segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Violência, postes e cachorros

POR JORDI CASTAN

O Brasil é hoje um dos países mais violentos do mundo. Entre as 50 cidades mais violentas do mundo, quase duas dezenas são brasileiras. Aliás, praticamente todas se encontram no hemisfério sul e em países em desenvolvimento. Assusta o nível de violência a que a sociedade brasileira tem se habituado.

É difícil acreditar que este aumento da violência não tenha uma resposta firme da sociedade. Há uma insensibilidade e uma aceitação desta situação, que ganha corpo a ideia que a violência é irreversível e está fora de controle e por isso o Estado não tem condições ou meios de enfrentá-la.

Não há dia em que a imprensa não noticie algum homicídio, assalto, roubo ou a destruição de patrimônio público. Há uma banalização da violência e isso faz com que a sociedade deixe de reagir e acabe anestesiada frente à brutalidade quotidiana. Como resultado, deixamos de acreditar nas polícias e na Justiça e já nem denunciamos crimes menores Um fato que, entre outras coisas, distorce as estatísticas e falseia dados e indicadores, criando a ilusão de normalidade... até que alguém conhecido seja a próxima vítima.

O Brasil tem mais homicídios por arma de fogo que países como os Estados Unidos, aonde a venda e possessão de armas de fogo é livre. O Brasil tem mais mortos por violência que a maioria de países com conflitos armados declarados, incluindo estados em guerra aberta e isso em quanto o país enfrenta uma situação de declarada "normalidade". 

Saúde, educação e segurança deveriam ser pauta obrigatória em qualquer processo eleitoral. Mas no Brasil estes temas ficam fora de um debate sério. A corrupção, o mau uso do dinheiro público e os escândalos que envolvem figuras públicas, em todos os níveis da administração, fazem que o combate a insegurança e à violência deixem de ser prioridade. Pior ainda. Recentemente foi noticia o caso um aposentado preso por disparar para se proteger, dentro da sua residencia, da ação de um criminoso. Essa história é tão comum no Brasil quanto poste mijando no cachorro.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

BRANCO

POR CHARLES HENRIQUE VOOS


No primeiro turno destas eleições, conforme manifesto feito aqui no Chuva Ácida, votei na candidata do PSOL. Os motivos estão todos expostos naquele texto e pretendo segui-los. Sendo assim, creio que seja o momento de dizer o porquê do meu voto em branco no próximo dia 26.

O voto em Luciana no primeiro turno foi também um voto de protesto contra os três grandes da eleição - Dilma, Marina e Aécio, os quais monopolizaram a maioria dos debates nos últimos meses. São, também, candidatos que não representam uma "nova política". Independente de quem chegasse ao segundo turno, daria no mesmo.

Com a ida de Dilma e Aécio para o segundo turno, chegou a hora de tomar uma posição coerente com tudo aquilo que defendo. É evidente que o voto no PSDB de Aécio representa um retrocesso, não somente pelas lembranças de Fernando Henrique Cardoso, mas também por tudo o que este partido vem fazendo na história recente do Brasil em São Paulo, Minas Gerais, no Congresso Nacional e em Joinville, principalmente. 

Votar no PSDB de Aécio é concordar com o mensalão mineiro, com a falta de água em SP, com o cartel do metrô, com a intransigência da polícia nas áreas de ocupações irregulares, e todo o conservadorismo que marca os parlamentares tucanos em Brasília. Não consigo concordar com isto e nem com a filosofia dos seus aliados: Bolsonaro, Malafaia, Marina, e tantos outros. Puxando para a questão urbana, tema no qual me dedico a anos, votar em Aécio representa aceitar todo o esquema montado pelas grandes empreiteiras em prol dos tucanos nos últimos anos. É sabido sim que, quanto mais uma empreiteira injeta dinheiro em campanhas e em diretórios partidários, mais as cidades são formatadas em prol de interesses empresariais. 

E em Joinville tivemos secretário da saúde do PSDB preso por corrupção.

Somado a tudo isto, não podemos esquecer os 27 motivos para não votar em Aécio, link que faz sucesso na internet. 

Sobre a Dilma, preciso reconhecer todos os seus avanços no combate à desigualdade, combate à fome e à miséria. O Brasil tem políticas públicas reconhecidas mundialmente pela ONU e por entidades reconhecidas no estudo da desigualdade, como a Oxfam. Seria burrice de qualquer cidadão brasileiro não reconhecer este avanço. Por outro lado, e voltando à questão urbana brasileira, o governo Dilma representa o mesmo retrocesso que o seu oponente tucano. 

Os recentes incentivos às indústrias automobilísticas rasgam todos os preceitos estabelecidos no Estatuto das Cidades, juntamente com o que mais moderno vem se fazendo nos países desenvolvidos: a abolição do automóvel e o incentivo aos modos coletivos e/ou aos modos não-motorizados. Para dar suporte ao projeto da Copa do Mundo, o governo petista se aliou às grandes empreiteiras, diretamente interessadas na construção de novos estádios e suas respectivas obras de apoio (avenidas, pontes, infraestrutura para o transporte coletivo, etc). Ao mesmo passo que isso acontecia, milhares de famílias foram despejadas de suas casas sem o devido tratamento (segundo a BBC Brasil, mais de 250 mil pessoas foram afetadas). 

Por manter uma linha de coerência, creio que o ideal para quem defende a questão urbana brasileira seja, sim, o voto em branco. Antes que o leitor mais desavisado possa pensar que esta posição caminha rumo a uma neutralidade, antecipo o engano: é um posicionamento claro de que nem Dilma e nem Aécio me representam. Creio, por fim, que os dois também não representem as verdadeiras necessidades da política urbana brasileira. Independente de quem ganhar, as cidades serão as principais prejudicadas e, em consequência, os seus moradores. 

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Sul e o Norte

POR CAROLINA PETERS

O ódio é, acima de tudo, burro.
Quando mudei para São Paulo, aos 15 anos, conseguir uma informação para chegar do ponto A ao B era quase impossível. Começa que já sou meio desorientada mesmo; que não conhecia nadica de nada da cidade; que minha cartografia catarinense não conseguia ainda dimensionar as distâncias paulistanas. E acaba que eu falava cantadinho. Antes que eu terminasse o pedido, vinha a pergunta:

-- Mas você não é daqui, né?

Eu respondia que não. E como o olhar insistia em mais informações, dizia que vinha de Santa Catarina. Floripa? Não, Joinville. Ah, mas você não fala como gaúcho.. Claro que não.

Depois da mostra de ignorância geográfica, vinha uma enxurrada de elogios às belas praias, às gentes bonitas e educadas, a qualidade de vida. Ao pedacinho de Europa, surrada e maltrapilha, mas Europa, que cultivamos como se existisse no sul do país. Mas por que razão? Por que deixar Santa Catarina?

O bom de São Paulo é que as placas são várias e não sabem ainda falar.

Por vezes, um mesmo que elogiava o meu estado vinha confessar que os migrantes do Norte eram a grande mazela de São Paulo. Aprendi que em SP, ser nordestino é xingamento, daqueles mais variados. “Baiano”, por exemplo, pode querer dizer tanto cafona quanto sujo ou mal educado. A xenofobia nunca é arbitrária ou incondicional. Alguns de fora valem menos, outros, valem mais.

Na minha primeira semana em Fortaleza, folheando o jornal, me deparo com o comentário de uma leitora sobre a sondagem eleitoral no estado do Ceará, que dava à presidenta Dilma ampla vantagem sobre Aécio e Campos - era maio: “Depois há quem reclame de ouvir dos habitantes do Sul e Sudeste que nós, nordestinos, não sabemos votar.”

Gosto muito de uma gravura feita pelo pintor uruguaio Joaquín Torres García em 1943, um mapa invertido da América do Sul. “El Sur es el Norte” é um manifesto de independência artística das escolas europeias e uma afirmação de humanidade dos habitantes do sul do globo. Meu Norte é o Sul: Uma noção que me orienta, um nacionalismo que é libertador, que busca romper com os padrões hegemônicos e produzir seus próprios paradigmas. Que não é xenófobo ou excludente. O oposto do sentimento separatista com o qual convivi em Santa Catarina e São Paulo.

Pensei em um livro que li no início desse ano, relatos de uma jornalista portuguesa que cobriu os dias que antecederam a queda do ditador Hosni Mubarak no Egito em janeiro de 2011. Lá pelas tantas, ao comentar o tratamento que a imprensa internacional dispensava ao levante popular e os posicionamentos de diversos chefes de Estado, ela escreve “para o ocidente, a vida dos outros povos pode sempre esperar”.

O Nordeste cresceu nos governos do PT. Os programas de distribuição de renda movimentaram a economia em pequenas e grandes cidades; o aumento do salário aumento o poder de compra. A economia nordestina cresce mais que a média do Brasil. O nordestino que reelege Dilma o faz por convicção e reflexão, não por ignorância.

O ódio aos homossexuais, aos negros, a misoginia, marcaram o primeiro turno nos debates. Proferidos de maneira explícita por dois candidatos menores que não valem citação, encheram a bola de Aécio, para quem fizeram linha auxiliar, colaborando para levar o tucano ao segundo turno. Apesar do desempenho pífio presidencial, o ódio mais caricato mostrou força nas disputas proporcionais e na disputa pela vaga do senado nos estados.

Na segunda volta, toma conta o ódio de classe que separa o Norte e Nordeste explorados do Sul e Sudeste beneficiários.

Este, ao menos, tem sofrido consecutivas derrotas. Pesquisas recentes e conversas entreouvidas no transporte público indicam que a percepção de que a pobreza é resultado da falta de oportunidade e da desigualdade social, não da preguiça e da vadiagem, como se dizia, tem crescido. Espero que a tendência siga.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Um debate polarizado, de novo

POR CLÓVIS GRUNER

Encerrado o primeiro turno, poucas surpresas ‒ a vitória de Aécio Neves sobre Marina Silva é uma “meia surpresa” ‒ e uma certeza: a política brasileira tem dificuldade de se desvencilhar da polarização PT x PSDB. Desde o retorno das eleições diretas para presidente, em 1989, já foram sete campanhas; petistas e tucanos se enfrentaram em seis delas, com a vitória do PSDB em duas (com FHC em 1994 e 1998, no primeiro turno) e do PT em outras três (2002 e 2006 com Lula; e 2010 com Dilma, todas no segundo turno). Fora do governo há mais de uma década, tucanos e aliados tem sede de voltar a ele e farão literalmente qualquer coisa para isso. Os petistas, por sua vez, sabem que enfrentam seu pleito mais difícil, e que pela primeira vez desde a vitória de Lula há o risco real de saírem derrotados no dia 26 de outubro.

Não será uma disputa fácil, portanto. E embora seja uma espécie de mantra afirmar que o segundo turno é uma “nova eleição”, penso que algumas possibilidades podem ser aventadas com base nos resultados do primeiro. A começar pelo destino dos votos de Marina Silva. Desde o começo da semana, a candidata sinalizava o apoio à candidatura de Aécio Neves, confirmado ontem, no mesmo dia em que Aécio recebeu também o apoio do PV de Eduardo Jorge o PSOL de Luciana Genro declinou de apoiar um dos candidatos, embora desaconselhe o voto no tucano. De todos, certamente o de Marina foi o golpe mais duro para o PT, que provavelmente esperava uma posição neutra, a repetir a posição tomada em 2010. Por outro lado, o apoio a Aécio Neves, se confirmado, pode repercutir a médio prazo nas pretensões de Marina, que corre o risco de perder definitivamente a credibilidade adquirida entre aqueles setores mais à esquerda que, descontentes com os seguidos governos do petistas, depositaram nela alguma expectativa de renovação.

Não acredito, como parte da militância marinista, que sua derrota se deva aos ataques desferidos contra ela pela campanha de Dilma. Primeiro, porque Marina não foi exposta nestes dois meses de campanha mais do que o PT nos últimos 12 anos e de Dilma nos últimos quatro. Ambos sobreviveram, e com chances reais de emplacar o quarto mandato. Seu discurso careceu de solidez e pecou por excesso de ambiguidade. Se é verdade que Marina foi exposta pelo programa e pela militância petistas, sua derrocada se deveu também e, penso, principalmente, ao fato dela mesmo ter se exposto, revelando suas muitas contradições. E isso, me parece, contribuiu mais para a perda de votos que o confronto com a candidata petista.

Junto aos eleitores mais à esquerda, Marina perdeu votos em função de seus flertes com as políticas econômicas neoliberais ou sua capitulação frente às pressões de setores conservadores; à direita, porque tentou aproximar sua candidatura justamente daquelas políticas que estes setores rejeitam, como ficou claro no último debate, quando insinuou que seu programa era mais parecido com o de Luciana Genro do que com o dos tucanos. Pretendendo não ser de esquerda, mas também não de direita, defendendo um princípio vago de governar com “os bons” de todos os lados e matizes, Marina não só perdeu votos ao ponto de nem figurar no segundo turno. Mas turbinou a campanha de seus adversários, principalmente a de Aécio Neves, para onde parece ter migrado boa parte deles.

UMA CAMPANHA DE MEDO E ÓDIO – A meu ver, o pior de Marina Silva ter ficado de fora foi, justamente, o retorno à polarização PT x PSDB que a candidata, por um breve momento, chegou perto de dissolver. Particularmente, eu a preferia em uma disputa com Dilma Rousseff, mas certamente as lideranças e os marqueteiros petistas não concordariam comigo. Tanto que investiram parte de seu tempo e energia para forçar um segundo turno com Aécio e os tucanos, e não é difícil entender as razões. Sob certa perspectiva, Marina representava um risco maior à reeleição de Dilma, inclusive porque suas trajetórias e perfis são, em alguns aspectos, bastante próximos, o que dificultaria o discurso polarizado.

A polarização entre petistas e tucanos interessa ao PT, que poderá afrontar seu adversário ao longo dos próximos dias recorrendo a um discurso baseado principalmente no medo de um passado que muitos eleitores não querem de volta e, contra o qual, o PT se apresenta como o único antídoto. Com Marina, este discurso era mais difícil, porque seu passado e de sua legenda provisória, o PSB, incluía uma passagem pelo governo petista. Tendo ela como adversária, a candidatura petista precisaria deslocar o temor do passado para o futuro. Mas este, como sabemos, é um horizonte de expectativas e pode ser tanto lugar de receio como de esperança. Será preciso esperar o resultado do segundo turno para saber se os estrategistas de campanha acertaram. Tenho dúvidas.

Particularmente, penso que o PT terá de investir mais na tentativa de mostrar aos eleitores que tem capacidade de se reinventar, mesmo depois de 12 anos de governo. E isso me parece fundamental por pelo menos duas razões. Primeiro, porque a quantidade de votos dados aos candidatos de oposição, incluindo os chamados nanicos, sinaliza um claro desejo de renovação. Cabe à candidatura petista mostrar que é capaz de fazê-lo, preservando as conquistas que apresentou ao longo do primeiro turno como seus principais trunfos políticos. Além disso, a quantidade expressiva de votos nulos e brancos, somada a um alto índice de abstenção, deixa claro um outro tipo de descontentamento, não apenas com este governo, mas com o debate político tal como posto hoje, polarizado e pouco criativo. Conquistar parte deste eleitorado é tarefa ainda mais difícil.

Por outro lado, se Aécio Neves tem, a favor dele, o consenso narrativo forjado ao longo dos últimos anos, segundo o qual o PT é a matriz de todos os males, ainda não deixou claro quais são suas propostas e suas soluções para os problemas que acusa no governo petista. Com sua dupla derrota em Minas Gerais, fica mais difícil simplesmente dizer que pretende fazer pelo Brasil o que fez pelo seu estado depois de ter sido rejeitado pela maioria dos mineiros. Sua campanha, fundamentalmente, se alimentou do e repercutiu o ódio contra o PT, e seus eleitores parecem mais odiar o governo petista que, necessariamente, aprová-lo – e a onda de violência contra os votos de nordestinos e pobres nas redes sociais, desqualificando-os, são um indicativo disso. E num ambiente político de paixões exacerbadas e onde, historicamente, poucos são os eleitores que escolhem candidatos baseados em propostas e programas, há o risco que a polarização partidária reverbere em outra, ainda mais nociva à democracia: a que opõem o medo ao ódio. 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O Papa Francisco e a ACIJ

Por JORDI CASTAN

Escrevi neste mesmo espaço faz poucas semanas que o resultado das eleições seria um suicídio para Joinville - Suicidio eleitoral 1 e Suicidio eleitoral 2 . Se você é leitor do Chuva, já estava sabendo o que vinha pela frente. Não era preciso ter uma bola de cristal para antever que com tantos candidatos locais e com tantos candidatos de fora garimpando votos em Joinville, o resultado não seria bom para a representatividade política da “maior” cidade do estado.

Sem surpresas. A campanha que a ACIJ capitaneou em prol de candidatos que defendessem os interesses de Joinville foi de uma estultice supina. Metade por pura desídia, e a outra por entender que a força da ACIJ nestes temas é equivalente a do Papa Francisco assomado ao seu balcão na Praça de São Pedro, conclamando palestinos e israelenses a buscar a paz, ou instando Putin a que cesse com suas agressões contra as ex- repúblicas soviéticas, ou a reduzir  as guerras e a violência em prol da paz mundial. O Papa faz o seu papel sabendo que nada mudará. A ACIJ fez o dela, e depois convidou aos eleitos para ocupar espaço na mídia e emplacar a imagem do tigre de papel que a entidade empresarial é em temas político-partidários.  

O resultado das eleições estava previsto: brancos e nulos aumentaram, em Santa Catarina 30%; em Joinville 35%,  bem maior que os 28% de votos perdidos na eleição passada. É bom lembrar que a mais alta de história. Depois ainda batem no peito dizendo que somos um povo politizado.  Candidatos de fora levaram mais votos que nas eleições anteriores, 19% frente aos 15% da eleição anterior, quando é preciso que se diga que  a entidade  se empenhou mais em defender o voto por Joinville. Assim se juntamos os votos brancos e nulos, os votos em candidatos de fora, e o excesso de candidatos sem expressão e sem possibilidades de ser eleitos, temos um quadro bastante claro de porque o resultado desta eleição foi um suicídio anunciado. A quem interessa? Essa é a primeira pergunta. Quem se beneficia? É a segunda.




Sobre as eleições presidenciais e o resultado do primeiro turno, ficou provado que não há nenhuma relação entre o resultado das urnas e o mapa do Bolsa Família. Que os estados em que há um maior numero de beneficiários do bolsa família sejam aqueles em que Dilma tenha tido melhores resultados, é pura casualidade. Todos aqueles que insistem em ver no Bolsa Família uma poderosa ferramenta para manter milhões de brasileiros dependentes de um beneficio público que não prevê a redução do numero de beneficiários, tampouco estimula sua inserção no mercado de trabalho e que estoura foguetes cada vez que aumenta o numero de beneficiados, estão errados. Não há nenhuma relação entre uma coisa e outra. Mesmo que os resultados das eleições insistam em querer mostrar que há. Por isso se alguém identificar alguma relação entre uma coisa e outra, deve ser porque os mapas dos resultados eleitorais foram elaborados  por algum instituto aparelhado para distorcer dados e informações e levar os eleitores a conclusões erradas.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A volta do velho Brasil bipolar

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Dilma Rousseff venceu. Sem surpresa. Mas os eleitores da atual presidente reagiram de maneira tímida, enquanto o pessoal de Aécio Neves comemora de forma efusiva. É uma questão de expectativas. A campanha de Dilma nutria uma esperança – remota – de arrumar a questão logo no primeiro turno. Aécio Neves tinha o pescoço no cepo e ir a segundo turno foi, antes de tudo, um alívio pelo fato de o machado não ter caído.

O entusiasmo dos tucanos é legítimo. Eles passaram as últimas semanas como figurantes e agora voltam à cena como protagonistas. Mas é melhor não ir com tanta sede ao pote. É só lembrar que nas eleições de 2010 o primeiro turno acabou com números não muito diferentes (Dilma 47%, Serra 33% e Marina 19%). Mas o segundo turno aumentou as distâncias e levou a um resultado largo:  Dilma (56%) e José Serra (44%).

Um fator a beneficiar o candidato do PSDB foi a disputa entre Dilma e Marina, nos últimos dias. Longe dos holofotes, Aécio Neves não teve que responder a perguntas incômodas e a sua imagem escapou incólume aos ataques dos adversários. Num segundo turno, o jogo será mais duro e a campanha de Dilma certamente vai recuperar a agenda de meses atrás. E ainda vamos ter que ouvir falar muito no aeroporto do tio, por exemplo.

É lógico imaginar que Marina Silva pode ser um elemento definidor no segundo turno, porque o seu apoio pode resultar em transferência de votos. Não foi assim há quatro anos, quando a sua candidatura tinha menos contradições, e não há razão para que aconteça agora. E a imagem de Marina Silva saiu chamuscada destas eleições. A tendência é de pulverização dos seus votos entre as duas candidaturas.

Tudo indica que há um namoro entre Marina Silva a Aécio Neves. Mas sabe-se que o apoio vai custar muito ao candidato tucano. O grande apoio de Aécio Neves tende a vir de certos setores mais conservadores da mídia, que, inclusive, já tinha atirado a toalha e desistido do seu candidato. É de prever fogo cerrado contra o Partido dos Trabalhadores, em especial com o tema da Petrobras. E também com factoides, claro.

Vai começar tudo outra vez e voltamos ao velho Brasil bipolar (em termos psicanalíticos também). Este segundo turno deve ser o mais apertado de todos, mas pelo menos os eleitores sabem com o que podem contar: o social versus o capital. Pelo que temos visto nos últimos tempos, é possível prever posições extremadas. Resta torcer pelo contrário. Para que não seja a democracia a principal derrotada.

Em tempo: se houve perdedores neste primeiro turno, não há dúvidas de que foram os institutos de pesquisa. Os caras não acertam mesmo.

É como diz o velho deitado: “Previsões só no final”.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O Horário Eleitoral está ultrapassado

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

É um fato que cada vez menos pessoas assistem ao Horário Eleitoral Gratuito. Mas, nos últimos anos, cada vez menos se comenta sobre o que acontece neste tempo das rádios e TVs dedicados ao processo eleitoral. Quanto o Tiririca aparece mais na mídia do que as propostas, é sinal de que alguma coisa está errada, e o erro, neste caso, está no próprio Horário Eleitoral.

Desde a abertura democrática vivida pelo Brasil nos anos 1980 nós temos o mesmo perfil de campanha eleitoral: candidato bonzinho, que mostra a família e as suas origens, fala que quer colocar sua prioridade nas políticas sociais, e deseja o melhor para todo mundo. Soma-se a isto a caricatura das propagandas. Maquiagem, estúdio perfeito, pessoas cooptadas que nem sempre falam a realidade, e desvio de informações são realidades nas mensagens dos candidatos. Parece comercial de margarina.Propostas genéricas dominam o tom de quem está ganhando nas pesquisas, e ataques daqueles que estão atrás desesperados por mais pontos percentuais nos levantamentos de intenção de voto. Para os partidos menores, sobram aberrações eleitorais e uma pífia qualidade de propostas, com raras exceções. A sensação que passa é a de repetição, independente dos nomes. Todos nós já sabemos o que será falado, fazendo com que o Horário Eleitoral fique ultrapassado por outras formas de atingir o eleitor. É aí que entra o poder da internet.

Como o eleitor está cada vez mais conectado à internet, é natural que a TV perca sua função como principal ou única fonte de acesso à informação. É uma premissa consolidada. Sendo assim, a internet cresce como principal ferramenta de pesquisa sobre a vida e proposta dos candidatos; seu passado como cidadão e seus aliados políticos. Por exemplo: a internet foi o principal palanque das propostas dos últimos prefeituráveis em Joinville para as eleições de 2012 e o Chuva Ácida, inclusive, foi decisivo para isso. Neste ano, a internet revelou que certos candidatos não estavam enquadrados na lei da ficha limpa, mesmo sendo condenados pela justiça. E todos os debates originados na internet repercutem no Horário Eleitoral Gratuito.

Quando a gente olha para o Tiririca fazendo paródias em pleno Horário Eleitoral, percebemos que ele está zombando deste, e com razão. É um meio ultrapassado pelas outras formas de comunicação, e seu conteúdo não atende mais as expectativas das pessoas, as quais se utilizam de outras formas para escolherem seus candidatos, nem que para isso usem da compra de votos ou a troca de favores pessoais para quando o candidato se eleger o seu principal método. A campanha acontece em todos os lugares, menos no Horário Eleitoral Gratuito.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Você não sabe, mas vai ajudar a eleger Nilson, Teba ou algum outro do tipo

POR FELIPE SILVEIRA 

Quando declaramos o voto, aqui no Chuva Ácida, escrevi que o que importava era o voto no partido, e por isso meu voto estava (e ainda está) destinado à Luciana Genro, do Psol, partido político ao qual sou filiado, da mesma forma que vou votar em candidatos do partido nas proporcionais (deputados). E, como prova, apresento um raciocínio para mostrar como vocês vão ajudar a eleger políticos como Nilson Gonçalves, Leonel Pavan, Marco Tebaldi e outros da mesma vibe, mesmo que você defenda a renovação na política e vote em algum mais novinho.

De maneira bem simples, é eleito quem chegar na frente pelo seu agrupamento, desde que este atinja os quocientes eleitoral e partidário. Se sobrar voto do primeiro, passa para o segundo. Se faltar voto para o primeiro, ele ganha votos do segundo. E assim vai. A conta feita pelos Tribunais Eleitorais é mais complicada, mas, em resumo, é isso.

Ou seja, um novo candidato só consegue se eleger à medida que galga posições no seu grupo político. Por exemplo, os candidatos Dalmo Claro e João Carlos Gonçalves, que tentam emplacar uma vaga pelo PMDB. Por isso, quem vota em um candidato como Fábio Dalonso, por exemplo, acaba por beneficiar candidatos como Nilson Gonçalves ou Leonel Pavan.

Também é importante ressaltar que a conta vale para o estado todo. Por mais que você tenha boas intenções em votar em um candidato local da sigla X, você vai acabar somando votos para um nome de maior expressão que talvez você não goste. Talvez até o odeie.

Portanto, fica a dica: na hora de escolher seus candidatos, conheça o partido, veja se tem o projeto da sigla tem a ver com o que você quer para a sociedade e conheça os nomes da ponta. Lembre-se que você pode somar votos para certos políticos que você vive a criticar.

E não esqueça de observar a coligação!

***

Mais uma vez, SC está sob ataque do crime organizado. A população sofre com a insegurança e com a desorganização social, como a bagunça gerada com as alterações nos horários de ônibus. Não tem como não ver que o caos é resultado direto da política de Insegurança Pública adotada pelo Estado. Primeiro, pela maneira como o Governo do Estado trata a questão. Segundo pela concepção de sociedade. Enquanto houver injustiça social, tamanha desigualdade, vai ser assim. Melhor política de segurança é a promoção da igualdade.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O horror à política

POR CLÓVIS GRUNER

Em um texto escrito em 1950, “O que é política?”, a filósofa Hannah Arendt define a política como um lugar de aparecimento de rostos, multiplicidades, diferenças e intervalos. Rostos porque a política não é feita de abstrações, mas de corpos que falam e agem. Multiplicidades porque não se trata de homogeneizar os sujeitos políticos, mas de fazer explodir singularidades. A multiplicidade faz aparecer as diferenças e os intervalos: a política faz-se também na reciprocidade entre os diversos, que constituem relações naqueles interstícios e intervalos que os aproximam sem, por isso, anular-lhes a diferença. “A política”, diz ela, baseia-se na “pluralidade dos homens”; ela deve organizar e regular o convívio de e entre diferentes, não de iguais. Razão porque, para Arendt, o “sentido da política é a liberdade”.

Outro alemão, Jürgen Habermas, criticou em Arendt o que considerava uma concepção idealizada de política. De acordo com ele, Arendt a concebia tomando como modelo uma experiência, a da polis grega, impraticável nas sociedades contemporâneas, não apenas mais populosas como também mais complexas. A filósofa temia o que ele chamou de “midiatização da população” pelas instituições políticas, preferindo a estas a democracia direta e imediata. Diferentemente, Habermas reafirma a pertinência das democracias modernas e representativas, criticando em sua interlocutora a “estilização da polis grega” que está no cerne de suas formulações.

Pois penso que equivocado estava Habermas. Primeiro, acerca de Hannah Arendt, que tinha suficiente sensibilidade histórica para não usar o passado senão como meio para afirmar a possibilidade de pensar diferentemente a política no presente. Nela, a polis não é um lugar ideal ao qual se pretende retornar, mas uma referência necessária para compreender a historicidade da própria política, bem como denunciar os riscos e os limites do modelo representativo. Riscos e limites aos quais Habermas parece, afinal, pouco atento. Sem tensionar a democracia representativa, questionando por outros meios a eficácia da representatividade, sem construirmos outras vias de participação na vida pública além da mediação institucional e burocrática, talvez o que sobre seja, justamente, a despolitização da política.

O QUE RESTA DA POLÍTICA – As eleições deste ano encerram de maneira exemplar este risco. Ao longo dos últimos meses assistimos principalmente o ódio e o medo pautarem os discursos, as ações e as escolhas eleitorais. Nada de novo, a rigor: uma coisa e outra são a tônica do debate público – ou a ausência dele, enfim – desde há algum tempo. Mas era fundamental que fosse diferente em uma eleição presidencial. Não foi. O resultado foi a quase total ausência de uma interlocução efetiva entre partidos, seus candidatos e os eleitores.

Principalmente no chamado G-3, reproduziu-se a velha estratégia de destruir inimigos ao invés de confrontar adversários. E como o objetivo da oposição é vencer Dilma, ela apostou principalmente no velho roteiro denuncista, já bastante desgastado. Marina ainda tentou emplacar o discurso da “nova política”, valendo-se de maneira oportunista das manifestações de junho de 2013. Mas suas alianças com Bornhausen em Santa Catarina e Alckmin em São Paulo, além das mudanças recorrentes no discurso sempre que sentia alguma pressão vinda, ora do agronegócio, ora do pastor Malafaia, comprometeram tal pretensão. Pior fizeram os tucanos: tiveram 12 anos para apresentar um projeto alternativo para o país, e o máximo que conseguiram foi lançar Aécio Neves. E não faltaram previsões catastróficas e gente a defender um “corpo a corpo encarniçado e sangrento” passadas as eleições. Tudo muito patético.

A presidenta Dilma Rousseff teve de enfrentar, e nem sempre o fez bem, o desgaste natural depois de mais de uma década do PT à frente do governo. Embora líder nas pesquisas, ela não conseguiu superar uma contradição que atravessa as gestões petistas: os indicativos sociais positivos, a meu ver a principal conquista dos últimos três governos, não produziram um amadurecimento político mais significativo. Parece ter ocorrido justamente o contrário, e é difícil ao PT escapar ao seu quinhão de responsabilidade. Além de se afastaram dos movimentos sociais, contribuindo inclusive para sua criminalização, os governos Lula e Dilma valeram-se de políticas distributivas bem sucedidas para diluir outros temas e travar pautas fundamentais ao avanço da democracia. A capitulação diante da pressão de segmentos religiosos fundamentalistas e as alianças com setores conservadores, ajuda a entender a indiferença institucional para com temas e políticas que deveriam ser fundamentais a uma política de esquerda.

O ESPETÁCULO DO HORROR – Pois é esta indiferença, justificada pela necessidade de assegurar a governabilidade, uma das responsáveis pela reprodução de uma já histórica despolitização de parcela significativa da sociedade brasileira. Danosa para a consolidação de uma democracia efetivamente pluralista e sensível aos direitos humanos mais fundamentais, reforçada por uma investida midiática que não poupou esforços para estigmatizar toda forma de política, com ela chegamos a uma eleição onde a política cedeu espaço a um espetáculo onde o protagonista é, justa e ironicamente, o horror à política.

E ele se manifestou de maneira brutal no debate entre os candidatos à presidente, na noite de domingo, na rede Record. A resposta do candidato Levy Fidelix a uma pergunta de Luciana Genro sobre o casamento homossexual, é o retrato do quão baixo chegamos depois de anos alimentando o ódio, o ressentimento e a intolerância. Ao afirmar que “aparelho excretor não reproduz”; associar a homossexualidade à pedofilia; sugerir que quem é “portador deste problema” deverá receber tratamento médico e psicológico para curar-se, mas “longe de nós” – onde? Internados em um asilo ou hospício; confinados em um gueto ou em campo de concentração, um triângulo rosa costurado na roupa? –; e conclamar a “maioria” a “enfrentar” a “minoria”, Fidelix não apenas vomitou sua monumental ignorância, mas incentivou a violência.

Mas sua barbárie verbal foi potencializada com o silêncio constrangedor dos demais. Nenhum entre os principais candidatos repudiou o posicionamento do “nanico”. Para não perderem um punhado de votos, perderam a oportunidade de fazer a diferença, enfrentando e denunciando a intolerância e a violência que ela estimula e legitima. A movimentação nos dias seguintes foi uma pálida e envergonhada resposta à repercussão nas redes sociais, e uma tentativa de disfarçar o indisfarçável: para o G-3 a política deixou de ter como função organizar e regular a convivência entre os diferentes, assegurando a todos os direitos civis mais básicos, independente da fé que professem, da cor de sua pele, de sua posição social ou de seu gênero. Tornada técnica, distante das e indiferente às vidas comuns, a política foi desinvestida de seu caráter político. Hoje, nenhuma das três alianças e candidatos que aspiram à presidência reúne as condições de reverter isso. E possivelmente tampouco desejam fazê-lo.