Odiado por alguns, apreciados por outros, o carnaval, a tradicional festa do povo, aconteceu. Dentro de todas as problemáticas apontadas na festividade, a mais desprezada foi o racismo.
Todos os temas levantados no ano passado foram ignorados e, mais uma vez, tivemos que ver mulheres negras servindo de fantasias e a pele negra sendo ridicularizada com o blackface. Fora isso, de lambuja, tivemos que ouvir, em rede nacional, de uma subcelebridade branca, que o cabelo da Ludmilla (cantora negra) parecia Bombril.
Mas o que mais chamou atenção foi a foto de uma família formada por pais brancos e um filho negro curtindo o carnaval fantasiados como os personagens do filme Aladdin, da Disney.
Ao colocar uma criança negra nas costas muitos negros e negras interpretaram que os pais quiseram representar um macaco (Abu), personagem do filme. Alguns saíram em defesa dos pais e afirmaram que o menino estava vestido de Aladdin (protagonista), com a mesma fantasia do pai, mas em uma tentativa de retratação, no Facebook, o pai do garoto confirmou que o que filho estava fantasiado de macaco: “Muitos podem ver um macaco na fantasia de ontem. Eu vejo o melhor amigo do Aladdin, que vai conhecer o Mundo Ideal com ele e a Jasmine”.
Acontece que associar um negro a um macaco é sim racismo, por mais que a sua intenção fosse das melhores não tem como desassociar o personagem da realidade política, social, econômica e cultural do nosso país. E outra, no filme, o macaco Abu é retratado como cleptomaníaco, praticando pequenos furtos no decorrer da trama, enquanto Jasmine é uma princesa e Aladdin o moço pobre, mas com o coração puro. Todas essas informações só dão maior carga as críticas apresentadas pelos negros e negras.
Não quis me pronunciar até entender todo assunto, mas vendo a nota escrita pelo pai do menino, senti a necessidade de tentar aprofundar um pouco mais sobre a temática racial para a família.
Além dessa informação, o pai e responsável pela caracterização informou que o menino negro era adotado. O rapaz pediu desculpas para quem se sentiu ofendido e disse que não foi essa a intenção (nunca é). Informou que era artista de teatro e ousou dizer que as páginas que denunciaram a fantasia estavam descontextualizadas. Bem, como disse acima, quem está distante da realidade do país não somos nós. Desde pequenos ouvimos tal comparação e lutamos diariamente para acabar com isso. É ofensivo demais e não podemos mais reduzir isso a um simples erro de interpretação.
Gostaria de lembrar que adotar uma criança negra, casar-se com uma pessoa negra ou ser amiga de uma pessoa negra não impede de ser racista.
Acho louvável a atitude de adotar uma criança (opinião pessoal), mas acredito que é preciso ter muito mais do que boa vontade para se ter um filho – isso vale para os pais biológicos também. É preciso, antes de tudo, ter sensibilidade e humildade para aprender. Vejo uma certa preocupação dos pais sobre o que ensinarão para os filhos, mas não vejo uma grande preparação para o que aprenderão com os pequeninos.
Se tratando de adoção, essa sensibilidade e humildade são ainda mais necessários. Entender e saber tratar de assuntos como a rejeição não é tão simples assim. Para uma criança negra, além desses casos, é preciso falar sobre racismo. E não adianta achar que não tocando no assunto, esse tema nunca aparecerá. A diferença de tratamento, os olhares, o diálogo… Várias ações farão seu filho perceber que há um abismo entre ele (negro) e vocês (brancos) e se essa sensibilidade e humildade não forem trabalhadas com frequência será difícil entender as dificuldades apresentadas pela criança, detectar o problema e tentar encontrar a solução.
Neste momento pode parecer confortável ouvir as palavras dos amigos minimizando o problema em comparar uma criança negra a um macaco. Mas o problema não acaba por aí. A responsabilidade com o filho é para a vida toda. Os danos psicológicos podem ser grandiosos se você tentar reduzir ou descartar algum problema racial que o seu filho enfrente, principalmente na fase de construção da identidade dele. E acredito que aqui, apenas o amor não seja capaz de dar suporte. É preciso conhecimento, politização.
“Realmente o meu filho Mateus vai me ensinar muito como nos blindarmos do preconceito na cabeça das pessoas”.
Com certeza. Se você tiver a sensibilidade e a humildade de conhecer e apresentar todo o universo negro para o seu filho desde a infância, ele se tornará uma grande pessoa e saberá trilhar o próprio caminho com segurança, sabendo quem é, de onde veio e para onde pode ir. Mas sem a humildade de reconhecer o próprio erro, como o racismo – que mesmo sendo involuntário, continua sendo racismo – ficará ainda mais difícil de trilhar todo esse caminho.
Acredito que o contato com os movimentos negros e a leitura de grandes obras que tratem do assunto poderão contribuir muito para a criação do seu filho que uma hora ou outra vai querer saber mais sobre a sua história e procurará ícones que se pareçam com ele e que façam sentir orgulho de quem ele é e de como ele é.
Você poderá apresentá-lo as maravilhosas obras de Cartola, Jovelina, Jamelão, Nelson Sargento, Simonal, Pixinguinha. A grande história e contribuição política de Abdias do Nascimento e Leci Brandão. A coragem de Carlos Marighella. A luta de Zumbi, Dandara, Ganga Zumba, Tereza de Benguela. A genialidade de Ruth de Souza, Zezé Motta, Grande Otelo, Machado de Assis. A enorme contribuição de Lélia Gonzalez. Poderá incentivá-lo a ouvir as letras contundentes dos Racionais MC’s e Facção Central. Poderá contar as histórias de lutas por direitos civis e igualdade racial em outros países, como nos EUA e na África do Sul. Contar a história de líderes como Martin Luther King, Angela Davis, Malcolm X, Nelson Mandela. Histórias e ícones negros que nem sempre nos são apresentados nas escolas e nas universidades.
Adotar uma criança negra não te garante um lugar no céu, mas certamente lhe fará conhecer histórias, lugares e pessoas impressionantes, ajudando a desconstruir o seu preconceito e, principalmente, ajudando seu filho a construir a própria identidade.