quarta-feira, 23 de março de 2016

Quem criou que cuide.


Para "coxinha" ler

POR FELIPE SILVEIRA

Minhas considerações resumidas sobre o atual momento da política brasileira. É uma explicação breve, simplificada, sobre as questões que envolvem o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Lula, o juiz Sérgio Moro e sobre como algumas peças são movimentadas. Fiz pensando numa forma de explicar as questões com clareza para pessoas que defendem a queda de Dilma porque acham que o governo é ruim ou que todos devem ser presos, como se isso fosse acontecer só porque elas querem. O título é uma brincadeira com o termo popular para as pessoas que defendem o impeachment.

1) Coragem é crucial para o momento. Coragem não só para assumir posições, mas principalmente para ouvir o outro. Coragem para considerar que o que pensamos pode estar errado e coragem para aprender.

2) Chamar alguém de petista porque ele defende que Dilma não deve sofrer impeachment é um erro. Para saber que não é, basta ouvir o argumento de alguém que não é petista e defende a manutenção do governo. Mas, aqui, é preciso coragem para ouvir e para tentar entender.

3) Meu principal argumento contra o golpe (ou contra o impeachment, como queiram) é relacionado com a substituição de Dilma. Por mais que você não goste dela, por mais que ache seu governo ruim, Dilma não é nem citada na Operação Lava Jato, ao contrário de sua linha de sucessão. Eduardo Cunha é réu na Lava Jato, Temer é citado. Temer já está articulando seu futuro governo com Serra, que é do PSDB, partido envolvido até o pescoço em inúmeros casos de corrupção e todo tipo de falcatrua.

4) Você querer que prendam todos é uma coisa, achar que isso vai acontecer é uma tolice. Até parece que não se lembram da infância, cuja primeira lição é “querer não é poder”. Assim que Dilma cair e Lula for preso, a Lava Jato acaba. Talvez prenda algum figurão da oposição, como o já soterrado Aécio Neves, mas dificilmente terá continuidade. A melhor maneira de garantir que a operação continue a funcionar é torcendo pela continuidade de Dilma no governo. Assim a caçada aos corruptos tem alguma chance de continuar.

5) Economia. Um dos argumentos usados para defender a derrubada de Dilma é aquele que diz que ela afundou o país. De alguns pontos de vista, isso até pode ser verdade (embora eu não concorde). Mas você não pode sair afirmando isso sem entender como isso funciona. Neste ponto, é preciso de muita coragem e vontade para aprender.

5.1) Para compreender a situação econômica do país, é preciso voltar alguns anos, ao início da história, quando Lula escreveu a Carta aos Brasileiros. Foi em junho de 2002, no início da campanha que levou Lula à presidência. Nela, Lula e o PT deixam claro que não vão rachar com a classe rica do Brasil. No seu governo, todos iriam ganhar, como, de fato, aconteceu. Salvo exceções, ricos ficaram mais ricos e pobres ficaram um pouco menos pobres. O fato de os pobres terem ficado menos pobres é muito importante. Assim se erradicou a fome, se deu algum poder de consumo (que é, sim, algo muito importante), se criou vaga na universidade e no ensino técnico, entre várias outras coisas. Eu, que não sou petista, acho que foi insuficiente. Mas não tenho dúvida que foi muito importante.

5.2) Acontece que, em 2008, ocorre a crise econômica mundial. Se você acha que ela não existe e que todo mundo já se recuperou, sinceramente, lhe falta coragem para enxergar a realidade. Alguns países ricos estão se recuperando a passos lentos, o que é óbvio, pois algo que todo mundo sabe é que dinheiro faz dinheiro. Com a crise de 2008, a coisa começou a ficar complicada, pois começaria a faltar o dinheiro que antes ia para ricos e pobres. Mesmo assim, o Brasil elegeu Dilma em 2010, sendo Lula o fator mais influente da campanha. Dilma, então, que sempre foi uma mulher corajosa e de confronto, decidiu enfrentar uma parte dos mais ricos.

5.3) Para entender como ela fez isso, é preciso entender uma coisa. Muito basicamente (muito basicamente mesmo), os setores da economia se dividem em dois: produtivo e financeiro. O produtivo, você sabe, é a indústria, a agricultura, a pecuária, comércio e os serviços (os dois últimos existem em consequência dos primeiros, né?). Já o financeiro é, basicamente, o sistema bancário, que, em contraposição ao primeiro, nada produz. Afinal, o que o banco te vende, além de dívida? E aqui está o pulo do gato. O sistema financeiro vive de juros, que, por sua vez, são determinados pelo governo. No Brasil, ele é altíssimo, gerando muito dinheiro para quem nada produz, mas que já tinha dinheiro para investir em títulos que rendem juros.

Voltando à Dilma, em 2011 ela decidiu peitar essa parte do mercado e baixar os juros, fazendo com que fosse mais lucrativo investir no outro setor, o produtivo. Este, então, geraria emprego e consumo, fazendo com que todo mundo ficasse feliz novamente. Na economia política, porém, não se pode fazer nada sozinho, e ela fez um trato com o setor produtivo, representados por entidade como Fiesp e Firjam, e com os trabalhadores, representados pela CUT. A coisa até que deu certo no começo, mas por pouco tempo. Em 2013, as entidades empresariais retiraram o apoio à Dilma, após desconfiarem que os juros voltariam a subir para controlar a inflação (aumento do consumo gera inflação e subir os juros é uma forma de diminuir). E quem lucra com juros? O sistema financeiro. Mas não foi só isso. A política desenvolvimentista fortalecia o Estado e os trabalhadores, de modo que o que chamamos de burguesia, achou melhor pisar no freio e brecar a coisa toda.

5.4) E como isso afeta a situação atual? Bom, afeta que as pessoas que mais querem o impeachment são as que derrubaram o acordo desenvolvimentista em 2012. A Fiesp, presidida por Paulo Skaf, candidato à prefeitura de São Paulo, é praticamente o quartel-general do golpe. Como os juros são altíssimos no Brasil, o andar de cima não está perdendo dinheiro, pois diversifica seus investimentos, aplicando no sistema financeiro. Com todos contra Dilma, movimento que tomou as ruas em 2013, a partir de reivindicações de esquerda que foram suplantadas pela direita, virou o que temos hoje.

5.5) Ainda sobre economia, é importante destacar que Dilma adotou o programa econômico de Aécio em 2015, depois de se reeleger. Ao invés de manter a política desenvolvimentista, que passa pela redução de juros, Dilma adota a estratégia neoliberal, inclusive com um economista ligado ao sistema financeiro como ministro, de manter os juros altos.

Então, antes de sair dizendo que Dilma afundou o país, tente compreender um pouco como funcionou este processo e quais são os outros atores dessa história. Nessa briga, você pode estar apoiando gente que ajudou a afundar o país e nem se deu conta.

6) Sérgio Moro. Não sei se o juiz paranaense é honesto ou não, mas ele certamente usa dois pesos e duas medidas para fazer o que está fazendo. Se não usasse, sua atuação no caso Banestado teria sido similar à da Lava Jato, já que eram as mesmas empreiteiras envolvidas e o rombo era imenso. Na época, o presidente era FHC, do mesmo partido que o pai de Moro ajudou a fundar em Maringá.

6.1) A Operação Lava Jato é inspirada na Operação Mãos Limpas, que prendeu um monte de corruptos na Itália. Sérgio Moro, em 2004, escreveu um texto acadêmico sobre a experiência italiana. Lá ele fala do uso da mídia e de outros instrumentos que deveriam ser usados na versão brasileira. É o que está acontecendo, inclusive com uma longa e elogiosa matéria no Fantástico do último domingo. A construção da imagem de Moro como um herói nacional é um sucesso.

6.2) É esse suporte midiático que possibilita a Moro o atropelamento das regras jurídicas. As pessoas que o apoiam apenas dizem: foda-se a regra, o que importa é pegar o bandido. Não é bem assim. Se fosse com elas, aposto que não gostariam que o juiz quebrasse as regras. Uma dessas regras quebradas é o grampo de advogados, desrespeitando uma regra básica de qualquer Estado Democrático de Direito, que é proteção ao sigilo entre advogado e cliente. Desconfio que o próximo passo de Moro é grampear consultórios de psicologia. Outra regra desrespeitada é a condução coercitiva de pessoas que nem haviam sido intimadas ou convidadas a depor. Tudo faz parte de um jogo midiático. Moro joga pra torcida. É como se um árbitro de futebol apitasse descaradamente a favor de um time e a torcida, reconhecendo isso, aplaudisse.

6.3) O que as pessoas precisam entender é que Moro não pode desrespeitar as regras sozinho. Ele tem o apoio da população e o apoio de gente graúda, de seus superiores. Se não fosse o ódio forjado ao PT, um juiz jamais conseguiria fazer algo similar sem sofrer sanções externas. Como isso tudo faz parte de um projeto de retomada do poder total pela elite financeira e política do país, Moro tem o apoio de todos.

7) Golpe. Você pode achar que não é, pois sempre há um elemento ou outro para justificar as ações contra Dilma e o PT. Mas o fato é que essa série de irregularidades – na Justiça, na Mídia, na Política –, combinadas, fazem com que a coisa toda seja um golpe. Querem tirar uma presidente que não tem acusações contra ela para colocar gente bandida que vai aplicar a principal política do capitalismo: enriquecer ricos e empobrecer pobres.

Em 1964 aconteceu algo parecido. Acusaram Jango de ser comunista, coisa que ele não era, assim como Dilma não é, e usaram a corrupção para desculpa para mobilizar o povo. Naquela época, o povo foi as ruas e a democracia foi pro espeto. Foram 21 anos de ditadura, com muito sangue derramado da esquerda e muito suor pingado dos trabalhadores, que sofreram sem poder reclamar.

8) Por fim, a ascensão do fascismo marca o nosso tempo. Derrubar Dilma, Lula e o PT é um atentado contra toda a esquerda, mesmo que o PT não faça mais políticas econômicas de esquerda há tempos. O clima instaurado, de ódio à política, tratando todos como ladrões, serve de trampolim para candidatos que parecem ser desgarrados da política, como Bolsonaro. Ao afastar a população da política, ela vai votar naquele que fala mais fácil, que oferece soluções fáceis, praticamente prontas, como a redução da maioridade penal, o aumento das penas, a industrialização do sistema prisional, o armamento. Ao promover o ódio ao PT, cada um está promovendo o ódio ao outro, ao que pensa diferente, erguendo muros e derrubando pontes. As consequências serão muito graves.

Como eu disse antes, coragem é fundamental para o momento. E vai ser cada vez mais. Pena que é para poucos.

terça-feira, 22 de março de 2016

1000 mentiras ditas 1000 vezes acabam por se tornar fascismo




POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Hoje em dia anda difícil analisar o Brasil sem recorrer a exemplos da Alemanha dos anos 30. Mas terá que ser. É atribuída a Joseph Goebbels a frase segundo a qual “uma mentira dita mil vezes acaba por se tornar verdade”. Faz sentido. Mas o ministro da propaganda de Hitler nem de longe poderia imaginar a criação da internet e nem os seus efeitos sobre as classes médias (aquelas que Marilena Chauí chamou de aberração cognitiva). Nem a mente ardilosa de Goebbels imaginaria o Brasil de hoje.

A tese goebeliana foi ridicularizada. A lógica passou a ser “mil mentiras ditas mil vezes acabam por se tornar fascismo”. É inacreditável o número de bacoradas que a gente ouve todos os dias. A coisa vai às raias da razão. É insano. Um dia destes uma pessoa usou um mentira cabeluda como argumento - dessas que pululam nas redes sociais - e tentei esclarecer. Mas a resposta foi definitiva: “pode ser mentira, mas eu acredito no que quiser”. Caso encerrado.

O problema é esse. Quem mente para os outros é apenas mentiroso. Quem mente para si mesmo é lunático. E um lunático movido por uma ideia obtusa é perigoso. O caso do Brasil é ainda mais preocupante, por causa de uma mídia dada à distorção e mesmo à mentira. Muitos têm a mania de confundir "fatos" com as notícias que veem na TV. Não é a mesma coisa. Aliás, parece que essa gente não assiste o Jornal Nacional para se informar, mas para buscar um álibi para os seus desvarios.

Que tal pegar no caso mais mediático no Brasil? A Polícia Federal anda com dificuldades para apontar, de forma consistente, algum crime ao ex-presidente Lula. Que estranho! Porque eu próprio conheço inúmeras pessoas que detêm provas consistentes de que ele é dono de um triplex, de um sítio ou de um barco de alumínio. Inclusive os comentaristas anônimos deste blog estão cheios dessas provas. Aliás, conheço uma pessoa que tem tantas informações sobre os crimes do ex-presidente que o chama “chefe de quadrilha”.

Há quem diga que isso é resultado de uma certa inocência. Que as pessoas estão de boa fé e são enganadas pela pressão midiática. Talvez. Mas há mentiras tão cabeludas que só uma pessoa muito mal intencionada pode repetir. Que Lula estaria a tramar a morte de Sérgio Moro. Que Evo Morales ameaça invadir o Brasil. Que Lula levou faqueiro de ouro do Palácio do Planalto. Que a Corte de Haia quer novas eleições no Brasil. Que 90% dos aprovados em concursos públicos são do PT. Que o preço dos militantes é um sanduíche de mortadela. E por aí vai.

É de mentira em mentira – tudo somado ao tal déficit cognitivo – que se constrói o inconsciente social de um certo brasileiro médio. Seria cômico, até motivo de piada, se não tivesse assumido contornos de tragédia. O discurso elaborado a partir de pequenas mentiras aponta para a negação da democracia. E desvia a atenção das grandes questões. Pátria de tantas mentiras, o Brasil tem pernas curtas. E esse estado de coisas impede o país de cumprir o seu destino de avançar a passos largos para o futuro.


É a dança da chuva.




segunda-feira, 21 de março de 2016

Não vivemos montados num drone...

POR JORDI CASTAN




A perspectiva muda completamente a percepção do que vemos e a forma como vemos. Na medida que nos afastamos do objetivo de observação perdemos precisão. Quem não se deslumbra com a beleza carioca da Bahia de Guanabara? O Corcovado e o Pão de Açúcar formam com Botafogo e Copacabana uma das paisagens mais maravilhosas do mundo. Na distância desaparecem a poluição, os cheiros, a insegurança, o trânsito caótico e só se percebe a beleza de uma natureza impressionante.

Em Joinville, não ficamos atrás no quesito beleza da natureza. A visão do amanhecer na Baía da Babitonga, a Lagoa de Saguaçu, o verde das encostas dos Morros do Boa Vista e do Finder, a linha serpenteante dos rios Cachoeira e Bucarein ou a vista do sol se pondo na Serra do Mar, destacando a silhueta do Jurapé ou do Morro da Tromba, são imagens que impressionam pela sua beleza. Impossível não nos emocionarmos cada vez que as vemos.

Joinville tem se reencontrado com a sua vista desde o alto. Finalmente o mirante do Morro do Boa Vista foi concluído. Os joinvilenses voltam a poder olhar o horizonte desde os 250 metros de altura. Quem escolhe subir a pé acaba por não entender o porquê pavimentar um acesso que não permite o passo de veículos. Será parte dos 300 km prometidos durante a campanha? O coordenador do parque informa que não há um controle do número de visitantes, mas que superam as expectativas. Seria bom saber quanto custou, qual era o valor inicialmente orçado e qual tem sido o custo final. Hora de celebrar? Sim. E também de prestar contas. Com transparência e precisão.

Como não vivemos nem no mirante e nem montados num drone, não são estas paisagens maravilhosas com as que convivemos no nosso dia a dia. A nossa realidade está no nível do chão. A nossa realidade quotidiana é muito diferente. Saber diferenciar entre fantasia e realidade se faz hoje mais necessário que nunca. Ter a capacidade de emocionar-se sem perder o contato com a realidade é o desafio. 

UM BRASIL EM SOBRESSALTO VISTO DO ALTO - E no plano nacional? Nos últimos dias, vimos centenas de cenas aéreas das manifestações do dia 13, imagens que converteram os milhões de brasileiros que se manifestaram numa mancha verde amarela. Na sexta, as imagens das centenas de milhares que foram as ruas para apoiar o governo do PT coloriram de vermelho ruas e praças.  O Brasil do alto fica reduzido a uma massa colorida.

Do alto, é difícil precisar os objetivos de uns e outros, mesmo a quantidade de manifestantes. Os números discrepantes divulgados, pela imprensa, os organizadores e a polícia, mostram o quanto é difícil obter informação precisa olhando desde o alto.

sexta-feira, 18 de março de 2016

A história não nos absolverá *















POR SALVADOR NETO


Vivemos tempos tumultuados, agitados. Tempos em que o ódio vem superando a razão e a tolerância. A crise política chega a temperaturas altíssimas com uma sucessão inimaginável de fatos estapafúrdios em um estado democrático de direito. A investigação da corrupção via Operação Lava Jato, que parecia ser um serviço de limpeza das instituições do país, saiu de um roteiro de descobertas dos cartéis de empreiteiras para seguir um enredo de partidarização da justiça. Um perigo para a nossa jovem democracia.

Quem estuda um pouco de história sabe que a “luta” contra a corrupção foi usada sempre que interesses escusos foram contrariados por governos legitimamente eleitos pelo voto. Foi assim com Getúlio Vargas (1954), e não por acaso já na ocasião o nosso petróleo estava ao fundo da tal luta. Todos sabem como acabou a história. Em seguida, JK teve que suar para disputar a eleição, ganhar e tomar posse. Mesmo assim construiu Brasília, a capital onde dizem, nasceu o “modelo” empreiteiro de fazer política.

A corrupção, ela novamente, ajudou a eleger o udenista Jânio Quadros em 1960 com a sua “vassourinha”, que ia varrer a bandalheira do Brasil. JK foi tachado como o mais corrupto homem público pelos grandes conglomerados de mídia da época. Nada mais atual. Jamais provaram nada contra ele, que teria morte estranha após longo exílio por conta da tão saudosa – ainda bem que para poucos – ditadura militar (1964-1985). Também Jango, que assumiu com a renúncia de Jânio Quadros, sucumbiu aos brados da união entre tradição, família e propriedade contra a corrupção e o tal “comunismo”.

Por incrível que pareça, há quem acredite que no regime militar não houve corrupção. Como saber se a livre manifestação, as liberdades individuais e de reunião, a censura, encobriam o país com o manto do terror, da perseguição a quem pensasse diferente? Sugiro a quem duvide disso estudar... história do Brasil, ou vá neste link para começar a pesquisa. Durante o regime militar foram realizadas obras gigantes como a Transamazônica, Ponte Rio Niterói, Usinas de Itaipu e Tucuruí, entre outras. Quem as construiu? As famosas empreiteiras, praticamente as mesmas que você sabe envolvidas na Lava Jato.

Após a redemocratização, que é bom que se repita, foi conquistada com a luta de muitos brasileiros e brasileiras contra as arbitrariedades e torturas do regime militar – e com a concessão de uma anistia geral até hoje contestada – construímos uma Constituição Federal de 1988. Ela é a lei maior do país, que devolveu aos brasileiros e brasileiras os seus direitos individuais, a cidadania, e direitos que foram negados por séculos ao povo trabalhador. Até hoje essas conquistas ainda são implementadas lentamente, pois são discutidas e aprovadas – ou não – no Congresso Nacional. E lá, o conservadorismo permanece forte, até hoje.

Hoje ao ver o atual quadro de pré-convulsão social provocado por uma ação sincronizada entre parte do MPF, Justiça, Polícia Federal e a grande mídia que já comandou os golpes e tentativas de golpes já citados, tomando por base a “corrupção”, temo pelo futuro do meu país. Como jornalista não posso me furtar a opinar sobre o que vejo, pelo que estudei, e por ver tamanha manipulação midiática que joga irmãos contra irmãos. Quando o maior grupo de mídia do país passa quase 10 horas ao dia divulgando situações somente contra um grupo político, e apenas contra a presidente Dilma e o ex-presidente Lula, não há como disfarçar. O modelo do passado voltou a agir. E sem o menor constrangimento.

Mesmo contra a maré odiosa que só repete o que vê na grande mídia como verdade sem a necessária reflexão, comparação e estudo, é preciso denunciar esses atos que são vendidos como normais. Não, não é normal e tampouco legal levar um ex-presidente sob coerção a um depoimento em um aeroporto sem que ele tenha se negado alguma vez a isto. O ex-presidente não está indiciado, é investigado com toda a força, e até sua prisão preventiva sem qualquer prova já foi pedida. Aos olhos da massa pode ser o máximo. Mas sempre há um detalhe, ele já foi condenado pela mídia.

Não, não é legal, e tampouco natural, que um juiz de primeira instância determine grampos à advogados e seus clientes, à Presidente da República, a Ministros de Estado (todos com foro privilegiado pela CF e Código Penal), os divulgue diretamente à mídia sem o devido processo ao STF. É uma afronta ao estado democrático de direito que conquistamos a duras penas. Atos como esse podem ser a fresta que promove um estado de exceção.

Não, não é natural que enquanto a Câmara dos Deputados é comandada por um denunciado por corrupção, Eduardo Cunha do PMDB - que deveria estar fora do cargo exatamente por isso - o próprio coloca um processo de impeachment da presidente Dilma para tramitar com “urgência” sem qualquer base legal, sem provas, apenas por vingança política e interesses de quem o financiou até aqui. Para lembrar, o processo contra Cunha no Conselho de Ética está paralisado há quase seis meses.

Não, brasileiros e brasileiras, não é legal nem natural que estejamos à beira de uma guerra civil por manipulações midiático-oposicionistas/oposicionistas/judiciais que inflam a massa popular, que emanam uma cortina de fumaça que esconde interesses inconfessáveis pelo poder, pelo nosso petróleo, sem que pelo menos desconfiemos de tudo que se lê, vê, ouve, e claro, compartilha.

Não é razoável que joguemos nossos direitos e garantias fundamentais nas mãos de qualquer pessoa do poder após uma longa luta para tê-los!

Hoje você pode achar legal o espetáculo midiático, a espetacularização dos fatos (?!) veiculados. Mas pense, amanhã podem estar atrás de você, com ou sem provas, com escutas, transcrições pela metade, manipuladas.

Aí você pode pensar: mas depois você se defende. Quem não deve, não teme. Será? É tempo de frear os sentimentos, de pensar muito antes de atacar alguém, um amigo, uma outra pessoa. De acusar sem provas. Você pode estar cometendo uma injustiça gigante, que poderá jamais ser reparada.

E mais: você poderá ser também a vítima, jogando os seus direitos conquistados via democracia, na vala comum que muitos desejam que você jogue. Construir uma sociedade democrática, com todos os vícios e erros que ela tem é muito difícil. Agora, destruir é fácil. Pense nisso. Pense no país. Pense em você. Pense nos seus. Se errarmos mais uma vez, a história não nos absolverá.


É assim nas teias do poder...


Em 16 de outubro de 1953, o jovem advogado Fidel Castro pronunciava a sua autodefesa, após ser preso pelo assalto ao quartel Moncada, em Cuba, – quando tentou derrubar o então presidente e ditador Fulgêncio Batista. “A história me absolverá”, foi a última frase proferida pelo líder da Revolução Cubana e como ficou conhecido o documento que reúne este célebre discurso, que completa 60 anos . Título adapta a frase histórica a esse momento histórico que vivemos.

* Sugiro também a leitura do texto "A culpa é das estrelas?", que escrevi aqui no Chuva há pouco mais de um ano falando sobre essa força propagandista que levou ao nazismo, clique aqui para ler.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Basta!


Oh, não! Descobrimos a corrupção!


POR FELIPE CARDOSO

Após as manifestações de Junho (desdenhada por muitos jornalistas no início), o clamor das ruas por mudanças, resultou em mudança nas coberturas políticas de alguns jornais. Com muita parcialidade, alguns alvos foram escolhidos. Em sua maioria, o Partido dos Trabalhadores entrou na mira de alguns movimentos e veículos de comunicação.

“Nunca se viu tanta corrupção no Brasil”. É a afirmação que se escuta por parte da oposição e de grande parte da imprensa tradicional tupiniquim.

Todo esse espanto e estardalhaço causados por esses grupos é considerado uma desonestidade sem tamanho para quem conhece um pouco da história deste país.

Os portugueses chegaram aqui com dívidas estratosféricas, roubaram e exploraram a terra da população indígena que aqui residia. Junto com outros países europeus, também saquearam e sequestraram os moradores do continente africano, utilizando a sua população para o trabalho escravo.

Aqui, estupraram, torturaram e mataram indígenas e africanos. Abusaram do poder e ensinaram seus descendentes a fazerem o mesmo. Provocaram um verdadeiro extermínio.

Como se não bastasse, os algozes colocaram a culpa de tudo de ruim que acontecia no país nas vítimas das suas perversidades. Indígenas, negros e pobres eram os marginalizados, preguiçosos, criminosos, ignorantes. Ao mesmo tempo em que construíam a imagem de si próprios como os responsáveis por sustentar o país, os detentores da moral e dos bons costumes, os cultos e inteligentes, os trabalhadores esforçados.

Percebe-se que o que vemos hoje é apenas a reprodução da mesma hipocrisia dos séculos passados.

A hipocrisia de uma abolição fajuta, em que tentaram consagrar uma princesa que só fez o que fez por interesses econômicos e manteve ex-escravos sem oportunidades, marginalizados. Hipocrisia de um saque das terras indígenas, afastando e segregando ainda mais as tribos. A hipocrisia dos castigos e torturas que arrancavam carne e sangue dos mais pobres para lucrar.

Por que o espanto? Por que a revolta somente agora? O Brasil foi corrupto desde a sua colonização. Dizer que nunca se viu tanta corrupção neste país é uma injustiça, é uma tentativa de colocar uma venda nos olhos dos brasileiros e brasileiras, escondendo a história, o jogo de poder e interesse que sempre existiu.

Se fossemos julgar os crimes cometidos pela elite brasileira nos séculos passados até os dias atuais, quantos anos de condenação receberiam? Formação de quadrilha, assalto a mão armada, homicídios, torturas, sequestros, estupros, golpes, falsificação, omissão, sonegação…

Como nunca se viu tanta corrupção no Brasil? As mentiras históricas também nos fazem ter uma noção da grande injustiça existente no país.

Diante de todas essas atrocidades que vêm a memória há uma semelhança entre os personagens envolvidos no passado e os envolvidos atualmente. Os que seguravam a chibata e os que apanhavam. Os que perseguiam e os que fugiam. Os que praticavam a tortura e os que eram torturados.

Ontem, quarta-feira (16/03), fez dois anos da morte brutal de Cláudia Ferreira da Silva, assassinada por policiais e arrastada pelo camburão da polícia do Rio de Janeiro. Talvez isso sirva para nos lembrar das corrupções diárias que vemos e praticamos, mas não consideramos como tal, pois o problema está lá, não aqui. Por isso, apenas por isso, nunca se viu tanta corrupção no Brasil.

Sobre a imprensa e as informações que chegam até nós, Milton Santos define bem:

“O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde. Isso tanto é mais grave porque, nas condições atuais da vida econômica e social, a informação constitui um dado essencial e imprescindível. Mas na medida em que o que chega às pessoas, como também às empresas e instituições hegemonizadas, é, já, o resultado de uma manipulação, tal informação se apresenta como ideologia”¹

Quem está à margem sempre sofreu com a corrupção, sempre pagou o preço por isso, sempre sentiu na pele as consequências das bagunças que acontecem na Casa Grande da política brasileira.

Não há que se ter espanto ou destaque para esse ou aquele caso, para esse ou aquele partido. A questão principal não é saber quem roubou mais, é acabar com o roubo e isso passa por uma mudança profunda e estrutural no sistema econômico e político (auditoria da dívida, reforma política...), realmente democrática, pensada e construída por toda a população, não apenas por coronéis, sinhós e sinhás. Esses já demonstraram que não querem mudar, mas manter os privilégios.

A corrupção brasileira tem a data de fabricação em 1.500 e o prazo de validade pode estar datado para 2016, mas para isso é preciso consciência e coerência. É preciso que os que realmente sofrem se façam ouvir.

¹ SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 38-39.

terça-feira, 15 de março de 2016

Domingo, 13 de março de 2016

POR CLÓVIS GRUNER

No último domingo, manifestantes foram às ruas em cerca de 300 cidades brasileiras. Os números totais variam de 3,5 milhões, segundo estatísticas das polícias militares, e 6,9 milhões, de acordo com os organizadores (link1). Sob quaisquer perspectivas, um número expressivo o suficiente para não ser ignorado e preocupar especialmente um governo que já fraqueja, débil, desde praticamente a posse, e que se vê hoje isolado e sitiado até por setores do próprio PT, partido a que pertence a presidenta.

Pesquisa realizada pelo Datafolha, e publicada na edição de segunda-feira do jornal paulistano, revela alguns dados interessantes (link2). E ainda que o levantamento esteja restrito a São Paulo, capital, ele serve como parâmetro para avaliarmos o perfil médio de quem foi às ruas. Em linhas gerais, o perfil se mantém “elitizado”: a maioria dos manifestantes são homens acima de 36 anos; 77% tem curso superior – o mesmo índice dos que se declararam brancos –; 12% são empresários e metade tem média salarial entre cinco e 20 salários mínimos.

Os números da Datafolha podem ser lidos como complemento a pesquisa realizada em agosto do ano passado pelo professor Pablo Ortellado, da USP, Esther Solano, da Unifesp, e Lucia Nader, da Fundação Open Society (link3). O levantamento já indicava um perfil predominantemente de classe média. Mas a presença ainda pouco expressiva da população mais pobre não significa, necessariamente, que ela esteja satisfeita com o governo Dilma (link4). As razões podem não ser as mesmas, mas o governo petista está a perder apoio mesmo entre a população mais carente, aquela que não se pode acusar de ser “privilegiada”. Que suas queixas não tenham a mesma repercussão apenas confirma uma tradição histórica da política brasileira, a de fazer ecoar as vozes privilegiadas e dar pouca ou nenhuma importância a quem vive nas periferias.

“CONTRA TUDO O QUE ESTÁ AÍ” – Se as pesquisas constatam, por um lado, que é a maioria branca e de classe média que engrossa as fileiras das manifestações, por outro elas obrigam também a tomar certo cuidado antes de afirmar, com a certeza característica dos debates travados nas redes sociais, de que são todos conservadores e “fascistas”. Antes pelo contrário, a aposta em um perfil político mais eclético me parece mais certa, já que é difícil sustentar a hipótese de que quase quatro milhões de brasileiros são conservadores ou, pior, fascistas.

Mas mesmo o ecletismo e as vaias contra Alckmin e Aécio, praticamente expulsos da Avenida Paulista, não desfazem inteiramente a sensação de que a indignação “contra tudo o que está aí” é, ainda, bastante seletiva (link5). Sensação reforçada pelas notícias que circularam nos últimos dias: primeiro foi o tweet de Ricardo Noblat, que ele tratou de apagar assim que percebeu a bobagem que havia feito (link6). Depois, a entrevista com Eder Borges, coordenador do Movimento Brasil Livre em Curitiba (link7), sem dúvida, das mais esclarecedoras. E por fim, em sua coluna de segunda-feira, Mônica Bergamo voltou ao assunto (link8), confirmando algo sobre o qual venho falando há tempos: a bandeira da ética está a servir a interesses pouco claros. E para muita gente que foi às ruas o problema não é a corrupção, mas o PT. Basta o governo Dilma cair e Lula ser preso, para a insatisfação arrefecer e a maioria silenciosa voltar a assistir a tudo bestializada.

Mas isso não é o pior: sei que nem todo manifestante marcha com Bolsonaro e pede intervenção militar. Mas esse é o tipo de coisa em que basta um, porque um já é muito. E os que insistem em aplaudir um deputado esse sim, fascista, e empunhar cartazes pedindo a volta da ditadura são bem mais que um. Tampouco me agradam as imagens de gente ajoelhada rezando pelo país e o patriotismo caricato, com manifestantes uniformizados de CBF (uma contradição, aliás) cantando o hino nacional. E enfim, acho lamentável que nossos heróis sejam um juiz punitivista e uma corporação policial, especialmente o primeiro, alçado praticamente à condição de entidade quase sagrada.

E O PT COM ISSO? – Nada disso, no entanto, serve para desfazer ou corrigir os inúmeros erros do PT. A esquerda mais próxima ou simpática ao governo reivindica o engajamento, em defesa do partido e de Dilma, dos setores progressistas. Mas é difícil defender um governo que cooptou ou neutralizou alguns dos principais movimentos sociais, enquanto fazia vistas grossas para a criminalização de tantos outros (link9). Fala-se no “avanço conservador”, mas foi o governo petista quem se aliou a grupos e forças conservadores – é preciso lembrar sempre, entre outras coisas, que temos na presidência uma mulher que só fala a palavra “aborto” para reafirmar sua proibição e que agiu para impedir qualquer avanço nas políticas de gênero e de combate à homofobia?

E há, claro, as inúmeras denúncias de corrupção. Não tenho dúvidas de que as investigações conduzidas pelo MP e pela PF têm sido politizadas ao extremo. E que é cada vez mais óbvio que a oposição e parte da mídia estão a fazer um largo e espetacularizado uso do envolvimento do PT e de suas lideranças em esquemas de corrupção. Por outro lado, é também cada vez mais difícil apostar na inocência do partido e das lideranças petistas, e acreditar no discurso de que é tudo não passa de uma grande conspiração da justiça, da mídia e da oposição.

Talvez não tão culpado quanto gritam os opositores, mas provavelmente também não tão inocente quanto alegam os defensores, a essas alturas a impressão que tenho é de que, ao PT, já não importa defender o atual governo, mas salvar 2018. Por isso estão a jogar Dilma aos leões enquanto blindam desesperadamente Lula.

OU, A DEPENDER DAS NOTÍCIAS:

o último grande ato nesse sentido foi a nomeação de Lula para o ministério de Dilma, uma clara tentativa de, sob o pretexto de reagrupar a base governista usando a liderança do ex-presidente, tentar poupá-lo da sanha persecutória de Moro conferindo-lhe foro privilegiado.

***

 No fim, há um custo alto em tudo isso, e quem paga a fatura é, principalmente, nossa ainda frágil democracia, à mercê das estratégias pouco republicanas do governo e da oposição. Em novembro de 2014, quando a Lava Jato ainda engatinhava, escrevi aqui no Chuva Ácida sobre a corrupção e sua presença na história do país (link10). E encerrava afirmando que tanto a indignação quanto o combate à corrupção deveriam fortalecer a democracia, não fragilizá-la.


Nas manifestações de junho de 2013 algo assim aconteceu, mas nenhuma das forças políticas institucionais, a começar pelo governo e o PT, estavam dispostos a incorporar as demandas das ruas, que naquela ocasião sinalizavam para a necessidade de fazer avançar nossa cultura democrática. A indiferença de três anos atrás cobra seu preço. Porque talvez o que fique das ruas agora seja, justamente, o enfraquecimento da democracia e uma derrota que as esquerdas, e não apenas a petista, terão dificuldade de superar.  

Quero o meu país de volta. Que país?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Nos últimos dias, a rede de fast food Habbib’s lançou uma agressiva campanha de marketing, para suporte às manifestações do último domingo. Sem problema. As empresas podem estar associadas a causas políticas, apesar de ser sempre uma jogada de risco. Parece perigoso uma marca abrir mão de metade do público consumidor, como neste caso. Mas o pessoal do marketing da empresa deve saber o que faz.


No entanto, o apelo da campanha pareceu um tanto vago, em especial naquela parte em que diz: “quero o meu país de volta”. Que país eles querem de volta? Fiquei a maturar e como não cheguei a uma conclusão, decidi que hoje não teremos textão, mas um exercício gráfico para tentar entender o que o Habbib’s quer de volta. Será que é isto?

















É a dança da chuva.