dos maiores fatores de alienação do povo brasileiro – a Copa de 1970, em plena ditadura militar, deixara graves sequelas ideológicas.
No entanto, lembro bem de uma menina, quando já começavam, nem assim tão alegremente, os anos oitentas. Repórter do interior gaúcho, um dia, me confidenciou que tentara, desesperadamente, ser deslocada para a editoria de esportes do jornal – e seu chefe, na terceira ou quarta tentativa, disse a ela, literalmente: “como é que eu vou mandar uma loira bonita dessas para entrevistar jogador no vestiário? E se um cara te estupra”?
A moça chorou e respondeu que um dia seria uma ótima repórter de campo. Mas voltou a fazer as pautas sobre educação e saúde. E nunca mais soube dela. Hoje temos várias jornalistas cobrindo futebol, comentaristas, juízas e bandeirinhas, uma liga feminina, excelentes jogadoras, entre elas a imbatível Marta, a melhor do mundo em exatas cinco premiações da FIFA.
Mas, nem tudo são rosas, para usar uma expressão quase politicamente incorreta. E um fato recente, envolvendo o técnico do arquirrival Internacional, hoje na série B, ressuscita antigas dores. Guto Ferreira, desconfortável com um questionamento da repórter Kelly Costa, da RBS TV, disse que não responderia com outra pergunta porque ela “é mulher e não jogou”. Pouco depois, pediu desculpas, mas o estrago já estava feito. Não. As mulheres, como em muitos redutos ainda quase exclusivamente masculinos, não se equiparam ao homem também no quesito futebol. E os salários? Ó...
Ana Ribas Diefenthaeler é gremista,
jornalista e editora do blog
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