POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Venezuela. Opa! Muitos nem se darão ao
trabalho de ler o texto: vão direto para os comentários dizer que sou petralha,
comuna, esquerdopata e outros elogios. Tenho evitado escrever sobre o país, mas
apenas porque não tenho conhecimentos suficientes. Nunca estive lá, raramente
leio os jornais locais e apenas esporadicamente dou uma olhada na VTV –
televisão estatal venezuelana. Portanto, o silêncio é de ouro.
Mas a questão venezuelana tem um lado patético. Sempre que alguém quer
desqualificar o interlocutor usa o argumento do “bolivariano”. É como se a
palavra tivesse poderes mágicos e, quando pronunciada, libertasse uma “verdade”
inquestionável. É o mito preferido dos reaças e traz uma ironia: os caras vivem
no Brasil e não entendem o próprio país, mas acham que sabem tudo sobre a
Venezuela. O nome disso é iliteracia.
Hoje vou meter o meu bedelho porque a coisa
chegou aqui deste lado do Atlântico. Os reaças têm feito circular, nas redes
sociais, um vídeo da Rádio e Televisão Portuguesa – Madeira segundo o qual o
governo venezuelano pretenderia impedir as pessoas de sair do país. Ah... o
oráculo da reportagem diz: “Governo venezuelano proibiu a emissão de bilhetes
de avião para fora do país”. Parece simples, mas não é (nunca é).
Ora, ninguém discute que a Venezuela está em
cirse. Mas é provável que as pessoas não tenham entendido a reportagem, uma vez
que o sotaque madeirense é difícil até para os continentais. E ninguém se deu
ao trabalho de se informar (estranho se fosse o contrário, né?). Afinal, quem
está a causar problemas são os capitalistas, em especial os capitalistas que
abusam do capitalismo.
O fato é que há agentes de viagens e
operadores turísticos a ganhar dinheiro com a especulação. Quem compra uma
passagem tem direito a comprar US$ 3 mil pela cotação oficial do governo. O que
acontece? Ora, essas empresas compram passagens e adquirem os dólares, sem que
ninguém viaje. E os dólares comprados retornam para o mercado paralelo valendo até
sete vezes mais.
É um negócio rentável. Os caras perdem o
dinheiro das passagens, mas ainda saem no lucro. O resultado é que os aviões
estão sempre “cheios” de passageiros que não viajam, há menos vagas e os preços acabam
inflacionados. E mais. Com o dólar oficial, os estrangeiros de países como
Colômbia, Equador ou Peru aproveitam para vender os seus dólares no mercado
paralelo e comprar as passagens em bolívares. Sai muito mais barato.
As autoridades estimam que 30% dos bilhetes
vendidos sejam comprados por estrangeiros, o que acaba provocando uma falta de
passagens. Aliás, o oráculo da matéria da RTP-Madeira (que não é muito
esclarecedora, digamos), pode dar a entender uma coisa, mas na verdade a
reportagem diz que o governo proibiu a emissão de bilhetes com um ano de
antecedência.
O fato é que as pessoas nem se deram ao trabalho de ver a matéria, que é imprecisa, e fica fácil distorcer a notícia. É só reduzir a questão ao que se lê no oráculo (na foto) e partilhar o vídeo. É uma mensagem errada? É. Mas o que importa? É assim que o pessoal do ódio prefere. Ah... e não estou a defender a Venezuela e nem o seu governo. É apenas uma tentativa de esclarecer a distorção. Sei que não adianta, mas vou tentando.
P.S.: Para finalizar, um aviso. Se algum
leitor pretende comentar o texto com aquele palavrório manjado dos reaças, pode
esquecer. Não perca o seu tempo porque não vou aprovar.