quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Quem nasceu para coxinha nunca chegará à lucidez histórica


POR VALDETE DAUFEMBACK

Será? Por mais que as evidências demonstrem que a humanidade perdeu o seu rumo, se é que um dia foi esta a intenção de seu “Criador”, ainda acredito no ser humano como “uma promessa”, parafraseando a lucidez poética de um grande Juiz de nossa cidade, ao qual peço licença para usar esta expressão inspiradora na construção deste texto. 


Reza a lenda, que no passado distante floresceu uma civilização cujos ascendentes eram sobreviventes da uma catástrofe natural emanada pela ira de seu “Criador” ao perceber que o seu projeto na vila terrestre havia se desviado do caminho por “Ele” imaginado. 


As dificuldades de sobrevivência após a arrasadora catástrofe uniu os habitantes pelo princípio da solidariedade, da compreensão, do amor, da doação e do espírito comunitário. A universidade da mesma linguagem fazia de seus habitantes protagonistas da experiência coletiva. 


E a humanidade seguiu a caminhada, se dividiu, se dispersou, conquistou, elegeu seus heróis, inventou, se reinventou, criou condições de estabilidade e se desestabilizou ciclicamente, alternando períodos de “vacas gordas” e “vacas magras”.  


Foram as experiências de vida de grupos dispersos em realidades diversas que impulsionaram à complexidade cultural, à perda da unicidade da linguagem e do sentido de coletividade passando ao estado de confusão babilônica que nunca mais abandonou a civilização que emergiu e se reestruturou a partir do caos. Da experiência da solidariedade reestruturativa sobreviveram apenas resíduos que deram origem ao espírito caritativo como meio de demonstração de poder econômico e de distinção social.


Para não se descrer de vez do ser humano “como promessa”, ídolos com características redentoras foram criados e personificados, cujos ensinamentos emanados desencadearam propostas de reinserção de paz, as quais não garantiram a ausência de conflitos e guerras.  


Em meio a estes grupos dispersantes se desenvolveram núcleos modelares que se especializaram em armazenar fogo nos olhos. Novas facetas e novos episódios, a cada dia, demonstram a dimensão de quão pequena é a sua sensatez ao alimentar o ódio e todo tipo de coisa ruim que já não conseguem mais controlar a salivação conexionista. Em sala de aula ou em qualquer espaço está cada vez mais difícil de abordar temas relacionados às políticas públicas, aos direitos humanos e direitos das minorias. Logo vem uma enfiada de adjetivos e vocativos seguidos de indicação de viagem: “Petralha”, “Bolivariana”, “Vai pra Cuba”! 


No ano passado quando por uma fatalidade veio a falecer um dos candidatos à presidência da República, os adversários políticos de esquerda respeitaram e se solidarizaram com a família a dor da perda. Muito diferente do que ocorreu em episódio recente com a morte de um político de esquerda, em que no velório e nas redes sociais pessoas inescrupulosas com fogo nos olhos exibiram manifestações de ódio invocando a morte a outras lideranças políticas. 

Quem viveu em comunidades de vizinhança ou quem foi educado pelo princípio da justiça, aprendeu a dar valor à vida, aos sentimentos dos outros, a respeitar a dor alheia e a ser solidário. Pessoas que nascem em tempos de “vacas gordas”, embaladas pelas perspectivas do consumismo e do egocentrismo, dificilmente desenvolvem a sensibilidade para entender as necessidades básicas de sobrevivências e da motivação de práticas comunitárias. Esta incapacidade proporciona à pobreza de espírito, responsável pelo impulso “justiceiro” que investe contra pobres, negros, e contra quem reconhece o direito das minorias. 


A empatia e a solidariedade são valores milenares que favoreceram a sobrevivência da raça humana. Por outro lado, o ódio tem acento na história como o maior causador de atrocidades que atentaram contra a vida, não somente humana, mas de todas as espécies. Quem dele se alimenta se envenena e deixa um rastro de destruição por onde transita. Talvez estejamos passando por um daqueles momentos históricos de transição babilônica. Ou entendemos a solidariedade como um princípio da condição humana, ou descartamos a ideia de que somos uma promessa e assumimos de vez a nossa insignificância existencial. 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Dilemas militantes

POR FELIPE SILVEIRA

Dias atrás eu assistia a um programa de debate esportivo que falou brevemente sobre Rogério Ceni, o goleiro do São Paulo FC. Eu nem gosto do RC e nunca o achei um excelente arqueiro, mas uma opinião sobre ele me chamou a atenção. O jornalista inglês Tim Vickery, correspondente da BBC, ao comentar a longa carreira de Ceni em um só clube, no Brasil, comentou o quanto é, digamos, injusto, que não possamos ter duas vidas, imaginando o quanto o próprio goleiro gostaria de ter tido uma carreira internacional, em grandes clubes europeus, disputando títulos nas principais ligas do mundo.

Fiquei pensando, então, em quantas vidas nos são negadas ao longo da nossa. Quantas possibilidades de profissões, militâncias, carreiras esportivas e artísticas. Quantos de nós não sonharam em ser jogador de futebol, artista de cinema, ter uma banda ou ser escritor?

À medida que a idade vai chegando, vamos diminuindo um pouco as expectativas. Mas o dilema persiste. Você não sabe se se dedica à carreira acadêmica, ao mercado ou à militância política. Nesta última, você também não sabe se se preocupa mais com a macroeconomia, com os problemas nacionais e internacionais, ou com os buracos de rua do seu bairro que não deixam você chegar em casa sem comprometer a suspensão do carro.

Enquanto militante de esquerda, outro problema se apresenta: lutar contra o capitalismo ou contra outras opressões que nos limitam, como os preconceitos de raça, gênero e sexualidade? Uma parte da esquerda tem isso bem resolvido. Acreditam que uma revolução socialista acabaria com os preconceitos, já que eles são fruto justamente da desigualdade gerada pelo sistema capitalista.

Não creio que seja suficiente. Primeiro porque a revolução não tem data marcada e nem sabemos se vai acontecer. Particularmente, não aposto minhas fichas. Segundo porque não imagino que ela resolveria essas questões.

Minha opção é casar as coisas. A luta de negros e negras é anticapitalista, porque ataca aqueles que lucram sobre esta desigualdade imposta. A das mulheres e da população lgbt, idem, entre várias outras. Se o sistema usa a desigualdade para ganhar dinheiro, nós temos que fazer o sentido inverso.

Portanto, se os buracos na rua te irritam, e os juros do banco fazem sumir o seu salário antes da metade do mês, não se omita por não saber o que fazer. Tudo faz parte do mesmo sistema, e lutar contra ele, em qualquer uma das frentes, é de suma importância.

Quatro anos de Chuva Ácida

Há duas semanas o blog comemorou o quarto ano de existência. São inúmeros textos desde então que tentam, muitas vezes com sucesso, promover o debate político em Joinville. Em uma cidade dominada pelo poder econômico, de vida fácil para os dominantes, com a história perseguição daqueles que se opõem, sem um curso de Ciências Sociais e com apenas duas universidades públicas completamente voltadas para gerar mão de obra qualificada para o mercado, manter o projeto, publicando diariamente, é um desafio imenso. Como co-fundador, quero somente agradecer a todos os escritores e leitores do blog, das pessoas que fazem dele uma pequena ilhota de resistência, com suas qualidade e defeitos, cercada de um mar tão revolto.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Tá serto!


Petista bom é petista morto




POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A barbárie é aqui. É em Minas Gerais. O velório de José Eduardo Dutra, ex-dirigente do Partido dos Trabalhadores, foi marcado por dois episódios bárbaros. No primeiro, um desconhecido atirou panfletos com o texto “petista bom é petista morto”. Mais tarde, apareceram três pessoas a portar cartazes que, entre outras coisas, desejavam a morte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O pequeno número de intervenientes poderia indicar apenas uma sequência de fatos infelizes. Mas não. Os episódios revelam uma cultura do ódio forte ao ponto de tornar irrelevante o valor da vida. É a rejeição da civilização. É a invalidação do imperativo categórico de Kant (aquele que fala em só querer para os outros o que queremos para nós – a vida é bem universal) e a negação do contrato social.

Os dois episódios, somados a tantos outros que se sucedem, revelam mentes em estado de putrefação. O ódio fez perder as referências da vida em sociedade. A decência, a tolerância e o respeito pelo ser humano – e pela vida – tornaram-se moeda podre. Fica escancarada a corrosão do carácter. E o pior: a intolerância atinge níveis que apontam, de forma assustadora, para o fracasso da democracia.

Sigmund Freud escreveu que o ódio é um processo do ego que projeta a destruição do ser odiado. O alvo dessa projeção? É todo aquele que se mostra irredutível à minha própria imagem. Ou seja, se o Outro é diferente e não se converte à minha imagem, odiá-lo é o caminho quase inevitável. Daí surge a negação desse Outro e, em situações mais extremas, o desejo de destruição (a pulsão de morte).

O processo faz surgirem as fobias, ódios irracionais pelo Outro. Há muitos exemplos. O racismo, porque a cor é irredutível. A homofobia, porque representa a negação do meu sexo “normal”.  Ou a xenofobia, porque a outra cultura do Outro me é estranha. Eis o problema: essas fobias têm como pano de fundo o ódio de classe, a negação do Outro que pensa diferente.

Há quem rejeite a expressão “ódio de classe” (os odiadores são os primeiros), mas ela é uma evidência no Brasil. E a origem está quase sempre nos conservadores. Há um discurso do ódio no dia a dia dessas pessoas. Quando se chama a presidente de vaca ou puta. Quando um deputado acha que a polícia mata pouco. Quando até um papa é execrado e chamado de comunista.

E sabem o que é mais lamentável, leitor a leitora? É o papel da velha mídia, que atua como incubadora dessa cultura de ódio. Na falta de ideias dos partidos de oposição, a imprensa ocupou esse vazio e tornou-se, ela própria, num forte partido de oposição. É um processo sui generis. A velha mídia instila o ideário fascista (cuja seiva é o ódio) e os reacionários transformam-no em prática quotidiana.

Viver pelo ódio produz uma estranha forma de vida. É bom lembrar Bernard Shaw, para quem o ódio é a vingança do covarde. Nem mais.


É a dança da chuva.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Rachando o bico.


Quem tem medo do voto impresso?


POR JORDI CASTAN
O veto da Presidente Dilma à impressão do voto é um retrocesso preocupante. Confesso que não passa um único dia sem que me decepcione um pouco mais, mas deixei de me surpreender já faz tempo. Os princípios mais elementares de transparência exigem que não paire dúvida sobre a lisura do processo eleitoral. E hoje há cada vez mais dúvidas.

Passado o encantamento com o brinquedo tecnológico, surgiram as primeiras dúvidas. Aqui e acola surgiram denúncias, muito antes da eleição de Lula, de que as urnas eram passíveis de violação. Professores de algumas universidades públicas e especialistas em informática alertaram sobre a fragilidade do sistema - que, é bom lembrar, já tem mais de 20 anos, uma eternidade no mundo da informática.

As eleições de 2010 já foram motivo de questionamentos. Menos pelo resultado, porque não houve, naquele momento, dúvidas sobre a legitimidade da eleição da candidata do PT, mas sim sobre a segurança e vulnerabilidade do sistema. Em tempo hábil se iniciou um movimento que solicitava a adoção do voto impresso, para ser utilizado, como contraprova, em caso de dúvida, questionamento ou de falha nas urnas, como, aliás, acontece em todas as seções.

Hoje se uma urna estraga durante o dia da votação, aqueles votos não são contabilizados e são perdidos. O TSE tem se negado sistematicamente a considerar a possibilidade de adotar o voto impresso. A sua recalcitrante posição contraria sempre me pareceu estranha. Hoje me parece suspeita.

Novamente antes das eleições de 2014 houve várias iniciativas em favor do voto impresso. O presidente do TSE, o juiz Dias Toffoli, curiosamente, tem sido absolutamente contrário à sua adoção. Curiosamente ele. A proposta do voto impresso como contraprova é simples, barata e fácil de implantar. Quando o eleitor vota na urna eletrônica, um terminal imprime o voto, num equipamento equivalente a uma impressora de cartão de credito. O eleitor confere a papeleta e verifica que corresponde ao que ele votou. Feito isto coloca o impresso numa urna lacrada frente a mesa eleitoral.

Ao encerrar a eleição um número de urnas é sorteado para ser “auditado”. Os resultados da urna são conferidos com os das papeletas impressas. Sem erro, 100% devem ser idênticas. Feita a conferência não há duvidas e o sistema se prova confiável. As outras papeletas são destruídas. Final da historia.

Sem deixar de usar as urnas eletrônicas e se beneficiar de um sistema que permite uma apuração rápida. O voto impresso segue os principios mais elementares de contabilidade, permitindo a produção de uma contraprova que possibilite um controle. Hoje não há nenhuma prova. A adoção do voto impresso não representa nenhum retrocesso, como se os seus defensores propusessem a volta da máquina de escrever ou ao Brasil anterior ao descobrimento, como alguns querem fazer nos fazer acreditar. 

Há perguntas que não querem calar. Quem tem medo da contraprova? Porque se opor ao voto impresso? Há outras alternativas que garantam a transparência e a segurança? A quem interessa alimentar a teoria da conspiração? Se a tecnologia das urnas brasileiras é tão boa e tão segura, por que não tem sido adotada por nenhum outro país? 

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

MeuZovo!


Lia Abreu - Um caso que arrepia a gestão Udo Döhler



POR SALVADOR NETO

Finalmente Lia Abreu falou. Não diretamente por sua voz, mas falou. A Prefeitura de Joinville também falou. Assim, um quadro obscuro ficou agora escandalosamente claro. O modelo “moderno” de gestão de pessoas no governo Udo Döhler (PMDB) trilha os caminhos da tal “meritocracia” que o então candidato defendia em seu Plano de Governo em 2012 nas páginas 14 e 15?

Seria talvez uma “udomeritocracia”? Abuso de poder, perseguições, assédio moral, afastamentos e procedimentos administrativos em escala nunca antes vista seriam a base de medida desta gestão? Pelo menos é o que se mostra diante dos fatos que chegam a este humilde jornalista.



“(Eles queriam) primeiro temporariamente, em razão do ano letivo de 2015 que se iniciava, e posteriormente, criar o cenário ideal para se afastamento definitivo, ou seja, a exoneração da servidora”, disse à reportagem. 

E disse mais: “As denúncias variam de forma e tamanho, algumas beiram ao ridículo como, por exemplo, sorrir nas dependências de órgão público. Outras acusam Lia de conduta inadequada, manifestação de desapreço e maneira autoritária de agir”, observou o defensor.

Apurações feitas por este jornalista apontam que há parentes de deputados, ocupantes de cargo de alto escalão do governo estadual, envolvidos no ardil desta ação contra Lia Abreu. Mais espantoso é ver que após mais de 200 dias de processo administrativo, e do afastamento da fiscal de suas funções, ainda não tenham conclusão.

Não encontraram nada em tanto tempo de investigação, e tentam impingir à servidora uma punição. Seria essa a tal meritocracia? A udomeritocracia? Essa medida deixa as digitais da perseguição à mostra, e certamente será derrubada pela defesa da fiscal. Será este o modelo de “protagonismo” na gestão que propunha o então candidato Udo Döhler?

Há outras denúncias de mais setores, e todas as fontes garantem ter documentos em mãos para provar inocência, e também mostrando possíveis “interesses” não tão nobres nos processos, e também afastamentos.

Falta a prometida “nova e justa política de remuneração”, e o diálogo inexiste com os representantes da categoria. Some-se a isso a falta de condições de trabalho nas subprefeituras, faltam remédios, médicos, obras, o excesso de buracos nas ruas, etc, etc, etc, em todos os setores da Prefeitura.

Por Lia Abreu, falou seu advogado ao jornal Gazeta de Joinville na edição do dia 16 de setembro deste ano. Segundo Alexandre Rossi, o afastamento da fiscal sanitarista é puramente político.

Causa estupor ao cidadão que paga impostos a sanha perseguidora do Governo Udo a essa fiscal que tem mais de 20 anos de bons serviços prestados à cidade. Dura na fiscalização do abandono das escolas estaduais e municipais, ela granjeou inimigos poderosos. Desses agentes políticos que agem nos bastidores.

Mais que isso, decidiram pelo retorno dela ao posto original de 1996 sob alegação de não ter cumprido estágio probatório! Essa Secretaria de Gestão de Pessoas comandada por uma ex-candidata derrotada à vereança está mais para um Dops, DOI-CODI, ou até uma Gestapo.

Recebi denúncias que somente em um setor da Prefeitura de Joinville, que lida com obras e outras fiscalizações, há cerca de 20 processos administrativos disciplinares em andamento contra... fiscais! Essa ideologia de processos contra servidores seria uma prática comum e já corriqueira na atual gestão, uma forma de pressão para obrigar os servidores a realizarem atos que a administração deseja, mas não vê acontecer.

Tal modelo de gestão de pessoas remonta ao inicio da revolução industrial, portanto, ultrapassado, arcaico, que desmotiva e desmobiliza a máquina pública que é tocada por mais de 12 mil servidores. Recentemente houve a tentativa de corte da insalubridade dos servidores do velho Zequinha, o inabalável e insubstituível Hospital São José.

Repito o que disse no artigo escrito há seis meses sobre o mesmo tema (clique aqui): o tempo da mordaça acabou há 30 anos. Lia Abreu e demais servidores. Desinterditem suas vozes. A sociedade que paga seus salários e espera seus bons serviços aguarda ansiosa.

É assim, nas teias do poder...

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O silêncio do PT frente ao genocídio


POR FELIPE CARDOSO

Uma das grandes propagandas do governo petista nas eleições foi a questão das cotas sociais. As pesquisas mostram um aumento significativo na presença de negros e pobres nas universidades brasileiras.

Ao mesmo tempo, o governo comemorou e divulgou outras duas grandes conquistas: ser sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olímpiadas de 2016.

Poderíamos ser gratos eternamente ao governo petista por seus investimentos e ajuda para a população negra brasileira, diversas pautas puderam ser realizadas graças ao espaço dado e a algumas políticas públicas colocadas em prática. Luta de anos dos movimentos negros espalhados pelo país.

Mas o erro petista foi acreditar que com mais consciência e com acesso as novas tecnologias, os negros e negras permaneceriam a receber violência calados, ou que silenciariam com qualquer evento comemorativo.

Poderíamos celebrar e enxergar um futuro progressista para a população negra e pobre com todos esses “avanços”. Poderíamos nos iludir com as falácias de geração de novos empregos, lazer e oportunidade para os novos atletas com os eventos esportivos.

Mas a história nos mostra que negros e negras não são bem-vindos em grandes eventos, muito menos na política – basta olhar a foto e contar quantos negros compõe o ministério do governo Dilma.

Antes mesmo da realização da Copa do Mundo, tivemos o primeiro aperitivo do que a população da periferia iria enfrentar. As instalações das Unidades de Polícias Pacificadoras nas favelas cariocas tinham como objetivo expulsar os “bandidos”. Mas hoje podemos perceber que o verdadeiro intuito é oprimir, silenciar e amedrontar os moradores das comunidades periféricas.

A cidade maravilhosa, uma das principais sedes dos dois maiores eventos esportivos mundiais, não poderia contar com a presença de pessoas que não pudessem pagar a entrada, muito menos, não poderia ter como visual para os turistas, os barracos da favela. Esconder a "sujeira" debaixo do tapete foi a melhor solução encontrada. Dentro dos estádios era visível o tipo de público aceito para frequentar um evento desse porte e o tipo de comportamento que deveriam ter.

Enquanto isso, do lado de fora, diversas famílias foram expulsas de suas moradias para dar espaço para as obras da Copa. Até hoje esperam a indenização.

Para defender os interesses de alguns, para trazer lucro para poucos, o governo exclui e extermina parte da população. O pacto, que deveria ser feito com o povo, foi feito com os bancos, latifundiários, ruralistas, empreiteiros, grandes empresários.

É aí que está a grande incoerência do PT, não dá para agradar a todos. No sistema capitalista, para alguns ganharem, outros têm que perder e a população negra é a que mais está perdendo.

Os dados mostram o crescimento no índice de negros assassinados e encarcerados nos últimos anos no Brasil. Ao mesmo tempo em que poucos conseguem entrar nas universidades, milhares seguem morrendo. O descaso fica ainda mais gritante com a chegada de imigrantes negros, que não recebem nenhum auxílio e penam para sobreviver, uma vez que não conseguem ser realocados nas suas verdadeiras áreas de atuação no mercado de trabalho, tendo que se submeter a serviços braçais que, na maioria das vezes, não oferece total segurança.

Corpos negros são arrastados, corpos de negros somem, corpos de crianças e jovens negros são alvo da polícia. Nada se escuta do partido dos trabalhadores. A preocupação é com a crise política e econômica. O medo é perder o poder.

Enquanto isso, a população negra continua sem poder. Sem poder ir a praia, sem poder andar na rua a noite, sem poder parar de ser criminalizado e assassinado, sem poder brincar. Sem poder viver.

A guerra falida contras as drogas continua mantendo as UPPs no Rio de Janeiro. Seus soldados continuam matando crianças. Pelo visto, a ideia é “higienizar” e segregar cada vez mais. A preocupação é oferecer um bom espetáculo para os turistas. Afinal, é dinheiro, mas nós sabemos muito bem para quem será destinado, quem realmente lucrará com tudo isso.

As desigualdades sociais e o racismo continuam. O silêncio da chefe do Estado em relação a tudo isso, também.

Para piorar o governo federal propôs fundir a Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial, a Secretaria de Mulheres e de Direitos Humanos em um único ministério, o Ministério da Cidadania. 

A verdade é que por mais que algumas boas medidas tenham sido tomadas para a população afrodescendente, não houve, até o momento, nenhum investimento ou ação para parar com as mortes e encarceramentos dos negros. E, pelo visto, não há interesse para que algo seja feito. Podemos esperar, ainda, mais retrocesso.

Genocídio da população negra, segregação racial, repressão nas favelas, chacinas, redução da maioridade penal, autos de resistência... Arrastões e rolezinhos são apenas consequências. Resultado de tantas opressões.

Vidas são colocadas em risco por conta da incoerência do governo federal e sua insistência em investir em uma economia neoliberal, beneficiando bancos e grandes empresários e massacrando os trabalhadores.

O sistema está errado, Dilma. O caminho não é esse. Incoerência se resolve com atitudes.

Aos negros e negras a única saída é a união, o famoso “nós por nós”, como sempre foi.

O Brasil continua sendo um país para poucos. Mas devemos reverter esse quadro. A luta segue.