quinta-feira, 12 de março de 2015

Jornalismo (i)responsável

POR VALDETE DAUFEMBACK NIEHUES


Tempos atrás, mais precisamente em 2004, um delegado regional da Polícia Civil de Joinville decretou “toque de recolher”, no bairro Jardim Paraíso, o que ocasionou efeitos negativos à comunidade, pois o preconceito disseminou-se de tal forma que os moradores passaram a ser discriminados quando se apresentavam às empresas para concorrer a vagas de trabalho.

Esta ação deixou marcas que ainda são visíveis porque de maneira geral em Joinville os dedos apontam para aquele bairro como sendo “o mais violento” da cidade, isso porque se reproduz um refrão que a mídia se ocupou em divulgar na época. E as pessoas mesmo não conhecendo a realidade local, têm os meios de comunicação como fontes confiáveis e, portanto, tudo o que for divulgado passa a ser uma verdade. 


Não estou negando a evidência de casos de violência no Jardim Paraíso, o que de fato tem aumentado nos últimos meses, assim como nos demais bairros. Em uma abordagem sociológica, poder-se-ia apontar vários motivos que provocam esta triste realidade, mas não é a proposta neste momento. Pretendo, mais uma vez, chamar a atenção da estupidez jornalística em cometer o mesmo erro do passado ao divulgar, com base em suposições ou comentários duvidosos, que no Jardim Paraíso há uma lista de pessoas marcadas para morrer. 

Este é um mau exemplo de jornalismo porque informação dessa natureza não contribui absolutamente para nada, a não ser disseminar a cultura do medo e banalizar a vida. Um verdadeiro desserviço prestado à comunidade e que não cumpre os princípios da responsabilidade jornalística. Como urubu, anuncia uma suposição de desgraça e espera que aconteça algo que lhe possa render uma publicação sensacionalista ou um “furo de reportagem”.

Como os meios de comunicação desfrutam de total credibilidade da população, muito mais do que em qualquer instituição ou organização, conseguem o monopólio dos conteúdos a serem comunicados como verdade, o que facilita que do outro lado haja um público ouvinte e reprodutor das banalidades anunciadas, como se o sentido da vida se esgotasse nesta ação falaciosa.

Desse modo, munidos de recursos tecnológicos, estes ouvintes reprodutores, em uma rede de relações, ansiosamente esperam por novidades que colocam em jogo a integridade da vida e, assim, como uma orientação pedagógica, garantem a interativamente do ser-estar no mundo. Paradoxalmente, trata-se de uma necessidade da sensação do medo para se sentir em segurança em um ambiente imaginado inseguro. 

Assim tem acontecido no Jardim Paraíso. A comunidade conta com vários grupos virtuais que agem interativamente a cada publicação, com procedência confiável ou não, por vezes espalhando medo gratuitamente.  

Ao que parece, a informação instantânea, em tempo real, trouxe a possibilidade de uma confusão coletiva de saberes sem muito critério de escolhas, cujo resultado está evidente na disseminação de um acultura de medo, de ódio, do deboche, da insensibilidade, da insensatez humana. 

O jornalismo precisa se diferenciar desta maneira de comunicar as informações, utilizar os recursos tecnológicos e as técnicas de apuração e investigação antes de publicá-las. É o mínimo que se espera de um jornalismo responsável, sem a pressa de dar uma notícia em “primeira mão”, muitas vezes, de forma equivocada. Pelo contrário, quem baliza a metodologia de compartilhamento de informações, se aqueles que têm conhecimento as transformam em instrumento de terror? 

quarta-feira, 11 de março de 2015

15 de março está chegando...


POR VANDERSON SOARES

Trabalho com consultoria e faz parte de meu cotidiano visitar com frequência as empresas clientes. Algumas destas foram afetadas com as medidas econômicas de nossa presidenta. É engraçado que quase todos falam a mesma coisa: “A coisa está feia, vamos ver se 15 de março alguma coisa muda”. Ou ainda “Se Deus quiser, 15 de março ela é tirada de lá e as coisas melhoram”. Sem mencionar os expressivos incentivos que as entidades de classes empresariais fazem para promover este 15 de março.

Por não ter muita ligação com minha atuação eu não estimulo a conversa, mas eu fico pensando se esta solução instantânea que está na cabeça destas pessoas existe ou é apenas a última golfada de esperança que fala em seus aflitos corações.

Eu, sincera e particularmente, não tenho simpatia por Dilma. Ela e seu antecessor fizeram algumas poucas coisas boas no âmbito social, mas me causa ojeriza a forma como ela mentiu em campanha. E sim, mentiu descaradamente. É impossível que ela acreditasse no que falou e em menos de dois meses após eleita fazer tudo ao contrário. Não acredito em otimismo desta proporção.

Chegando ao cerne do que quero expressar com estas linhas. Não adianta esperar por um impeachment no dia 15 de março. Não adianta achar que um impeachment resolverá algo. Se ela cai (hipoteticamente aceitando que exista motivo para impeachment), assume o Temer, que é do PMDB, que além de mandar no Senado e na Câmara, mandaria também no Executivo.

Se impeachment fosse a solução de nossos problemas, o Collor não estaria como senador hoje. E não estaria no Lava Jato, inclusive, junto com quem liderou os caras pintadas, que esbravejou por um Brasil melhor. É irônico como o mundo gira e as posições se invertem, não acham?

Percebo que muitos destes que esbravejam estão apenas seguindo o fluxo, querendo polemizar, mostrar que são cultos e que acompanham a política. Então, parceiro, se você está preparando pompons e bandeiras para o dia 15 de março, admiro seu entusiasmo e empenho e defendo seu direito de fazê-lo. Mas não pense que apenas ir lá fazer um agito e voltar para casa resolverá algo.

Não adiantou nada na época de Collor. Adiantará agora? O problema da nossa política hoje é tão fundo e tão inerente que apenas passeatas não conseguem resolvê-lo. São apenas eventos isolados com apoio de gente incentivada pelo “efeito manada”. Tão apenas isso.

Muitos devem pensar: mas então o que ele espera que façamos? Que fiquemos calados? Não, eu acho que você poderia se filiar a um partido, estudar políticas públicas, debater, escolher bem o seu candidato, defender uma reforma política de qualidade (esse é o principal), não reeleger ninguém e não votar em mais ninguém que já esteja lá no poder. Acredite, isso pode mudar muita coisa.

terça-feira, 10 de março de 2015

Dá um tapa nela...

POR ET BARTHES

Memorável. O que acontece quando você coloca um menino à frente de uma menina? Se pedir um carinho, ele faz. Se pedir um beijinho ele dá. Mas se pedir para dar um tapa nela… ele não dá. É uma campanha para mostrar como as crianças reagem ao tema da violência contra as mulheres.  


Amizade?

PEDRO HENRIQUE LEAL
Esse tipo a de imagem exemplifica a parte um do problema
A parte dois vem quando o postador insiste que não há insulto.


Faz um bom tempo que tenho notado um certo padrão em discussões políticas. Seja qual for o tópico, o cidadão xinga, insulta, acusa, calunia e difama quem discorda de suas posições. É contra a pena de morte, redução da maioridade penal, tortura? Deve ser bandido. Votou na Dilma? É corrupto, idiota, ou recebe bolsa família. É a favor de taxação de grandes fortunas? Vagabundo que não trabalha e é sustentado pelos pais. A favor da legalização das drogas? Bandido maconheiro, traficante que nunca trabalhou na vida. Defende direitos LGBT? Viado; se defende adoção, é pedófilo. Critica ações militares no oriente médio? Terrorista. A lista é grande.

Mas esse velho padrão de insultos não é o padrão que eu notei. Não, o padrão é mais embaixo. Esse vem depois dos insultos. Quando se trata de lidar com as pessoas que tão ferozmente agride, esses cidadãos revoltados se acanham e se calam. Ou vem com uma cartada mais do que manjada: “não deixemos política estragar nossa amizade”.

Alguns adicionam um parenteses na argumentação, A estranha ideia que, por não mencionarem nenhum nome, os insultos online “não são pra você”. Outra variação é que, como foram pela internet, “não são de verdade”. Como se houvesse uma separação discursiva entre “online e offline”. E como se o conjunto “proponentes do controle de armas” não incluísse “meu amigo que é a favor do controle de armas”.

Desculpem me os que discordarem... mas que espécie de “amigo” diz que o “amigo” merece ser espancado? Que a “amiga” feminista precisa ser estuprada, o “amigo” comunista devia ser fuzilado, o amigo gay que quer adotar um filho(a) “quer molestar”, e o amigo que votou no candidato X é culpado por todos problemas do mundo?

Frente a isso, os “amigos” insultados têm três opções. Uma é fingir que não foram repetidas vezes insultados, e virar um tipo de “Stepford Wife” sociopolítica, mantendo um sorriso por conveniência. Outra é romper a “amizade” tóxica, ao menos até que o cidadão aprenda a não xingar quem discorda das posições dele. E quando se toma esse caminho, a reação é ainda mais fascinante do que o problema em si.

Eu perdi a conta de quantas vezes vi ou ouvi isso: pessoas surtando online porque foram excluídas das redes sociais, ou porque o “amigo” que alguns dias atrás, na mesa de bar, ele disse ser um “filho da p.... salafrário” por votar no “candidato errado” não fala mais com ele. Não raro, chamam a perda de contato de “censura” e “ditadura”. Como se amizade fosse uma obrigação, um direito essencial que não pode ser rompido por uma das partes.

A última opção racional é confrontar o “amigo” quanto a esse comportamento, de forma civilizada. E essa opção raramente tem bons resultados. Quando a pessoa chega a esse ponto, é improvável que ainda se disponha a ouvir. Chances são que xingue mais, esperneie, acuse o amigo que tentou dar um toque sincero de ser “imbecil” e “corrupto”... Enfim, não há dialogo.

Faço questão de frisar que os exemplos de insulto no começo do texto se devem a uma questão simples: em minha experiência, vejo mais de um lado do debate. E muitas vezes, esse comportamento é fomentado por políticos e formadores de opinião deste ou daquele lado. Vide, por exemplo, as inúmeras calúnias forjadas contra políticos, ou os discursos relinchantes de certos políticos.

Não significa que os partidários de uma vertente política sejam incapazes de conviver com os de outras. Mas sim que certas pessoas atingem um nível de radicalismo tão venal e tão tóxico, que tudo se torna motivo para o insulto. E quanto a essas pessoas, minha recomendação é que mesmo quem concorde com as posições dela deveria romper a “amizade”. Se é que isso é amizade. 

segunda-feira, 9 de março de 2015

Joinville 164 anos


11 mortes e somando...

POR JORDI CASTAN


O prefeito anda irritadiço, transpira nervosismo. As suas postagens nas redes sociais revelam frustração, responsabilizam a conspiradores e inimigos, mais imaginários que reais, pelo resultado pífio do seu governo. A sua frustração com os resultados obtidos  se esconde em frases triunfalistas e carregadas de positivismo, com as que enche o twitter a cada manhã. Não deveria surpreender se até o fim do mandato não publica um livro de autoajuda com uma recompilação das melhores frases e com recursos do Simdec. Um livro que facilmente seria um campeão de vendas entre assessores e comissionados.

Um dos temas em que o prefeito tem mostrado especial sensibilidade é com o planejamento. Ou melhor, com a falta dele. É fácil e rápido fazer uma lista de todos os casos em que o planejamento tem falhado, não cumpre prazos, estoura o orçamento e não tem alcançado os resultados pretendidos. Mais esforço exigiria identificar alguma obra ou ação que tenha sido bem planejada e executada corretamente.

Um dos episódios mais emblemáticos do elevado custo desta falta sistemática de planejamento é a duplicação da Santos Dumont. O início das obras sem desapropriar as áreas a duplicar, sem recursos para desapropriar e sem previsão para fazê-lo foi o primeiro erro. Na ânsia de querer mostrar serviço, vimos o foguetório que o prefeito de hoje criticou nos mandatários que o antecederam. Ou as mudanças de mão, reprovadas pela população desde o primeiro momento e que o tempo provou terem sido mal avaliadas - e, pior, planejadas -, além dos aumentos de custo ao orçamento original.


A falta de projetos detalhados e precisos, ainda hoje não há certeza de qual será a melhor solução no entroncamento entre a avenida Santos Dumont e a Rua Tuiuti. O prefeito, em lugar de reconhecer os erros, insiste em ver conspiração no que não é mais que pura incompetência. Há quem ache que isso tudo é falta de "geston". Que maldade confundir uma com a outra. O prefeito deveria aproveitar as primeiras horas da manhã para ler mais. Uma sugestão seria ler Thomas Jefferson, pois encontraria frases como esta: "Quando um homem assume uma função pública, deve considerar-se propriedade do público." Quem sabe assim ficasse menos irritadiço e mais humilde.

Em tempo, desde que iniciaram as obras de duplicação já houve 11 mortes. E as únicas certezas até agora são que a conclusão ainda vai demorar muito e que o número de mortes não vai parar em 11.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Lia Abreu, cadê você?

POR SALVADOR NETO

Talvez venha a ser mais um daqueles mistérios insolúveis da província, mas jornalista impertinente que sou, ouvidor das ruas e das gentes que a percorrem dia após dia na luta pela vida, e por serviços e estruturas públicas de qualidade, parodiando o Salsicha, companheiro de Scooby Doo, personagens dos desenhos animados, e também o grande poeta Castro Alves em seu poema Vozes D’África, questiono:

Lia Abreu, cadê você? Onde estás que não respondes? Será que interditaram para sempre sua voz? Será que te disseram “Porque te calas?”, e você aceitou? 
Cerca de um mês atrás postei em minha página pessoal no Facebook uma pequena nota sobre o afastamento de Lia Abreu, fiscal sanitarista reconhecida pela firmeza, e por vezes dureza, com que fazia seu trabalho de fiscalizar. Governadores, Prefeitos, Secretários, e os áulicos que os cercam, reclamavam das interdições que ela determinava diante do quadro deplorável de muitas escolas, estaduais e municipais, em Joinville (SC). Fui bombardeado pelo cordão dos puxa-sacos, dependentes de cargos públicos e partidários de ocasião.


E isso porque apenas perguntava: “Pergunta que berra aos ouvidos da imprensa, e ela não corre atrás: onde anda a fiscal sanitarista Lia Abreu? Afastada? Não mais? Onde está o contraditório? Cadê a apuração e continuidade da matéria, ouvir secretária, a fiscal, o básico do jornalismo? Os pagadores de impostos querem saber o que houve, porque há escolas por aí que precisam ser fiscalizadas, e ela é uma servidora deste público que paga impostos... Porque te calas grande imprensa da província?”

Muitos defenderam o afastamento porque ela foi “acusada”, e seria para não “atrapalhar” as investigações (?). Ou seria o objetivo principal o linchamento moral, a perseguição dura e direta para ser ver livre de um calo que incomoda a muitos poderosos? Quem sabe outro motivo teria sido impedir que várias escolas sem as mínimas condições de receber os alunos, fossem interditadas? Aliás, outra pergunta sem resposta: quantas  escolas foram visitadas, fiscalizadas, e se foram, por quem, e quantas até hoje? Lia Abreu, cadê você?

Ontem, quinta-feira (5/3), sai nota na coluna do jornalista Jeferson Saavedra, em A Notícia, que disse o seguinte: “A Prefeitura de Joinville abriu sindicância contra a fiscal da Vigilância Sanitária, Lia Abreu (foto), por supostamente agir de forma “intimidadora” durante as vistorias nas escolas estaduais. Ela também não teria tido “bom senso” em suas manifestações. Ela terá prazo para se defender. Lia foi suspensa por 60 dias no final de janeiro.” Que tal? Preparando terreno para o golpe final? Ou seria uma chantagem emocional? Pressão? Coação?

Notem que agora, depois do “afastamento”, vem a “sindicância”, por ela agir de forma “intimidadora” (?). E tem mais: faltaria à fiscal sanitarista “bom senso”. O que seria bom senso? Talvez deixar escolas ruírem na cabeça das crianças e jovens da maior cidade de SC? Proporcionar aos estudantes a maravilha de utilizar banheiros químicos porque banheiros das unidades não funcionavam? Deixar que curtos circuitos colocassem em risco a vida de muita gente, ou que os estudantes levassem guarda-chuvas para dentro das salas por chover mais dentro que fora da sala de aula?

Lia Abreu, cadê você? Onde estás que não respondes? Ou será que não foram te perguntar nada, os tais veículos de comunicação? Nós do Chuva Ácida perguntamos sim, quais as razões para teu afastamento, agora um processo de sindicância? Funcionária pública concursada, com extensa carreira de serviços prestados à comunidade que paga impostos e deseja ver a coisa pública funcionando como deveria, você precisa dar a sua versão dos fatos. Porque a Prefeitura vem dando em doses homeopáticas em colunas dos jornalões.

Nós, que pagamos impostos que pagam salários dos servidores, Prefeitos, Governadores, Secretários, e também dos áulicos do poder, queremos saber o que se esconder por trás destes silêncios ensurdecedores. Porque as escolas continuam a espera da ação dos governantes para sua recuperação, da mesma forma que obras de infraestrutura que só servem para discursos fáceis e conquistas de votos. Depois, esperem, é o que nos dizem.


O tempo da mordaça acabou há 30 anos. Assim como a população respeitava o seu trabalho de fiscalização – menos os atingidos por ela – ela agora precisa te ouvir e saber a verdade. Desinterdite a sua voz Lia Abreu. A sociedade aguarda ansiosa.


quinta-feira, 5 de março de 2015

Melhor não perguntar.


Neopolitizados contra tudo

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Não há como fugir ao poder das redes sociais. Se os meios de comunicação social tradicionais monopolizavam a mediação da informação, hoje esse espectro ficou muito alargado. Para o bem e para o mal. O lado bom é que a circulação de discurso tornou-se mais democratizada. O lado mau é que, frente a um volume enorme de inputs, muitos patinam na hora de fazer uma gestão coerente da informação.

Um dos resultados deste novo quadro é o surgimento dos neopolitizados (neologismo que circula por aí). Quem são? Pessoas que antes estavam arredadas das trocas discursivas e agora encontram lugar de expressão pública nas redes sociais. O problema é que, em expressivo número de casos, os neopolitizados limitam-se a ser “contra tudo isso que está aí”. Ou seja, há apenas a rejeição moralista daquilo que consideram errado.

Como caracterizar essas pessoas? Sem querer fazer sociologia, há coisas óbvias. A rede social mais popular no Brasil é o Facebook, com quase 90 milhões de usuários (pessoas que acessam pelo menos uma vez por mês). Um dado interessante é o acesso por faixas etárias, que revela uma distribuição quase equânime entre os 25 e 54 anos (o público vai até aos maiores de 65 anos).

O que é possível concluir? Ora, muitas dessas pessoas foram criadas nos tempos da ditadura ou apanharam os seus eflúvios. E há coisas que demoram a desaparecer. Ainda hoje algumas influências dos anos de chumbo parecem interferir no inconsciente social. É o que permite, por exemplo, explicar a existência de pessoas que pedem a volta da ditadura e clamam pelo fim da democracia.

Tendo sido criados num sem ambiente de liberdade de expressão, muitos sentem dificuldade em compreender o debate e o ato de esgrimir argumentos. Reclamam, reclamam e reclamam. E limitam-se a isso, pois a indignação fica reduzida ao chorume nas redes sociais. Discursos erráticos e rezingões não produzem mudanças.

É como diz o velho deitado: se você está contra tudo, então não está contra coisa alguma.



quarta-feira, 4 de março de 2015

Vai, Udo, na contramão do mundo!

Clima não é problema para os bicicleteiros de Copenhague
POR FELIPE SILVEIRA

Não esqueço de uma resposta do então candidato Udo Döhler durante a campanha à prefeitura. O tema era mobilidade urbana e Udo respondeu de bate-pronto: 300 km de asfalto. Essa era a proposta do empresário para um dos temas mais complexos e debatidos da política do nosso século.

Estava ainda no início da corrida eleitoral e acredito que Udo tenha dado respostas melhores até ser eleito. Mas, pra mim, aquela resposta foi bem representativa sobre o candidato da elite econômica da cidade. Um homem despreparado para a política do século 21, que adentrava ao jogo para seguir uma tradição da dominação econômica e política local.

O problema é que essa velha política ganhou o espaço que precisava nos últimos dois anos e tem deixado pra escanteio temas relevantes e que estavam mais avançados em um passado recente. Como o caso das políticas públicas em prol da bike como meio de transporte.

O trânsito de Joinville está cada vez pior e a gestão municipal tem uma enorme parcela de responsabilidade. Um exemplo: o atual governo deixou a cidade sem estacionamento rotativo até hoje, o que gera um caos em busca de lugar para estacionar no centro da cidade. Os donos dos estacionamentos privados é que se deram bem na história. Sem contar a questão do transporte público (que deixa empresas de outros homens da elite econômica operar um serviço público sem devido processo licitatório), sem contar que não há novidade alguma para quem opta pela bike como meio de transporte, sem contar que não se faz o debate sobre o assunto. Também pudera. Na campanha, Udo disse que no futuro todo mundo vai ter carro. Deve pensar que não importa o resto.

Enquanto isso, carros (veículos a motor em geral) seguem como um dos fatores que mais contribui para a poluição do planeta. Além de outros malefícios, como o alto número de acidentes de trânsito e os gastos com saúde por causa do trânsito (por causa da poluição ou por causa de acidentes).

Udo vai na contramão de grandes cidades do mundo que já passaram pela experiência do foco no transporte individual. Cada vez mais cidades da Europa e dos Estados Unidos fecham seus centros para carros e desenvolvem políticas de incentivo ao uso da magrela no dia a dia. Enquanto Boston derruba elevados, aqui ainda estamos tentando arrumar dinheiro para construí-los. Enquanto Londres limita a circulação de carros na área central, aqui incentivamos cada vez mais. Enquanto Copenhague integra a bicicleta ao ônibus, aqui sobrecarregamos os motoristas com a dupla função de cobrador.

As desculpas para não usar a bicicleta são muitas, mas as soluções são fáceis e conhecidas. Por exemplo, empresas podem instalar vestiários com chuveiros para funcionários se trocarem, além de estacionamento para as bikes de funcionários e clientes. O governo pode atuar para diminuir a velocidade média dos carros, com radares (oi, Udo) e campanhas de educação no trânsito. Também é preciso investir em vias para ciclistas em determinados casos. Integrar a bike ao transporte público também é fundamental, assim como gerar empregos perto dos locais de moradia das pessoas, diminuindo as distâncias que precisam ser percorridas.

É preciso colocar a bike na agenda novamente. Tratar a mobilidade urbana com a cabeça no século 21, com benefícios para as pessoas, e não com ideias ultrapassadas, elitistas, maquiadas como planejamento para o futuro.


Abaixo, um vídeo do projeto Cidade para Pessoas sobre a política de mobilidade urbana adotada em Copenhague, que a transformou em referência no assunto. Vale muito a pena ver: