terça-feira, 18 de agosto de 2015

A meritocracia e os corpos (roliços)

POR SABRINA IDALÊNCIO

A meritocracia não discrimina. Seja o montante da sua conta bancária ou o tamanho das suas calças, lá está ela. Em uma farmácia qualquer, após adquirir suplementos alimentares proteicos, a mocinha classe mérdia universitária se pesa satisfeita. A mesma satisfação de quando escolhe roupas novas. Eis o resultado de uma rotina de atividades físicas e alimentação bem balanceada. Nada vem de graça. Até as curvas do corpo representam uma conquista.

A moça ainda não ultrapassou os 25 anos, exala saúde perfeita e contabiliza zero caso de obesidade na família. Tem tempo para planejar e preparar as próprias refeições, embora não lave as próprias roupas, muito menos o banheiro que usa. Observa uma moça de formas arredondadas que aparenta idade semelhante à sua na fila do Subway (depois de tanto esforço ela merece fast food!). A gorda carrega consigo uma criança também acima do peso. A moça reflete. Eles nem deviam estar aqui, a menos que seja pra pedir salada, pensa. Que exemplo essa mãe pensa que está passando à criança? Pergunta-se a moça sem filho algum.

Repara quando até o menino pede um lanche com mais recheios que o dela. Absurdo! E a mãe não fica nem um pouco atrás... como conseguem. Aqui ignora-se a rotina da família, seus hábitos e a herança genética. Gente gorda não merece comidas gostosas. Não merece roupas bonitas. Não merece relacionamentos felizes. Lembrou-se do desgosto quando via pessoas com quem acabara de se relacionar logo aparecendo com meninas mais gordinhas. Cadê o bom gosto que tinha quando estava com ela, tão empenhada e cuidadosa?


É assim que a meritocracia dos corpos funciona. Gente gorda não merece amar, ser amada, ser feliz, comer bem. O único tópico da pauta dessas pessoas precisa ser uma reeducação alimentar aliada a treinos pesados – como se ser gordo fosse sinônimo direto de má alimentação e sedentarismo. Pela meritocracia, gente gorda não merece viver bem porque não se esforça o suficiente.

...Cabeça Mole.


Os estereótipos nos atingem


POR FELIPE CARDOSO

Nós, humanos, costumamos nos rotular a todo o momento. Faz parte da construção da nossa identidade e da construção da identidade do grupo do qual convivemos. A identidade está ligada à diferença. Uma depende da outra.

Eu me identifico como negro, pois não sou branco ou indígena. A partir dessa construção nos situamos e passamos a conviver com as diferenças existentes na nossa sociedade.

O nosso pré-conceito nos faz resumir algo ou alguém em características que são, geralmente, propagadas de geração em geração. A partir daí, tornam-se parte do imaginário popular e que, por falta de conhecimento, transformam-se em verdade absoluta, senso comum – por conta da repetição – e sofrem grande resistência ao ser questionado e contrariado.

Exemplo:

“Os indígenas não costumam tomar banho, são preguiçosos, só gostam de pedir esmolas”.

Quais indígenas?

Nossa falta de conhecimento nos faz reduzir e agrupar tudo em um lugar só. Nossa falta de vontade em tentar conhecer e entender o próximo nos deixa confortáveis para resumir tudo o que nos é apresentado como diferente.

Não sabemos a diversidade da população indígena existente no Brasil. As diferenças no idioma, da cultura, nos locais em que vivem. É mais confortável ver filmes, novelas ou programas que retratam com a visão “de fora” e nos dizem como são e o que fazem. Podemos ver as mesmas atitudes como no caso das favelas e do continente africano, por exemplo. Vistos como algo negativo, sem valor, carente, um olhar depreciativo.

Visão feita, na maioria das vezes, por homens, brancos, heterossexuais, cisgêneros, detentores dos veículos de comunicação de massa, presença majoritária na política representativa, detentores do capital financeiro, capazes de ter muita influência na educação, na literatura, na música, na representação, dentre outros meios que acabam atingindo e influenciando os trabalhadores.

A partir desse poder é que são mostradas essas visões do “diferente”. Por meio da ótica branca. Daí são criados e propagados os estereótipos:

O índio preguiçoso, só sabe fazer a dança da chuva, usar cocar, fazer cara de brabo, conjugar verbos utilizando o “mim”, chamando todos de “cara pálida”...

O negro como subalterno, como o ser engraçado, exótico, hipersexualizado, desdentado, pobre, ignorante, violento, malandro...

O homossexual como escandaloso, pervertido, fútil, efeminado ou masculinizado...

A mulher como um ser não pensante, dependente, sentimental, frágil, objeto sexual, dentre outros...

Nordestinos são vistos como pobres, preguiçosos, carentes, dentre outros adjetivos depreciativos por alguns sulistas que defendem a separação do país.

São raros os estereótipos positivos para esses grupos sociais. A maioria dos estereótipos positivos costuma ficar para os homens, brancos, heterossexuais, cisgeneros. Eles são civilizados, inteligentes, responsáveis trabalhadores, pagadores de impostos. Constroem sua imagem positiva,  reduzindo e marginalizando os “diferentes”, os “outros”.

A construção dessa imagem começou com o imperialismo, quando os europeus decidiram se lançar em busca de novos territórios para conquistar. Para poder explorar os “diferentes”, tiveram que rebaixá-los para, depois, marginalizá-los.

Hoje, ainda vemos a propagação desses estereótipos e vemos as suas perversas consequências.

Recentemente, um material de divulgação contendo dicas de segurança, distribuído pela Polícia Militar Paulista, nas escolas da cidade de Diadema (região do Grande ABC), continha em suas ilustrações, um personagem negro representando o criminoso:

“O que era para ser um informativo com dicas de segurança pública virou alvo de críticas, por reforçar preconceito e racismo”.

A cartilha foi entregue a diversas crianças que podem não ter recebido um contraponto crítico a respeito dessa representação. Possivelmente, tomarão como verdade a imagem e na medida em que forem crescendo, aquela representação se tornará regra, pois não será apenas em uma cartilha em que verão o negro como criminoso. Nos programas policiais sensacionalistas, nos filmes, nas novelas, nas obras literárias. Assim, formarão a suas opiniões pautadas em uma cultura racista e que dificilmente receberá uma contraposição do que lhe foi apresentado desde a infância.

Podemos conferir o resultado desses estereótipos com os aumentos dos linchamentos em praça pública, incentivado por alguns “jornalistas”, ou com alto índice de jovens negros mortos ou presos sem ao menos serem ouvidos. Os famosos autos de resistência.

Está naturalizado. E muitas pessoas querem que continue da mesma forma, pois está dando lucro e não é pouco.

Em tempo de muita polêmica com a aprovação do Plano Municipal de Educação, cabe o questionamento e a problematização dessa visão do diferente. Isso tudo parte da falta de conhecimento, de uma visão singular, estereotipada, repetida, naturalizada e tomada como regra sem contestação ou confirmação teórica. A xenofobia contra nordestinos (que tem doses cavalares de racismo), o preconceito com as religiões de matrizes africanas (influenciadas por muitas igrejas cristãs e também por conta do racismo), a homofobia, o machismo, o autoritarismo, a repressão, as desigualdades sociais tem que ser pauta diária na vida das crianças e jovens brasileiros, principalmente das escolas públicas, que serão os mais atingidos por essas opressões.

O senso crítico, a autonomia do saber, o estímulo para que os estudantes comecem a ter um olhar mais analítico da realidade em que vivem, no contexto em que estão inseridos, sabendo reconhecer seus privilégios ou desvantagens já deixaram de ser importantes. Tornaram-se necessários. E nenhum grupo religioso ou político deve ter poder para proibir esses direitos.

Precisamos de mais pessoas pensando no coletivo. Pensando em pessoas. Precisamos de menos pessoas pensando no bolso, no lucro, em interesses particulares. Isso é o temor de alguns. Talvez pela ameaça que represente.

Pessoas com senso crítico questionam, não aceitam tudo como verdade absoluta. Têm outra visão. Não caem em falácias tão facilmente. Têm autonomia para interpretar. Isso preocupa muitos os políticos, porque, assim, mais pessoas entenderão dos direitos, não apenas dos deveres. Preocupa muitos líderes religiosos, pois as pessoas aprenderão a separar os ensinamentos espirituais de picaretagem, discursos de ódio e lucro exacerbado.

Os estereótipos são violências simbólicas que dão aval para que as violências físicas sejam praticadas. E, ao serem repetidas em vários momentos de nossas vidas, se naturalizam e se tornam corriqueiras diante os nossos olhos, de maneira com que não reagimos, não questionamos, não problematizamos. Apenas aceitamos, sem o sentimento de culpa.

“Sempre foi assim. Será sempre assim”.

O genocídio da população negra. Os ataques homofóbicos. A violência doméstica. A violência contra as mulheres. Está naturalizado. São motivos de piada, chacota.

Na sociedade do espetáculo, na nossa vida líquida, em que tudo é passageiro, a violência passa despercebida, desinteressante, até que nos atinja. A partir daí procuramos tomar uma atitude, tentamos ganhar voz, problematizar, mudar. Antes disso, colocar-se no lugar do outro e procurar dar credibilidade e visibilidade ao discurso do oprimido, nem pensar. Nos dos outros é refresco.

Para encerrar, deixo um vídeo humorístico que fala justamente sobre as questões dos estereótipos, mas com outra ótica. De pessoas negras falando para pessoas brancas coisas que costumam ouvir com certo tipo de frequência. Talvez esse seja um bom experimento para que as pessoas tentem desenvolver o sentimento de empatia. Talvez.




segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A tocha



Na segunda seguinte ao domingo em que o joinvilense ficou divido entre sair à rua para protestar contra tudo e contra todos ou ficar twittando contra, publico um texto sobre o que faz mexer os joinvilenses.


A tocha

A população deseja médicos especialistas para realização de consultas. E o prefeito, a tocha.
A população deseja cirurgias que aguarda há muito tempo. E o prefeito, a tocha.
A população deseja a ampliação da rede de saneamento básico. E o prefeito, a tocha.
A população deseja vagas nas creches para suas crianças. E o prefeito, a tocha.
A população deseja obras para redução dos alagamentos. E o prefeito, a tocha.
A população deseja a reabertura do mirante do Boa Vista. E o prefeito, a tocha.
A população deseja a duplicação da Avenida Santos Dumont. E o prefeito, a tocha.
A população deseja a licitação do transporte coletivo. E o prefeito, a tocha.
A população deseja que os parques públicos tenham segurança e iluminação. E o prefeito, a tocha.
A população deseja mais obras e menos publicidade. E o prefeito, a tocha.
A população tem outras prioridades. E o prefeito, a tocha.

Em homenagem ao Johnny Storm (Tocha Humana).

Em tempo, cada Joinville tem o prefeito que merece e cada Brasil tem o presidente que merece. Há quem acha este governo ótimo e não tolera nem críticas, nem outras manifestações que não sejam as de loa e apoio incondicional. São os arautos da democracia, os que a querem tanto que a querem toda só para eles.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Barulho da Chuva #9


Religião e política: um debate necessário

POR VALDETE DAUFEMBACK

Religião e política. Embora o ditado popular diga que são temas que não se discutem, considero, indiscutivelmente, duas de minhas paixões sempre à espera de um bom debate em qualquer espaço e tempo. Talvez esta disponibilidade esteja arraigada aos valores assimilados na infância, por viver em uma comunidade herdeira de conduta moral religiosa medieval com seus ritos, obrigações, símbolos e representações do lugar destinado à alma após a passagem nesta vida terrena.

As forças poderosas destes espaços, deus e o diabo, cada qual com suas legiões, na concepção religiosa travam uma luta constante entre o bem e o mal, constituindo-se duas condições imperativas de escolha aos humanos. Mas se são apenas duas em que uma está condicionada à outra, surge a dúvida quanto ao livre arbítrio, o que já se constitui uma transgressão, indicando a satisfação do diabo e a derrota de deus.

Neste ponto, a dúvida sinalizava a encruzilhada entre a religião e a política. A mera crença perde espaço para a reflexão e a representação destes dois poderes passa a dispor nova interpretação. Significa, portanto, que deus e o diabo formam a elite, a qual decide o destino dos humanos. Como resultado tem-se a rebeldia e o desejo de participar das decisões que conduzem a sociedade, independente de crença religiosa, raça, cor e gênero. Este é um ato político mais significativo da história humana.

Da manifestação da dúvida à participação popular e a formação do Estado laico, a política consagrou o direito de expressão e de pensamento em estado de rizoma, quebrando as verdades inquestionáveis com a multiplicidade de escolhas e de identidades. A árvore de onde se acreditava originar o bem e o mal, com suas raízes milenares, depois do encontro com a ciência, com grupos étnicos, gêneros e suas possibilidades de trânsito, não se admite mais que se constitua um único pólo soberano com suas verdades acima do bem comum, da vontade democrática da convivência humana.

Quando o poder religioso, utilizando-se de traquejo político, não respeita as decisões democraticamente dispostas pela Constituição Federal (Estado laico), proporciona a quebra de confiança nos representantes eleitos para conduzir a estabilidade e harmonia social. Ao assumir uma postura autoritária de negar à sociedade o direito de se expressar para incluir nos currículos escolares temas em favor das minorias em nome da paz social por meio da compreensão da diversidade cultural, étnica e de gênero, estes representantes eleitos jogam na lata do lixo a Constituição Federal, o seu compromisso com a população e a esperada postura ética.

É cada vez mais corrente a presença de representantes políticos que, pautados em um livro que dizem sustentar a teoria da árvore do bem o do mal (a qual classifica, condena e elege valores considerados essenciais aos escolhidos), excluem do debate temas da realidade social e preferem olhar o mundo pela ótica bipolar das relações sociais e atribuir à família a responsabilidade dos conflitos resultantes da intolerância.

Este retorno da crença religiosa sobrepondo à política dentro poder legislativo constitui-se um perigo à sociedade. Abre portas para a volta da inquisição e para legitimar as agressões contra aqueles que não se enquadram nos critérios da verdade inquestionável pregado por grupos dotados de mentes odiosas em nome deus.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O “16 de Agosto” é para tontinhos


















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Faz algum tempo publiquei, aqui mesmo no Chuva Ácida, um texto com 10 razões para antever o fracasso do “15 de Março”. Foi na mouche. Não vou repetir a fórmula do decálogo, mas estou muito à vontade para prever que o “16 de Agosto” será outro fracasso. E ainda pior que o anterior. Por todas as razões enumeradas em março e por algumas recentes que fazem muita diferença. O que mudou de lá para cá?

Há alterações no xadrez político. Os donos do capital saíram a campo para afirmar que esperam bom senso e equilíbrio. Uma nota conjunta assinada por Paulo Skaf, presidente da FIESP, e Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, presidente da FIRJAN, afirma que “o momento é de responsabilidade, diálogo e ação para preservar a estabilidade institucional do Brasil”. Os empresários temem o caos e enviaram o sinal: tomem juízo.

E mais. Também parece haver uma mudança no comportamento da velha mídia, que entrou em processo mitótico. De um lado, os veículos que acreditam ter viabilidade econômica, como a Globo e a Folha, que parecem rever as suas posições*. A lógica é simples: a instabilidade política contagia a economia e ninguém ganha com isso. Outros, que estão a um passo do abismo financeiro, como a Veja, apostam no caos pois só podem sobreviver em ambientes mais lassos.

Com a posição expressa pelos empresários a favor da estabilidade política, perde-se qualquer réstia de argumento. E sem o incitamento da velha mídia – todos lembramos do esforço para levar pessoas às ruas em março – o pessoal do oba-oba não será mobilizado. Ou seja, o movimento será feito apenas pelo pessoal do ódio de classe e do “quanto pior, melhor”. Em resumo: só os tontinhos  vão sair às ruas. 


Enfim, pelas razões apontadas em março (ver aqui) somadas às apresentadas hoje, só resta uma conclusão: o “16 de Agosto” será apenas um circo de ódio, irracionalidade e tonterias. Mas com menos gente ainda.

É a dança da chuva.

* Em se tratando do Globo melhor ficar com um pé atrás.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Cidades, soluções e cidadania

Ciclistas protestam e propõem ideias para melhorar o trânsito
POR FELIPE SILVEIRA

Embora eu me identifique e seja identificado como um comunista que deseja a revolução, não a espero. Não deposito minhas fichas nesta ideia e nem acho que o advento de uma vá resolver meus problemas do dia pra noite. Pelo contrário, se acontecesse, meus problemas se multiplicariam. Por outro lado, mesmo que eu não me considere um reformista, no sentido clássico, acredito que uma grande mudança só pode ocorrer devagar, etapa por etapa, um pouquinho aqui, outro ali e mais um acolá.

Um bom exemplo é o trânsito. As pessoas só vão deixar de matar umas às outras e a deixar de se matar (por estresse, doença, acidente, brigas...) a partir de diversas mudanças que levem a humanização do ato de se locomover.

Não adianta esperar, pois não vai rolar um decreto que determine a paz no trânsito. Mas outros podem acontecer, como um decreto sobre a construção de ciclovias; e outro que diminua a velocidade para 30, 40 ou 50 km/h; ou mais um sobre melhores calçadas (que estimulem o deslocamento a pé). Outras mudanças não dependem do governo, como a instalação de bons vestiários para que trabalhadores possam ir de bicicleta ao trabalho. Mudanças em outros áreas podem influenciar, como a geração de empregos nos bairros, tornando o deslocamento mais curto.

Com a saúde e a segurança pública é a mesma coisa. Não adianta pensar que contratar médicos e policiais vai resolver os problemas. É preciso transformar (humanizar!) a formação nas duas áreas. Na saúde também é preciso mudar os hábitos alimentares da sociedade, alterar a forma de produzir alimentos, gerar interesse por atividade física que desenvolva a saúde e promover ações preventivas.

A saúde da população também melhoraria muito com mudanças no trânsito, já que todos os dias chegam muitos acidentados nos hospitais, o que sobrecarrega, e muito, a fila. Dessa forma, com apenas uma mudança - a diminuição da velocidade máxima permitida, por exemplo -, haveria diminuição da fila na saúde.

A segurança pública também não se resolve com o aumento da repressão, com instalação de equipamentos (cerca elétrica, câmeras etc.) ou prisão em massa da população negra e pobre. Já a descriminalização das drogas, proposta defendida até por FHC, tem se mostrado uma ótima forma de combater a violência gerada pelo tráfico. O Uruguai e o Colorado (estado norte-americano) são bons exemplos da mudança. Justiça social, melhor distribuição de renda e educação com oportunidades também são necessárias para diminuir a violência que é movida pela busca do lucro.

Aliás, é justamente pelo combate à violência que é importante a inclusão de temas e ações sobre minorias na educação. A população LGBT, a comunidade negra, imigrantes, pessoas com deficiência, pessoas com obesidade, mulheres e outras diversidades da sociedade sofrem uma quantidade muito maior de violência em toda a sua vida, tanto física quanto psicológica. Elas apanham, são assassinadas, são preteridas em qualquer coisa que disputem por serem o que são. Estes problemas não serão resolvidos sem a inclusão da discussão na escola, na mídia, no bar com os amigos e nas famílias. Pelo visto, a Prefeitura e os vereadores de Joinville não se importam, já que não incluíram ações e discussões sobre o assunto no Plano Municipal de Educação. Saiba mais sobre o assunto no texto de Pedro Henrique Leal.

Não se trata, aqui, de dizer que as únicas possibilidades de mudança sejam as pequenas, mas de começar a ver as pequenas como parte de algo maior. Elas servem como forma de engajamento, de puxar as pessoas para as causas. E, uma vez que alguém se torna um militante de uma, dificilmente para naquela, dificilmente fecha a cabeça novamente.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Plano de Educação: um choque ideológico.

POR PEDRO LEAL

Enquanto gênero é mantido fora do plano, uma realidade
cruel é exposta por movimentos sociais. Foto por Jéssica Michels
Aconteceu: a revelia dos movimentos sociais, que julgavam o plano incompleto e que não foram ouvidos, o Plano Municipal de Educação foi aprovado pela câmara, com apenas um voto contrário. Enquanto alguns podem ver a aprovação do plano como algo positivo e vantajoso para a cidade (afinal, é um plano de educação, e quem poderia ser contra um plano de educação, não é?), a aprovação em primeira instância é um problema significativo.

Em uma cidade com 17% de negros, e em um país que acumula casos diários de machismo, homofobia e transfobia, as minorias foram deixadas de lado. Embora o estado brasileiro seja nominalmente laico, a intromissão religiosa no poder público é cada vez mais comum. E tudo isso se faz manifesto em um plano de educação que, a revelia de recomendações da ONU e da Unesco, a revelia de legislação federal, e a revelia do princípio de laicidade, deixa de fora discussões importantes sobre raça, gênero, religião e orientação sexual.

Como notou em seu pronunciamento durante a sessão a outrora colunista do Chuva Ácida Emmanuelle Carvalho, estamos em uma cidade que ignora o ensino de história e cultura africana, determinado em lei desde 2003. Do contrário: professores tem sido impedidos de lecionar a respeito das religiões de matriz africana, ante a pressão por parte de conservadores. Coisa que não ocorre apenas em Joinville. Alunos de religiões africanas estão entre as principais vítimas de discriminação religiosa no país - e a escola é onde elas se sentem mais discriminadas.

Da mesma maneira, há um forte movimento organizado para impedir a inclusão de discussões sobre discriminação sexual e identidade de gênero nas escolas, assim como para combater a discriminação religiosa. Isso porque ao buscar a igualdade de direitos e a tolerância, as escolas estariam “passando por cima de valores familiares” e “anulando a identidade da criança”. Da mesma maneira, o reconhecimento da identidade de gênero ou da orientação sexual do jovem é vista por estes como "imposição". Sua negação, "seguir a natureza". Um paradoxo onde respeitar os desejos do indivíduo é impor, e negar sua essência é "dar liberdade". Lembrando que as tentativas de "endireitar" jovens LGBT são violentas, agressivas e muitas vezes terminam por condená-los a abandonar os estudos e o convívio familiar.

Grupos conservadores veem isso como imposição de “ideologia de gênero” e “intolerância religiosa” (sim, combater a discriminação de não cristãos é intolerância religiosas para alguns). como se a presunção tradicional quanto aos papéis de gênero e a heteronormatividade imposta não fossem também ideológicos. E como se fosse um direito impor seus preconceitos e suas opiniões sobre as crianças - argumento que nos EUA já foi usado para ditar o que pode ser ensinado em aulas de ciências e história, incluindo para tentar apagar menções ao período escravocrata.

Não há tal coisa como um discurso isento de ideologia. Como já bem dizia Bakhtin, todo signo é ideológico, seu significado dado pelo contexto e por construções sociais. E por extensão, toda linguagem o é. Dessa maneira, a ideia de um discurso, um uso deliberado da linguagem, que seja isenta de preconcepções ideológicas é um completo oximoro, tal qual “água seca” ou “gelo quente”.

A aprovação do plano de educação como está, o asco contra “ideologia de gênero” e a resistência contra o reconhecimento da laicidade estatal são provas fortes do debate ideológico que nos cerca: um embate entre um status quo vigente que se julga isento de ideologias e se vê ameaçado pelas tentativas de mudar o quadro social. E que se julga “igualitário” enquanto excluí aqueles que não se encaixam dentro de sua visão de mundo. Visão de mundo que teimosamente se diz "neutra" e "natural", isenta de preconceitos. Que se enxerga como a pura verdade, sem "corrupções'.

Vários dos tópicos que foram excluídos do plano quando este foi apresentado em junho foram justificados como formas de "evitar a intolerância religiosa contra cristãos". Pois bem: se permitirmos a discriminação para evitar a "intolerância pela discordância" (que me leva a pergunta em como reconhecer pessoas trans- por seu gênero ou reconhecer os direitos de outras crenças, por exemplo, prejudica religiosos), não estamos combatendo um preconceito. Estamos colocando este um grupo acima de todos. E isso é terrível para a democracia e para o convívio social.

Que esses problemas sejam corrigidos pela Comissão de Educação -  e que esta ouça os movimentos sociais ignorados na elaboração do plano. Eu me aprofundaria mais nos problemas em específico, mas acho que essa é uma tarefa para os membros dos movimentos sociais envolvidos - mais capacitados do que eu para falar dessas questões.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Bomba atômica: e se fosse em Joinville?



Cumprem-se, nestes dias, os 70 anos do lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki.  Um momento oportuno para refletir sobre o que representou no seu momento e, principalmente, o que representaria hoje, no mundo atual, a repetição de um acontecimento como aquele.

Estima-se que há hoje no mundo capacidade nuclear para lançar 15.000 bombas atômicas, cada uma delas com capacidade muito maior que as que arrasaram as duas cidades japonesas. Não é descabido perguntar-se qual seria hoje o impacto de uma dessas bombas em qualquer cidade atual.

Para responder a esta pergunta, o historiador nuclear Alex Wellerstein, do Instituto de Tecnologia Stevens, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, desenvolveu um programa de computador denominado Nukemap, que permite visualizar o impacto que teria hoje uma explosão nuclear, em qualquer cidade atual. É possível escolher a cidade, o ponto do impacto, o tipo e a potência da bomba e avaliar o efeito da radiação, o número de mortos e feridos, a área que destruiria entre outros parâmetros.

COMO SERIA EM JOINVILLE? - Para quem tiver interesse em avaliar o impacto em Joinville com o lançamento de uma bomba nuclear, como a “Little Boy”, com 15 quilotons (1 quiloton equivale à energia libertada na explosão de 1.000 toneladas de trinitrotolueno) de potência igual à que destruiu a cidade de Hiroshima, pode visualizar o link Hiroshima é aqui, e ainda alterar os diversos parâmetros, para poder acompanhar os números que o simulador proporciona.


Se a opção fosse por uma bomba de maior potência como a B83, a maior bomba disponível no arsenal militar norte-americano e com uma potência de 1,2 megatons, ou a Topol (SS-25), a bomba padrão do arsenal russo com uma potência de 800 quilotons, será possível acompanhar a área destruída e o número de vítimas, como mostram os quadros abaixo.


Impacto de uma bomba Nuclear "Little Boy"15 qt - Hiroshima 1945


Impacto de uma bomba nuclear "Topol" 800 qt 

Enfim, é uma simulação que a ciência nos permite fazer, como vemos nas imagens. Mas fica apenas nisso: um exercício teórico. Porque, afinal, sabemos que Joinville não corre qualquer risco de ataque nuclear. Nem precisava. No caso da cidade, o mais importante seria calcular 
o impacto negativo que mais de 20 anos de más administrações locais sobre a cidade. Porque a destruição é muito grande.