segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Mais do mesmo... e o mesmo é muito ruim




POR JORDI CASTAN
"Para amostra serve um botão". O dito popular é perfeito para que o joinvilense possa ir se acostumando ao que vem por aí. Aquilo que potencialmente tem tudo para ser mais quatro anos de nada, de ausência total. É certo que ainda há uma parcela importante da população desejosa de acreditar que, nos próximos quatro anos de mandato, o prefeito Udo Dohler fará tudo o que prometeu. E até o que não fez nos quatro primeiros anos.

O transporte é um exemplo de como a inépcia é parte inseparável desta administração. Dos R$2,2 milhões contratados em 2014 com o Governo Federal, para instalação de mais de 600 novos pontos de ônibus em Joinville, até agora foram gastos apenas R$ 417 mil. E na pesquisa mais recente sobre qualidade do transporte, publicada no ano 2015, o conforto dos pontos de ônibus tirou a nota mais baixa entre 15 itens avaliados.

Seguindo com o transporte público a coisa esta tão feia que até quem tem direito a viajar gratuitamente está desistindo. Em 2005, o número de gratuidades era de 500 mil ao mês. E agora,  segundo os dados apresentados pelo IPPUJ, há apenas 350 mil passageiros com direito ao transporte gratuito.

O joinvilense até torce para que as coisas corram bem. No fim das contas, é aqui que moramos e esta é a cidade que escolhemos para prosperar. Ninguém gosta de ver Joinville neste estado de abandono. Mas é bom que se diga: não há motivo para supor que haja algo que se pareça a mudanças, desenvolvimento e progresso. Ao menos não pela mão do poder público. Não há como acreditar que se produza um milagre. Ou seja, que de uma hora para outra o prefeito mude sua forma de agir e assuma um perfil dinâmico, arrojado e moderno. 

Claro, a menos que aconteça um milagre, como o que converteu a Saulo de Tarso a caminho de Damasco, e que o prefeito caia do cavalo e veja a luz. Porque de resto o quadro que se apresenta está bem definido. Os nomes e o perfil do secretariado, o discurso e as atitudes, auguram mais do mesmo. E mais do mesmo e é muito ruim.

É comum confundir o que gostaríamos que sucedesse com o que de fato pode e deve suceder. A inoperância da sua primeira gestão deve continuar e até ser agravada. É bom que não se esqueça que, pelo fato de haver promessas novas, algo venha a acontecer. Numa visão otimista, no melhor dos casos o prefeito pode fazer em dois mandatos o que não foi capaz de fazer em um.

No primeiro mandato, o atual prefeito se elegeu com o discurso que não faltava dinheiro. Insistia que o problema era a falta de gestão, levando ao eleitor a acreditar que ele seria o gestor que resolveria os problemas da cidade. Agora o discurso é mais comedido, com menos promessas e menos metas. Assim o eleitor que votou nele terá menos para se decepcionar ao final do mandato. O quadro, que já era cinzento, ficou dois ou três tons mais escuro. 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Sem Fundação, sem fundamento


POR RAQUEL MIGLIORINI

O prefeito reeleito de Joinville, Udo Döhler, anunciou seu “novo” secretariado para a gestão 2017/2020. Vou me ater a apenas dois desses nomes: o presidente da Fundação Cultural de Joinville e da Fundação Turística, Raulino Esbiteskoski, e o secretário da Secretaria do Meio Ambiente, Jonas de Medeiros.

O primeiro não tem ligação alguma com a área cultural (nem tampouco com a turística, diga-se de passagem) e, na primeira gestão, não disse a que veio. O segundo é um desconhecido dos joinvilenses. É professor universitário e tem formação em gestão pública, o que é um ponto positivo. Pela complexidade da Secretaria que comandará, será necessário doses de humildade para entender e acatar o que os técnicos da Secretaria do Meio Ambiente disserem sobre  a complexa teia ambiental aonde  Joinville está inserida.

Sou otimista! Vai que ele se encante pelo assunto (como mostra seu perfil  no Linkedin) e resolva tratar o Meio Ambiente com seriedade e não como um balcão de negócios.

A ligação entre os dois está na continuação do projeto do prefeito em extinguir as Fundações.

A base para tais projetos, como ele mesmo disse em entrevista recente no Jornal Notícias do Dia (que descanse em paz), é a Lei Federal n. 13019/2014, que entrará em vigor no final de Janeiro de 2017, após ter sido adiada duas vezes. Essa lei trata das parcerias realizadas entre a Administração Pública e entidades do terceiro setor, antes denominadas ONGs, e previu a substituição dos antigos convênios por termos de colaboração e termos de fomento. 

Ocorre que isso é apenas entre os governos, em todas as esferas, e entidades privadas. Explico: o senhor Udo Döhler disse que fundações não fazem mais sentido pois os repasses do Governo Federal ou Estadual, ou ainda qualquer outra fonte, não poderiam mais ser realizados. Mudou para a iniciativa privada. Nossas fundações são públicas, ligadas ao governo municipal.

Em Fevereiro próximo, a Câmara de Vereadores analisará a fusão das Fundações Cultural e Turística, transformando-as em secretarias. Espero, sinceramente, que a nova Câmara de Vereadores use análise crítica para ver que:

1. A extinção da Fundação Municipal de Meio Ambiente não ajudou em nada. Faltam fiscais nas ruas. Faltam programas de preservação das Unidades de Conservação e Áreas de Preservação Permanentes. Faltam programas de Educação Ambiental modernos e eficientes. Falta monitoramento ambiental.

2. O discurso usado pelo prefeito é baseado em informações falsas. Se quer extinguir, que mostre números, dados suficientes para embasar a idéia. Somente extinção de cargos não é suficiente porque é possível fazer isso sem extinguir fundações. Para quem diz entender de gestão, é preciso e urgente repensar conceitos e reciclar idéias.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Formação de leitores críticos é a peça-chave contra o fim dos jornais

POR FELIPE SILVEIRA
Algumas pessoas trataram o fim do jornal Notícias do Dia (de Joinville) como aquela velha discussão sobre o fim do jornal impresso. No entanto, este debate não serve aqui. Afinal, não foi o impresso que fechou, mas o jornal inteiro. Cabe a nós, portanto, conversar sobre algo mais grave que o fim da circulação do maço de papel. A discussão que vale é sobre nossos novos hábitos para adquirir informações e tomar decisões a partir delas.

O colunista José António Baço abordou alguns aspectos que explicam o fim do ND aqui no Chuva Ácida. A falta de um bom produto jornalístico certamente contribuiu para o apequenamento e a extinção do jornal. Havia, sim, ótimas matérias e ótimos jornalistas (que passaram e ainda estavam por lá), mas um jornal precisa de mais do que isso. Precisa mostrar, todos os dias, que é um defensor do público, que é uma pedra no sapato dos poderosos e que é uma fonte de informação de primeira para o leitor. E infelizmente os jornais não são assim. O diagnóstico do Baço sobre as elites e os jornais é certeiro.

Mas eu quero abordar outro aspecto sobre a falta de leitores com uma pergunta: qual é a responsabilidade de uma cidade (sociedade) quanto a formação de leitores?

São novos tempos e o problema da “pós-verdade”, a palavra do ano passado de acordo com o dicionário Oxford, não é só nosso. Mas uma sociedade precisa resolver seus problemas à medida que eles aparecem. As pessoas cada vez mais se desinformam por páginas mal intencionadas ou simplesmente mal feitas. Cada vez mais se desinformam pela imensa atenção que se dá a questões menores da vida. Cria-se uma falsa impressão de que a sociedade está bem informada pela quantidade, mas há um sério problema qualitativo. Sou um defensor das redes sociais e me informo por elas também, mas é inegável que elas agravaram a situação informativa no país e no mundo, trazendo sérias consequências políticas. O mercado de mentiras é imenso e funciona. É comum, por exemplo, que campanhas endinheiradas contratem gente para criar e espalhar boatos e piadas sobre outros candidatos nas eleições.

Mas como a sociedade assiste a tudo isso? Passivalmente, esperando que a democracia vá para o ralo? É necessário que façamos algo no sentido contrário.

Não tenho as respostas, mas três medidas me parecem urgentes. A primeira é que as casas legislativas do país proponham o debate com a sociedade, de modo que boas soluções possam surgir. A segunda é que os meios de comunicação enfrentem a questão, inclusive com campanhas que estimulem a formação crítica da sociedade. Por fim, é preciso trabalhar a questão da mídia na escola. A formação de leitores críticos é a chave para uma cidadania plena, que valorize a democracia e os Direitos Humanos, que busque a igualdade e não seja vítima de mentiras que estão tomando o lugar das boas informações.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O ND e a imprensa joinvilense na encruzilhada















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
A morte de um jornal nunca é boa notícia. E o fechamento do ND - Notícias do Dia Joinville vem deixar a cidade ainda mais depauperada no plano cultural. Mas neste caso a notícia foi recebida com uma certa indiferença e fica a parecer que as pessoas não entenderam o alcance da perda. A discussão limitou-se praticamente às pessoas ligadas aos meios de comunicação... e apenas no dia do anúncio.

Há a visão objetivista do mercado, que traz uma equação simples: não dá lucro, fecha. Mas a questão é mais complexa e merecia uma reflexão de todos os que se preocupam com a cultura na cidade. Sim, jornalismo é parte da cultura. Aliás, por isso nem estou a falar dos responsáveis do poder público, que confundem cultura com agenda de eventos. É importante refletir sobre os fatos que fizeram a cidade chegar a este ponto.

A repercussão do fechamento do ND limitou-se a uns posts nas redes sociais e pouco mais. Quer dizer, as reflexões não passaram de fogachos. No dia seguinte, as pessoas voltaram a cuidar das próprias vidas e o tema desapareceu. Aliás, esse comportamento deveria ser parte central na discussão. A desimportância que se atribui ao fim de um jornal é sintoma de um mal estar na cultura.

Eis a visão do mercado. Para sobreviver, um jornal precisa, em média, de 50% dos recursos provenientes da publicidade (há variações). A sustentabilidade tem um elevado preço. Por mais que os diretores do jornais recusem, é inegável que o anunciante tem o poder sobre o plano editorial. E o pior. Os jornais – os catarinenses, com certeza – não sobrevivem sem a publicidade dos governos. E tornam-se reféns dos políticos.

Mas as verbas publicitárias migraram para outros meios e deixaram muitos jornais de pires na mão. Para os otimistas, a solução poderia vir do aumento de leitores. Mas não. Porque temos a tempestade perfeita. Os jornais, dependentes de empresários e políticos, começaram a mostrar medo dos leitores. E passaram a adaptar as suas linhas editoriais às auscultações feitas pelos seus departamentos de marketing. Ou seja, viraram panfletos.

Eis a tragédia editorial para os jornais com menores recursos. Porque passaram a publicar apenas o que esses “stakeholders” esperam. O projeto passa a ser linear, previsível e incapaz de produzir (é mais que atrair) novos leitores. Lembro de ter lido que 72% dos brasileiros sabem das notícias nas redes sociais. É culpa das novas tecnologias, mas também da fragilidade dos projetos editoriais. A falta de adaptação é a tinta que escreve o epitáfio.

Mas como fica o panorama da imprensa em Joinville? O ND era um concorrente direto do jornal A Notícia. Sendo um challenger, mesmo com menor dimensão, não deixava o líder dormir em berço esplêndido. Lembro de, certa vez, ter ouvido de um responsável do ND que havia um prazer especial em dar um furo no A Notícia. Era uma forma de mostrar que, mesmo com menos recursos, era capaz de fazer o líder levantar a guarda.

O problema é que a vida é ainda mais difícil numa cidade onde o establishment não se interessa por jornais. Para as “elites” da cidade, um jornal tem que ser um panfleto que reproduza a sua forma de vida. Sem marolas. Sem perguntas. Sem contraditório. Se tem coisa que essa gente odeia são as ideias que gerem controvérsia. O que se espera da imprensa é que fique em sintonia com o provincianismo bacoco das suas elites.

Ao longo de décadas o jornalismo joinvilense tem sido feito para introjetar o conservadorismo das elites em toda a sociedade. O jornalismo se deixou moldar pelo conservadorismo local, quando a função é exatamente o contrário. É trazer coisas novas, promover o debate e ajudar os leitores na compreensão dos fenômenos. Enfim, durante décadas a imprensa tem se contentado em ser a voz do dono. Ou dos donos.

É uma encruzilhada de morte. O problema dos jornais joinvilenses não é só o mercado. É também a cultura.

É a dança da chuva.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Os homens que não amam as mulheres













POR CECÍLIA SANTOS

Um jornalista e uma hacker investigam o desaparecimento misterioso da sobrinha de um milionário há 20 anos, e no caminho desvendam uma série de assassinatos de mulheres cometidos com requintes de sadismo, pelo mero prazer de matar. Várias das vítimas são prostitutas de países do Leste Europeu, mulheres de quem “ninguém vai sentir falta”, segundo um dos assassinos. É a trama do primeiro livro da Trilogia Millenium, do autor sueco Stieg Larsson, cujo título é “Os homens que não amavam as mulheres”. 

Eu não quero falar sobre a chacina de Campinas, mas sobre como homens que comentam em redes sociais e portais de notícias estão encontrando justificativas para o assassino, ressuscitando o velho crime de honra, culpando a vítima pela morte premeditada e covarde de toda uma família.

São comentários de embrulhar o estômago. Há homens que defendem a submissão da mulher, outros colocam a mão no fogo pelo assassino quanto à acusação de que ele teria abusado sexualmente do filho. Isso é que é camaradagem entre machos.

Mas, segundo muitos, o grande culpado pela chacina é o feminismo. No balaio de sérias deturpações da realidade contidas nas cartas deixadas pelo assassino (que mistura a política nacional, o sistema prisional, os impostos e os direitos humanos), o ódio do assassino de Campinas não é dirigido apenas à ex-mulher, mas às mulheres que a apoiaram.

E eu sinto muito, mas é justamente isso que o feminismo faz: nós nos apoiamos umas às outras, fazemos o possível para que mulheres não sejam assassinadas, acolhemos as que sofrem violência e lutamos todos os dias contra a opressão de gênero. É até constrangedor explicar que o feminismo não quer colocar as mulheres acima dos homens, quer apenas que os homens parem de nos matar.

Não somos nós que destruímos famílias, o que destrói é a prepotência dos homens que não aceitam que as mulheres sejam tratadas como pessoas com direitos, vontade própria e autonomia. É compactuar com a misoginia dos amigos e relativizar ou justificar o feminicídio.

Os agressores de mulheres e feminicidas não são monstros, são apenas filhos saudáveis do patriarcado, gente que você encontra no elevador, no trabalho, na igreja, no bar, que até parecem ser bons maridos e pais de família, mas que, quando contrariados, são apenas homens que não amam as mulheres.

Tragédia em Campinas: “Chega!! Ela tem que pagar pelo que fez”















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Um dos danos colaterais do mundo digital é que os idiotas ganharam voz. Ok... numa democracia eles também têm direito à expressão. É democrático, mas perigoso. A idiotia espalhada pelos facebooks, twitters ou mesmo nos comentários de blogs acaba virando uma mantra no qual muitos se reveem. E repetem. Todas essas vozes juntas ganham uma ressonância que faz parecer um discurso, quando é apenas algaravia. 

Tudo isso para falar no terror em Campinas e no homem que matou a ex-mulher, o filho e mais 10 pessoas durante a passagem de ano. Como quase sempre acontece nos casos de suicidas, o cara deixou uma carta. Os manuais de redação ensinam que não se deve publicar o conteúdo de bilhetes ou cartas de suicidas. Mas neste caso faz sentido. Afinal, o homem demonstra ter um perfil muito próximo do que se tem nas redes sociais. 

Era mal informado. “... na verdade já estou preso na angustia da injustiça, além do que eu preso, vou ter 3 alimentações completas, banho de sol, salário, não precisarei acordar cedo pra ir trabalhar”.

Era alienado. “Cadê os ordinários dos direitos humanos? Estão sendo presos por ajudar bandidos né? Paizeco de bosta”.

Era machista. “A vadia foi ardilosa e inspirou outras vadias a fazer o mesmo com os filhos, agora os pais quem irão se inspirar e acabar com as famílias das vadias. As mulheres sim tem medo de morrer com pouca idade”.

Era violento. “...vou levar o máximo de pessoas daquela família comigo, pra isso não acontecer mais com outro trabalhador honesto”.

Era louco de pedra. “Agora vão me chamar de louco, más quem é louco? Eu quem quero justiça ou ela que queria o filho só pra ela? Que ela fizesse inseminação artificial ou fosse trepar com um bandido que não gosta de filho”.

Pensava ser honrado (mais que os outros). “Eu morro por justiça, dignidade, honra e pelo meu direito de ser pai!”.

O assassino tem um perfil igual ao de milhares de pessoas que, todos os dias, inoculam desinteligência no espaço digital. E forma-se um caldo de cultura de intolerância, iliteracia e ódio. O pior é que essa gente de bem crê ter uma moralidade acima dos outros. Nem é preciso ir longe: lembram do assassino do ambulante do metrô, que disse não ser “má pessoa”? Eis o perigo. Há uma óbvia corrosão dos valores. 

Culpa das redes sociais? Claro que não. Há outros fatores, claro. Mas é inegável que elas são o espelho de uma sociedade cada vez mais débil e dominada pela ignorância. Porque a cultura do ódio tornou-se parte do código genético das redes sociais. E transportam um risco potencial. Porque, como escreveu o assassino, “na verdade somos todos loucos, depende da necessidade dela aflorar!”.

É a dança da chuva.


Reação típica dos lunáticos da cultura do ódio. Um culpa a esquerda, outro quer armar a população



Els caganers... ou os cagões



POR JORDI CASTAN

Os presépios são típicos desta época do ano. Reproduzem a imagem fantasiada do momento e do lugar em que de acordo com a tradição nasceu Jesus. Há países e culturas em que a construção do presépio ganha sofisticação e requintes de obra de arte, mas também são uma forma de expressar a cultura popular. Na Catalunha, Espanha, é comum encontrar escondido em algum dos cantos do presépio o “caganer” (em português, o cagão), uma figura icônica do presépio popular. A criança achar o “caganer” era um atrativo adicional a fascinação que exerciam os presépios.




Hoje além do “caganer” vestido com a barretina tradicional, o mercado oferece centenas de alternativas, de políticos a atores, de jogadores de futebol a personagens do imaginário popular. Há nestes “caganers” modernos uma representação do protesto, a imagem dos que fazem ou fizeram cagadas. A escolha de políticos não é aleatória e não há homenagem neste caso.  Há na figura do “caganer” tradicional essa mistura tão comum na cultura mediterrânea de irreverencia com o respeito, de juntar num mesmo momento a seriedade com o deboche.

É este equilíbrio pendular entre os dois extremos o que permite que num mesmo presépio convivam anjos anunciando o nascimento de Jesus e “caganers” escondidos detrás de uma moita. É a mais pura reprodução da nossa realidade quotidiana: enquanto uns vivem a sua vida diária, há os que não podem evitar fazer o que todos os “caganers” fazem. Hoje os “caganers” representam mais, representam o protesto da sociedade com os que fizeram cagadas. Convivem, assim, os dois conceitos: a crítica e a homenagem. 





Há na figura do “caganer”, mostrado com as calças abaixadas e defecando, uma forma de protesto frente ao “status quo” e suas normas e regulamentos. O “caganer” é a figura fora de lugar na imagem idílica do presépio, é o "outsider". A sua figura rompe a imagem idílica da paisagem perfeita, a sua presença humaniza e dessacraliza a representação do nascimento de Jesus.

O objetivo inicial de reproduzir a imagem da manjedoura, da Virgem e de São José, acompanhados do boi e do asno que, de acordo com a tradição cristã, seriam a fiel imagem daquela noite de dezembro faz mais de dois mil anos. A imaginação, a habilidade, a técnica e os meios disponíveis tem sofisticado os presépios que contam com rios de aguas límpidas, com pastores e seus rebanhos, com agricultores e suas hortas e campos de cultivo, com caravanas de reis magos que cada dia se aproximam um pouco mais para que sua chegada coincida com a noite do 5 de janeiro, quando de acordo com a mesma tradição os reis chegaram a Belém e fizeram as suas oferendas. Hoje graças ao "espírito natalino" convivem lado a lado, em alguns países, o Papai Noel e Melchior, Gaspar e Balthazar.

Os brinquedos são a versão moderna do ouro, a mirra e o incenso, mas a lógica sempre foi que os mesmos reis magos que trouxeram suas oferendas para o "menino deus", seguissem desempenhando a mesma tarefa e presenteassem a todas as crianças com os seus presentes. A disputa entre a crescente pressão comercial do natal liderada pelo omnipresente Papai Noel deve se considerar vencida pelo marketing mais agressivo e bom velhinho. Até porque as crianças de hoje não querem ficar esperando quase duas semanas a que cheguem os reis e seus pagens montados em camelos, que na verdade são dromedários, trazendo os brinquedos.

Em tempos em que o tempo é dinheiro, ninguém gosta mais de três velhinhos que chegaram atrasados. As crianças e os adultos seguem buscando os “caganers” escondidos, ou nem tanto, num canto do presépio. Até porque não faltarão nunca os que vivem fazendo o que os “caganers” fazem com tanta propriedade.