quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Eu escolhi esperar
















POR FILIPE FERRARI


O assunto dessa semana nas redes sociais foi o famigerado teste da Fátima Bernardes de escolher salvar a vida de um policial levemente ferido, ou de um traficante em estado grave. Pouparei fazer qualquer crítica ao programa, já que este atingiu seu objetivo: estar sendo comentado no maior número de mídias possíveis. A polêmica é sempre a melhor forma de propaganda. 

O que chama a atenção nesse processo é a reação das pessoas, prontas a montar campanhas ferozes, dizendo que escolhem o policial com placas, hashtags, vídeos do Bolsolouco. Já outras, correram compartilhas memes e imagens de Jesus e o centurião que o torturava, perguntando se salvariam o criminoso ou o agente do Estado (essa, devo admitir, eu gostei por conta da inteligência e da subjetividade, pois muitos que defendiam que o traficante deveria morrer eram “cristãos”). 

Não vou entrar aqui na discussão inútil que é salvar alguém levemente ferido ou alguém correndo risco de morte. Para isso, o juramento de Hipócrates já nos esclarece o que deve fazer o médico: “Não permitirei que considerações de religião, nacionalidade, raça, partido político, ou posição social se interponham entre o meu dever e o meu Doente”. Não vou nem mesmo entrar no circo midiático que é a questão da guerra civil proporcionada pelo tráfico e pela Polícia Militar, colocando pobres e praças no centro de um conflito absurdo, sendo eles as principais vítimas da chamada “opinião pública”. 

Pessoas se comportam e abraçam causas de uma maneira apaixonada, última, como se realmente tivessem condições e aptidão mental e social para fazer uma escolha como essa. Estudantes de medicina passam por duas ou três cadeiras de ética médica, onde as discussões circulam por entre filósofos, teólogos e sociólogos acerca da dignidade humana, da condição do ser, da efemeridade versus a importância da vida. E as pessoas achando que tem poder de escolha. Mesmo que as pessoas pudessem escolher, quem disse que elas tem tal capacidade? Tem gente que escolhe pastor ruim, cônjuge ruim, time ruim, partido ruim. 

Aliás, tudo hoje se solidifica em duas possibilidades, que nos coloca contra a parede e nos obriga a ter escolhas, apoiar lados, vejamos só: 

- Salvar o traficante ou o policial?; 
- Dilma ou Aécio?; 
- Trump ou Hillary?; 
- Binário da Santos Dumont ou duplicação?; 
- Jean Willys ou Bolsonaro?; 
- Comunismo ou capitalismo?; 
- Escola sem Partido ou Doutrinação Marxista?; 
- Golpe ou democracia?; 
- Bruna Marquezine ou Camila Queiroz? (esse, era o debate de alguns alunos meus ontem). 

A bem da verdade é que 99,8% da população mundial jamais terá realmente qualquer oportunidade de realmente ter poder de escolha sobre algum desses itens. E mesmo que tivesse, é necessário entender que o mundo não é binário, existindo uma miríade de possibilidades que se fazem presentes no dia a dia. 

Eu, que tenho dificuldades sumárias em tomar decisão, e que patino quando tenho que escolher entre vinho e cerveja (essa mistura não rola), e estou diante de uma polêmica como essa, tento a decisão mais sábia possível: eu escolho esperar.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Em defesa do binário da Santos Dumont

O "Minhocão" de Boston foi
transformado em parque público
POR FELIPE SILVEIRA

Parece loucura defender o binário da Santos Dumont com a Tenente Antônio João hoje, dia em que narrativas do caos instalado chegam de lá. Mas Arquitetura e Urbanismo é uma área que muito me interessa e o pitaco social deve ser sempre bem-vindo às obras públicas.

Quem acompanha a discussão urbanística sabe que há pelo menos duas visões em disputa. A primeira, tradicional, é o desenho de uma cidade para os carros, cheia de vias, cada vez mais largas, viadutos e elevados. Nessa cidade, todos têm carros, mais de um de preferência, e a cidade está a mil por hora. A outra é uma cidade para pessoas, com menos vias, mas mais opções de modais. Nesta cidade, andar a pé, de bicicleta e de transporte público são boas opções. Você ainda pode usar o carro, mas somente se for a opção mais adequada para a sua necessidade. A cidade é mais calma, tranquila e leve. O urbanismo, na minha visão, atua na construção dessas duas cidades a partir da visão política e da força dos agentes que atuam no desenvolvimento da cidade.

Chegamos, então, ao debate sobre o binário. A obra já estava planejada no governo Carlito, quando foram contra por causa do tesão em elevados, duplicações e viadutos. Um prefeito se elegeu e outro candidato foi ao segundo turno com essas promessas. Mas, conforme previsto, a duplicação da avenida se tornou inviável. Caríssima e impossível (fosse possível tava feita), tornou a região um inferno por mais de três anos, quando sobrecarregou duas vias que já estavam nos seus limites (Dona Francisca e Tenente).

Volta o binário à cena. Eu realmente não sei o que está emperrando o trânsito no local, se é apenas a mudança que leva tempo para adaptação ou se há de fato algum problema estrutural que precisa ser resolvido. Creio que não podia haver um semáforo no final da Tenente, quando chega na Santos Dumont. Na obrigação de existir, precisa ficar mais tempo aberto pro pessoal que vem da Tenente. Ali que precisa fluir. Ah, uma observação: o caos que era a volta para o centro pela Dona Francisca e pela Tenente foi praticamente esquecido.

A palavra que importa aqui é fluir. O que precisa ser resolvido são gargalos, cruzamentos, saídas, entradas. Você não precisa de muito mais espaço para carros nas vias, mas precisa resolver os cruzamentos das mesmas. E isso se faz com rótula, binário, mão inglesa. Obras relativamente baratas e eficazes.

Por isso que a duplicação do trecho entre a Univille e a Tuiuti é um erro. O trânsito é fluído neste trecho, mas para justamente nas cruzas. Uma boa rótula seria muito melhor do que o trambolhão do elevado da Tuiuti, assim como seria ótima no cruzamento que envolve o início (agora fina?) da Santos Dumont, a saída da João Colin, o começo da Blumenau e da General Câmara e o meio da Dona Francisca.

Não é de bobeira que as cidades mais modernas do mundo, como Boston, estão derrubando seus elevados e construindo parques no lugar. Tudo isso sem falar da superioridade do transporte coletivo e das potencialidades da mobilidade cujo corpo é o próprio motor.

"Hail Trump!", grita extrema direita dos EUA

POR ET BARTHES

O presidente eleito Donald Trump já rejeitou qualquer ligação ao grupo de extrema-direita “all-right”. No entanto, correm o mundo as imagens em que os manifestantes fazem a saudação nazista aos gritos de “viva Trump, viva o nosso povo, viva a vitória”. Os integrantes do grupo vão mais longe, ao afirmarem que os Estados Unidos são um país branco, criado pelos brancos e que deve pertencer aos seus filhos brancos. Mesmo que não entenda inglês, os gestos são claros.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

A história de Rosangela Müller e outros idiotas

















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Rosangela Elisabeth Müller. Reconhece o nome? Talvez não. E se eu disser que é a mulher que confundiu a bandeira do Japão com a bandeira de um Brasil comunista? Aí fica fácil lembrar, né? Afinal, o vídeo publicado pela tal senhora nas redes sociais é um dos maiores micos que as nossas cansadas retinas já tiveram o desprazer de ver neste (ainda insipiente) século.

Por que falar na senhora? Ora, porque ela é arquétipo pronto e acabado da estupidez que assola o enorme circo político chamado Brasil. Rosangela é uma espécie de ponta de lança de um time que se orgulha da própria ignorância e faz da desinteligência uma forma de vida. Esse tipo de gente sempre existiu (todos conhecemos alguém assim), mas as redes sociais criaram o palco perfeito para as suas necedades.

Mas quando essa esquizofrenia invade a esfera pública, é preciso estar atento. Porque essa gente é violenta, anti-intelectualista, irracional e ignorante. Parecendo ser apenas picarescos, são perigosos. Porque são hospedeiros para o vírus da doença chamada fascismo. Sob a aparência de inofensivos palhaços, aos poucos vão inoculando esse veneno na sociedade. Nunca se deve menosprezar o poder de despertar fascismos adormecidos.

A rejeição do pensamento está a viver o seu período de ouro. Os irracionalismos pululam aqui e acolá por todo o mundo. Mas no Brasil a febre está a atingir os estertores. E nem  é preciso ir longe para encontrar as explicações. A história recente mostra que o antipetismo, um sentimento insuflado pelas elites e pela velha mídia, acabou por se tornar uma corrente política. E o antipetismo vem recheado de anti-intelectualismo.

Eis o problema. O antipetismo é uma fórmula simplória que, bem ao gosto dos fascismos, desconhece a complexidade da política. Ou seja, há uma sanha simplificadora que obriga a ver tudo em preto e branco, com um discurso construído através de clichês mal amanhados. Tudo isso, claro, mergulhado em boas doses de ódio. E é aí que mora o risco para a democracia.

Por que Rosangela é perigosa? Porque é uma idiota motivada. É o tipo de gente que vê o mundo com viseiras a tapar a visão periférica. Há uma espécie de glaucoma político. Em tempos de digital fica mais fácil Rosangela se mostrar, mas também fica mais difícil esconder a estupidez. Quem der uma passadinha pelo perfil de Facebook da senhora vai ver uma pessoa a perseguir delírios. Desde a paródia de gestos militares (bater continência) até, claro, admirar o sobrenome “Bolsonaro”.

Há gente a prever que as próximas eleições no Brasil serão entre a direita e a extrema direita. É um risco. E Jair Bolsonaro, representante do que há de mais atrasado em civilização, é um nome a ter em conta. “Não, isso não vai acontecer”, pensarão o leitor e a leitora que ainda acreditam na razão. Talvez. Mas os episódios recentes, em especial no caso de Donald Trump, nos Estados Unidos, são um aviso: se cochilar o cachimbo cai.

Como alguém já disse, o preço da liberdade é a eterna vigilância.

É a dança da chuva.



segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Santos Dumont: um show de improvisação e enrolação


POR JORDI CASTAN
O foguetório com que foi recebida a ordem de serviço da duplicação da Avenida Santos Dumont fazia parte do espetáculo para encantar iludidos. Os atores da peça sabiam que era tudo mentira, pura encenação. A obra não seria executada como estava sendo previsto, custaria muito mais e não ficaria concluída no prazo. Bem do jeito que estas coisas são feitas por aqui.
O edital da duplicação, lançado pelo governo do Estado, em 15 de agosto de 2012, previa um custo de R$ 66 milhões para a duplicação com duas pistas de três faixas em cada sentido, com rotatórias e ciclovia ao longo de toda a extensão. Tudo isso em 24 meses de prazo para entrega da obra. Sempre tem quem acredita nestas lorotas e aplaude os inflamados discursos em palanque de lançamento de edital, primeiro, e de entrega da ordem de serviço, depois.
A licitação foi vencida pela Infrasul para implantar o projeto original, por R$ 47,9 milhões. O preço ficou abaixo dos R$ 61 milhões previstos no edital. No mundo da ficção em que vivem os nossos políticos, as desapropriações foram orçadas em R$ 25 milhões nesse mesmo ano, 2012, de acordo com o cálculo feito pela Prefeitura.


Olhando com a perspectiva de hoje fica claro que os técnicos da Prefeitura devem ter usado ou a quiromancia ou outras artes divinatórias, porque em março de 2015 a ADR - Agência de Desenvolvimento Regional estimou o valor das desapropriações em R$ 48 milhões e informa do valor de R$ 55 milhões, com dois elevados na Tuiuti e na Arno Valdemar Dohler Neste projeto, os números aumentam em proporção inversa à área realmente duplicada. 
O que era para ser uma via duplicada com 8 quilômetros de extensão e 6 faixas, três em cada sentido, se converteu num remendo que foi ficando mais e mais caro. Na revisão do projeto original foi reduzida a largura da pista e o numero de faixas. 
O que fica evidente hoje é que a Prefeitura nunca teve um projeto executivo completo e se lançou numa aventura sem saber quanto custariam as desapropriações. O prefeito declarou ao jornal A Notícia que “que alguns casos devem exigir decisões judiciais e a questão será analisada durante o levantamento dos terrenos que precisam ser comprados.” Puro achismo. Chute. Pior ainda porque a Prefeitura já sabia na época que não contava nem com os R$ 25 milhões previstos para as desapropriações. E mesmo assim se lançou na aventura, contando com que os proprietários fariam doações em troca de nada.



A estratégia adotada por Cobalchini em conversa com o prefeito Udo Döhler (PMDB) e empresários, ainda antes da eleição de 2012, foi na verdade a de dar o pontapé inicial em etapas práticas e ao seu alcance, como a licitação e a ordem de serviço, a fim de pressionar para que fases burocráticas sejam agilizadas. No que alguns consideram um exemplo de planejamento e gestão e outros um caso grave de empulhação.



No projeto original estavam previstos quatro elevados que agora se converteram em dois -  um para o cruzamento com a rua Tuiuti e outro para o encontro com a Arno Döhler. Em abril deste ano o secretário do estado João Carlos Ecker informou que o valor da duplicação é de 48 milhões e 22 milhões só para o elevado. Hoje é dia de celebrar o recape da Rua Tenente Antônio Joao e a duplicação mais cara e inútil já feita na Rua Dona Francisca entre a Rua Joao Colin e a Arno Waldemar Döhler.
Nem vou polemizar com o atraso da obra. Nem com os acidentes e as mortes que já ocorreram pela péssima sinalização. Nem o questionável que é gastar todo esse dinheiro numa obra que não era prioritária, que mais pareceu, na época, o desejo de algum ex-presidente da ACIJ para chegar mais rápido ao aeroporto. A única certeza hoje é que não sabemos quanto vai custar e quanto tempo ainda vai durar a obra. O que não deve surpreender, porque prazos e preços não tem sido o forte da gestão municipal desde faz décadas.



sábado, 19 de novembro de 2016

Foge, Temer, deixa Satã para trás...

POR ET BARTHES


O Brasil é um país em transe. O deputado Cabo Daciolo avisa Michel Temer para abandonar o satanismo. Não haveria problema se a cena tivesse ocorrido numa igreja. Mas num parlamento significa que o país efetivamente está a alucinar.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

A propaganda tem voz, nós não


POR FELIPE CARDOSO

O vídeo do governo paranaense sobre o racismo viralizou na Internet e acendeu, mais uma vez, o debate sobre raça e racismo no Brasil. Muitos compartilhamentos e elogios à propaganda elaborada para combater o racismo.

Um dos comentários vistos foi que o “governo do Paraná esfregou na nossa cara o racismo”. Como assim?

Não, não estou criticando a propaganda. Gostei e acho importante a existência dela. Sei do seu poder e sim, acredito que devemos levar e propagar a luta antirracista em diversos meios. A problematização é outra.

Parabenizar o governo por fazer o seu papel em promover a justiça e a igualdade é um tanto quanto preocupante. Dizer que o governo paranaense esfregou na nossa cara o racismo é de uma desonestidade sem tamanho.

Essa propaganda é resultado da militância e luta dos movimentos e coletivos negros, de intelectuais negros. Essa luta não é de hoje. Não é de agora que  denunciamos a nossa estereotipagem negativa e o racismo institucional existente no Brasil e no mundo.

Então dizer que o governo do estado do Paraná promoveu algo revolucionário é injusto e mostra um pouco da face da "branquitude" (privilégio branco).

A repercussão da propaganda deixa evidente o quanto as vozes de milhões de negros e negras ainda não valem. É preciso que pessoas brancas façam e demonstrem como é.

Mas quando é um texto de uma mulher negra comentando que sofreu racismo em sua entrevista de emprego, ou que perdeu a prova do ENEM, pois não pode utilizar seu turbante, é tudo “mimimi”. Quando falamos que negros são maioria dos desempregados, quando falamos no genocídio e encarceramento da população negra é vitimismo. Quando falamos da importância de cotas, quando denunciamos a falta de representação em espaços de poder já estamos querendo muito.

Mas daí quando surge uma propaganda que mostra pessoas brancas explicitando tudo o que relatamos diariamente, daí ela esfrega na nossa cara o racismo? Sério mesmo?

O que fez Abdias do Nascimento, o que fez Lélia Gonzalez, Clóvis Moura, Milton Santos? O que faz Jeruse Romão, Cristiane Mare da Silva, Stephanie Ribeiro, Luana Tolentino? O que fazem os movimentos e coletivos negros contemporâneos? O que fizeram os movimentos e coletivos do passado?

Espero realmente que nos aprofundemos, de maneira geral, nos estudos sobre “branquitude”, raça e racismo. Pois esse vídeo foi uma bela demonstração de privilégios e de como nós, negros e negras, ainda não temos voz, não somos vistos e escutados. O racismo só passa a existir quando o branco fala que existe.

O futuro das direitas no pós-Dilma













POR MURILO CLETO

Se me permitem, vou tomar a invasão do plenário da Câmara ontem, por meia centena de defensores da ditadura militar, para falar brevemente sobre uma distensão prestes a acontecer no Brasil. Me refiro ao que pode ser das direitas por aqui.

Falo no plural porque parto do pressuposto de que há fundamentalmente duas, a liberal e a conservadora, unidas até agora pela sereia do antipetismo. Quem esteve ontem no Congresso pertence à segunda categoria. Em linhas gerais, trata-se de um grupo de saudosos da Guerra Fria que acredita firmemente na ideia de que a política nacional foi tomada pela esquerda. Nada do que se diga vai convencê-lo do contrário. Aliás há muito pouco a se dizer para quem enxerga um painel que homenageia o centenário da imigração japonesa no Brasil como uma versão comunista da bandeira nacional (aqui).

(Não apenas ele, você vai entender depois, mas) Temer tem um problemão pela frente. Precisa encontrar um meio de fazer se sentir representada essa parcela da direita que apostou no impeachment para livrar o país do, vá lá, comunismo e da corrupção, mas que não vai demorar para abrir fogo contra o novo governo. Primeiro porque ele pode ser qualquer coisa, menos um basta na roubalheira. E tanto imprensa quanto procuradores da Lava-Jato já deixaram bem claro que não vão deixar, com algumas exceções, a coesa classe política que derrubou o PT se livrar tão facilmente da exposição. Segundo porque a agenda econômica apresentada pelo PMDB para retirar o país da recessão vai funcionar como um barril de pólvora no meio desse lamaçal.

Explico. Hoje, a direita conservadora da América Latina apresenta traços consideravelmente diferentes da europeia e norte-americana. Aqui ela está centrada em diferentes – porque atualizadas – espécies de macarthismo, sobretudo devido à herança dos regimes militares. Confesso que não fiquei surpreso ao me deparar com panfletos alertando contra a “ideologia de gênero” na campanha pelo “não” ao acordo de paz do governo Juan Manuel Santos com as FARC.

Sobretudo graças à deterioração econômica de países com governos mais identificados com a esquerda, grande parte deles abertamente populista, a direita liberal passou a conquistar espaços significativos novamente. Sem dúvida alguma, a eleição de Macri na Argentina simbolizou essa guinada, já aparentemente irreversível. A coalizão que entregou o poder a Temer sobreviveu com mais ou menos o mesmo discurso: o Estado está imenso, é preciso diminuir. Como a vida das pessoas por aqui piorou consideravelmente, a alternativa ganhou eco. E está sendo comprada rapidamente.

Mas, a despeito de todas as nuances, é preciso dizer que a América Latina começa a rezar a cartilha que abriu caminho para a direita autoritária que apareceu com força na Europa mais precisamente a partir de 2011. Lá os efeitos nefastos da globalização foram sabiamente explorados por uma narrativa mesmo tribalista que colou também na figura do estrangeiro a responsabilidade pelas mazelas do mundo pós-2008. Países de longa tradição humanitária, como é o caso da Dinamarca, tomaram a dianteira rumo ao fechamento de fronteiras e o Tratado de Schengen, segundo grande trunfo da União Europeia – logo depois do Euro – começou a ruir.

A solução para encarar o aumento exponencial da dívida pública e os altos índices de desemprego na Europa é bem conhecida: além da agenda anti-imigração, uma severa política de austeridade que jogou para cima a idade das aposentadorias e para baixo o Estado de bem-estar social. E foi nesse panorama que a direita proto ou assumidamente neofascista ganhou corpo.

E o que têm com isso os cinquenta patriotas que passaram horas no plenário da Câmara ontem chamando desesperadamente por um general? Até hoje, não muito. Mas eles tendem a crescer. Primeiro porque encontram amparo no olvido que pautou o trato do Brasil com o passado recente de autoritarismo no poder. E, segundo, porque o PMDB não tem outra escolha a não ser abandonar de vez o patrimonialismo para afagar quem o alçou a uma presidência da república sem voto. O preço é alto e vai ser pago com um ajuste intolerável. E logo as direitas, hoje ainda em lua de mel, vão romper.

Mas tem mais. Se você tiver condições, veja o tom de Enéas Carneiro (aqui), o último grande nome da extrema direita no Brasil antes de Jair Bolsonaro. Pouca coisa o diferencia de certas simplificações à esquerda a respeito da agenda de Meirelles e companhia.

Não é verdade que a história se repete. E eu não sou futurólogo. Lido com o que já aconteceu. Mas, já dizia o cancioneiro sertanejo, disfarçar as evidências é loucura.





Murilo Cleto é professor, colunista na Revista Forum
e editor do Desafinado Blog (blog)

A bandeira do Japão e os comunistas

POR ET BARTHES

Há coisas inexplicáveis. A confusão mental da senhora do filme é uma dessas coisas difíceis de explicar por palavras. A mulher confundiu a bandeira do Japão com aquilo que imagina ser a bandeira do futuro Brasil comunista. E não deixou por menos: a partir dessa burrada, fez um discurso veemente a alertar o mundo para os perigos do comunismo. Parece ser apenas o delírio de uma pessoa fanática, mas representa um perigo para a democracia.


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Reflexões sobre as eleições nos EUA: virá o fascismo?













POR RODRIGO BORNHOLDT

Logo que soube do resultado das eleições norte-americanas, postei em alguns grupos de whatsapp: os Estados Unidos elegeram um fascista. Depois, refletindo com calma, entendi que exagerei. Mas, repensando a própria reflexão, agora após alguns dias de uma semana com gosto amargo, entendo que há muitos traços fascistas no novo presidente.

Pela primeira vez na história, os Estados Unidos elegem alguém tão próximo à extrema direita. Reagan e os Bush eram conservadores, de direita, mas praticavam o chamado “compassionate conservatism”. Muito mais moderado do que aquilo que se pode esperar de Trump.

Há, porém, duas diferenças entre o novo presidente e o fascismo tradicional: esse coloca o Estado acima da própria atividade privada, suprimindo as várias liberdades, inclusive com fortes restrições à livre iniciativa. E, diante disso, tende a criar um Estado totalitário. É difícil que os EUA abandonem suas instituições democráticas e sucumbam ao totalitarismo, na definição dada por Hannah Arendt. Mas é muito possível que limite algumas liberdades e adote características autoritárias.

Como Trump é um negociante, os negócios tendem a falar em primeiro lugar. Para ele, o Estado deve servir aos negócios. Isso não retrata verdadeiramente o fascismo. Mas, sendo o novo presidente defensor dos grandes negócios, pretendendo inclusive revogar a lei antitruste, isso gera mais uma baita injustiça contra a maioria da população, inclusive pequenos e médios empresários.

O fascismo, aliás, andou de braços dados com o grande capital. Foi uma aliança sólida na Itália e na Alemanha. E, nos outros aspectos daquilo que é mais próprio de Trump, o fascismo volta a mostrar sua face abjeta: o desprezo ao outro e sua incompreensão. É assim com a depreciação ao negro, ao latino, ao muçulmano, ao oriental. Brasileiros já ameaçam voltar dos EUA; imigrantes, legais ou não, tendem a ser perseguidos pelo ódio das massas ou das instituições mais conservadoras.

A Alemanha não resistiu ao furor autocrático do nazismo. Mas era uma criança democrática. Tinha apenas 13 anos de Estado Democrático de Direito quando foi subjugada. Os EUA, com todos os defeitos de sua democracia, praticam-na há mais de 200 anos.

Sinto vergonha de minha geração, que contribuiu fortemente para esse resultado. Apenas espero que os valores democráticos estejam realmente incutidos nos EUA, para que se evite qualquer aventura autoritária mais profunda por parte do novo incumbente.

Sempre questionei a remarcada influência da televisão e a pouca formação cultural da maioria dos cidadãos. O Estado Democrático de Direito exige vigilância e um mínimo de cidadãos cultos e críticos, que defendam e (re)construam, permanentemente, os valores em que ele se embasa: liberdade de expressão, uma maioria formada racionalmente, o debate das grandes questões públicas; o respeito à vontade popular; o devido processo legal; um mínimo de direitos sociais. 

E deveria também figurar, nesse rol, como preconiza Michael Sandel, a defesa de uma economia política voltada à formação de verdadeiros cidadãos ativos, tanto pela predominância de uma economia baseada em pequenas e médias empresas, como pela efetiva aplicação de um sólido direito antitruste.

Há também um curioso lado populista em Trump, que por vezes parece compreender os pobres que mais sofrem com o processo de globalização. Mas parece pedir muito a ele que tenha um pouco de compaixão por todos e se dispa daquela escala de valores mais próxima de Wall Street e da divisão de mundo entre winners e losers. Aí Trump já não seria Trump. 


O mais provável é que ele realmente exerça, na medida em que consiga, o papel de um tipo de fascista norte-americano que encontro na seguinte passagem da descrição de John Lee Brook, um personagem fictício, criado por Roberto Bolaño em seu indizível “La literatura nazi en America:

- Sus temas preferidos y que se repiten a lo largo de todos sus poemas de manera a veces obsessiva, son la pobreza extrema en algunos sectores de la población blanca, los negros y los abusos sexuales carcelarios, los mexicanos siempre pintados como diminutos diablillos o como cocineros misteriosos, la ausência de mujeres (talvez aqui o único ponto em que Trump difira)... la decadencia de América, los guerreros solitários. (Anagrama: Barcelona, 2010, p. 160)

O estrago parece feito. Com um congresso conservador, e ao nomear um ou talvez até mais novos juízes da Suprema Corte, Trump consolidará a guinada conservadora nos Estados Unidos. Tomara não descambe ela para o fascismo. E, se isso acontecer, que a Califórnia consiga mesmo se separar da União.



Rodrigo Bornholdt é advogado, doutor em direito
e professor universitário