quarta-feira, 14 de maio de 2014

Casa Grande é Casa Grande, Senzala é Senzala


Ilustração da capa do livro Casa Grande e Senzala

POR JOSE ANTÓNIO BAÇO

Hoje proponho um exercício. E se muitas das ações dos últimos anos – aquelas que foram alvo de duras críticas – não tivessem sido levadas a efeito? Ou seja, vamos imaginar como seria o Brasil se alguém desse atenção aos críticos e simplesmente deixasse muitas ideias para trás. Então, vamos usar um pouquinho de imaginação e pensar num país feito à imagem dos seus críticos.

- Vamos acabar com o Bolsa Família.
- Não vai mais ter Copa do Mundo.
- Podemos abrir mão dos Jogos Olímpicos, que vão para Londres.
- Acabar com as cotas nas universidades é outra medida inadiável.
- Que tal tirar a Petrobras das mãos do governo e entregar aos privatistas?
- Vamos deixar para lá esse investimento no Porto de Mariel.
- Revogar a lei do Marco Civil é algo que se impõe.
- Também vamos fechar as universidades criadas nos últimos anos.

Parece que temos exemplos suficientes. O que isso significaria? Ora, apenas um regresso à “normalidade”. Pobres sem lugar na economia (não-consumidores) e a continuar na exclusão. Negros fora das universidades. Um país sem eventos capazes de projetar uma imagem internacional e de iniciar uma cultura de turismo. Como em outros casos, uma estratégica empresa petrolífera nas ávidas mãos dos privados. A ausência de estratégias para integração numa economia globalizada. A internet nas mãos dos grupos que mandam mais.

É esse o Brasil vocês imaginaram, leitor e leitora? Aposto que sim. Mas pensemos: não é o mesmo Brasil que tínhamos há 30, 40 ou 50 anos? Exato. Mas é para onde essa gente pretende voltar. Porque tem saudades daquele Brasil onde as coisas estavam todas no seu devido lugar. Ou seja, o que os conservadores desejam é uma volta à velha sociedade onde as posições eram cristalinas: Casa Grande é Casa Grande, Senzala é Senzala. Uma sociedade onde pobre era pobre e não tinha que ficar sonhando com geladeira. Para que geladeira se não tem comida?

O que querem os conservadores? Voltar a um país com universidades apenas para os meninos das boas famílias. Um país fascinado pelo tal primeiro mundo e que, como poucos podiam viajar, criava uma ideia de distinção social. Um país dependente, acorrentado a decisões tomadas por credores externos, e para o qual a expressão diplomacia econômica não existia. Um país que andava de joelhos perante as instâncias internacionais. Um país onde cada um cuida de si e inexiste a solidariedade para com o mais fraco: aquela arenga do "dar a vara..."

Enfim, o que os conservadores propõem é o passado. 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

A sociedade dos operativos

POR  JORDI CASTAN



Temos nos acostumado a avançar de forma espasmódica, a saltos. Se fosse bom, alguns poderiam dizer que avançamos a orgasmos. Mas não são orgasmos, porque não há gozo, só frustração. Temos desenvolvido a cultura do operativo e feito dela um modelo de gestão, que em Joinville cunhou o neologismo “geston”. Quem é daqui entende.

Aumentaram os assaltos no centro da cidade? Durante uns dias se monta um operativo e com grande movimentação de policiais, automóveis com sirenes e giroflex ligadas, motocicletas para cima e para baixo em alta velocidade e, se for preciso, até a cavalaria é colocada nas ruas para criar a impressão que se esta fazendo alguma coisa. Resolve? Provavelmente não muito, mas a impressão que fica é a de que se esta fazendo alguma coisa.

As ruas estão esburacadas, há mais remendo que asfalto original e a maioria delas não tem mais de 10 anos de asfaltadas. Será que não deveríamos prestar mais atenção à qualidade do asfalto? Quanto tempo deveria durar um asfalto sem começar a se desintegrar? Melhor não fazer muitas perguntas. Não seja que acabemos averiguando que o asfalto, esse que não dura e que recebeu o apelido de “casca de ovo”, foi executado na gestão de um futuro aliado político. Nada que não possa ser resolvido com uma nova “Operação Tapa-Buracos”.

O mato toma conta de parques e praças? Pois chegou a hora de pedir ajuda aos apenados e roçar tudo. Em poucos dias fica tudo roçadinho e com cara de limpo, o que não vai durar muito. E na roçada também foram cortados os canteiros de flor e arrancada a metade dos arbustos. Não é importante o operativo: “apenados contra o mato” foi um sucesso e, no próximo mês, teremos uma nova edição do mesmo operativo em outra praça.

A escola tem goteiras, os banheiros estão em péssimo estado e precisando uma mão de pintura? Nada de fazer manutenção preventiva, nada de ir reparando aos poucos. O certo é contratar um grande programa de reforma de todas as escolas e assim poder lançar um pomposo operativo, seja o "Pacto por Santa Catarina", os famosos PAC ou o "1, 2, 3 ou 4 tanto faz". Vivemos a base de choques de gestão. E o paciente depois de levar tanto choque não está reagindo mais.

A ideia do operativo está enquistada na nossa cultura. Somos levados a acreditar nos discursos marqueteiros e fantasiosos dos políticos candidatos, que falam de milhares de escolas, de centenas de creches ou de dezenas de novas ambulâncias para melhorar a saúde. E não verificamos o quanto há de verdadeiro.  Abominamos a manutenção preventiva, o cuidado diário, o fazer bem feito sempre e substituímos por esses pirotécnicos e custosos operativos que custam fortunas e são pouco eficazes. E nos levam a acreditar que uma boa manutenção que dizer que quando algo estraga é trocado rapidamente. 

Não ocorre a ninguém e que a boa manutenção é aquela que faz com que as ruas se mantenham sem buracos, seguras, os canteiros floridos, as lâmpadas acessas, as faixas de pedestres pintadas e os telhados das escolas, os PAs e dos demais edifícios públicos sem goteiras e os corredores livres de baldes a cada trovoada?

sábado, 10 de maio de 2014

Gestão, competência ou respeito pela palavra


POR OTANIR MATTIOLA

No processo eleitoral de 2012 em Joinville, tínhamos cinco opções para escolher. Vou aqui manter o foco em quem obteve êxito e chegou à direção de nossa cidade a partir de 2013. Perfil de administrador, pulso firme, trabalhador, experiente por sua idade e trajetória como diretor de uma grande empresa em Joinville, presidente do conselho de um hospital particular, presidente da maior associação empresarial da cidade. Com este perfil, a equipe de marketing transformou-o em alguém perfeito para resolver os problemas de Joinville.

Pois bem. Alcançado o sucesso eleitoral chegou a hora de trabalhar por Joinville. Mas na hora de trabalhar que o marketing não funciona mais. Ou as coisas acontecem ou a população começa a ficar insatisfeita, as reclamações começam a aparecer e o que era perfeito na fantasia vai se transformando em realidade e decepção. Não vou dizer aqui que nada foi feito, pois estaria sendo injusto. Porém, se compararmos o que foi prometido para até este momento com o que esta realmente acontecendo, talvez com muito esforço chegaríamos a 30%.

Quero, portanto, chamar a atenção para o que foi a sua principal marca de campanha: a gestão. Talvez esta tenha sido a grande ilusão do eleitor de Joinville, que acreditou que um homem com perfil de gestor privado pudesse realizar gestão pública. Partindo do princípio que em “gestão privada você faz tudo o que a lei não proíbe; gestão pública você faz tudo o que esta autorizado em lei”, concluímos que Joinville elegeu um prefeito inexperiente em gestão pública.

Talvez seja por isso que os seguintes fatos que vou citar a seguir estão acontecendo em nossa cidade:

1. O simples ato de desativar iluminação antiga de uma praça e demorar mais de uma gestação para implantar a nova;
2. Não ter calendário escolar definido no início do ano, causando dificuldades para pais e professores se programarem;
3. Fechar o restaurante popular para reforma sem que a reforma esteja autorizada, prejudicando milhares de pessoas que necessitam;
4. Cancelar licitação de produtos da agricultura familiar às 21h05 do dia anterior à abertura dos envelopes, fazendo muitos agricultores de idiotas;
5. Licitar 130 maços de espinafre para entregar em 179 escolas, ou seja nem um para cada escola;
6. Executar 6,5 km de asfalto no primeiro ano de mandato, quando prometeu 75 km é uma quebra de palavra;
7. Deixar Unidades de Pronto Atendimento à Saúde - UPAS sem médicos de plantão é falta de respeito aos pacientes;
8. Permitir que o estacionamento rotativo fique desativado há mais de um ano (e o comercio que se vire). Bem, neste ponto o CDL não está reclamando;
9. Desativar os radares para controlar o trânsito, aumentando o número de acidentes;
10. Permitir que número de lâmpadas queimadas passe de duas mil na cidade;
11. Pacientes somem da lista de espera para exames e consultas na saúde;
12. Crianças que ficam sem vacinação no dia D, por falta de comida para quem estava trabalhando.

Frente  a todos estes acontecimentos, ainda lançam uma campanha de que estão trabalhando para Joinville ter mais? Só se for mais buracos, acidentes, insegurança, pessoas sem atendimento na saúde etc. Enfim,  pergunto: o que esta faltando na prefeitura é gestão ou competência? Se não for isso, deve estar faltando é respeito pela própria palavra.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

E se o mendigo for da sua família?

POR ET BARTHES

E se aquele mendigo por quem você passa na rua fosse a tua mãe? Ou prima? Ou mulher? Será que você reconheceria ou relegaria à invisibilidade? Eis um trabalho que vale por muita sociologia.





quarta-feira, 7 de maio de 2014

Carta a Rachel Sheherazade

Selo de "qualidade" feito pelos fãs da moça
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO



Olá, Rachel. Sei que não vais ter tempo de ler esta singela cartinha, porque és famosa e tens muitos seguidores para atender. Aliás, confesso que cometi um erro. Pensei que os teus seguidores fossem apenas os conservadores da classe média (se eu disser “reaças” levas a mal?), aqueles caras que têm sangue nos olhos e odeiam todos os que pensem diferente deles. Sabes do que estou falar, né? Mas errei numa coisa.



Hoje percebo que o teu público é mais vasto. Também és inspiração para uma turba selvática que precisa de poucos motivos para cair na barbárie. Parece que esse pessoal te ouviu  e agora embarcamos nessa onda de fazer justiça com as próprias mãos. Não importa se as vítimas são culpadas ou inocentes, homens ou mulheres, doentes ou sadias. São meros detalhes que não impedem um belo linchamento.


Outra questão. Não sabia quem eras exatamente. Primeiro pensei que fosses alguém a interpretar um personagem para conquistar a audiência de um punhado de imbecis. Depois imaginei uma arrivista a fazer o possível e o impossível para subir na vida. Mas hoje sei que estava errado: não passas de uma ignorantona a quem alguém, sem ter a noção do mal que estava a fazer, entregou um microfone na televisão.

Dizem que o sucesso é chegar onde se planejou chegar. Então, imagino que estejas feliz, porque te tornaste um símbolo daquilo que tens pregado ao longo dos tempos: a intolerância, a arbitrariedade e a falta de solidariedade para com o mais fraco. E são os mais fracos a pagar um preço alto demais. O que dizer de Fabiane Maria de Jesus, espancada até a morte no Guarujá? Ora, que talvez seja apenas mais um nome para as estatísticas da intolerância.

Não estou a dizer que és culpada. É claro que os responsáveis são os anormais que perpetraram o crime. É claro que o estado tem culpa porque não protegeu uma cidadã inocente. É claro que as comunidades têm culpa por assistir impassíveis à barbárie. É claro que os autores do site que espalhou o boato também são responsáveis pela tragédia. Mas não acho que possas ficar incólume... e aposto que tens muito para conversar com a tua consciência.

terça-feira, 6 de maio de 2014

40 meses sem licitação

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Está mais do que avisado para a grande maioria de que o transporte coletivo de Joinville opera através de uma permissão, concedida às empresas Gidion e Transtusa por vários governos municipais desde a década de 1970. Também sabe-se que o último grande contrato venceu em Janeiro deste ano, e a licitação não saiu. Talvez o que a grande maioria não sabe, e necessita saber, é que a Prefeitura teve a oportunidade de licitar o sistema de transporte coletivo nos últimos 40 meses e não o fez por sua própria incompetência, através dos órgãos gestores do assunto, como o Seinfra do IPPUJ.

Se voltarmos ao mês de Janeiro de 2011, na primeira audiência publica realizada para discutir a licitação do transporte coletivo, os movimentos sociais organizados (como o MPL) e outras vozes sociais (inclusive este que vos escreve) alertaram sobre as várias situações estranhas presentes naquele momento, como a falta de debate com a população, o desrespeito ao Plano Diretor e a não confecção de um Plano Setorial de Mobilidade para discussão sobre a mobilidade que a cidade precisa, para depois ser feita a licitação. Na oportunidade, faltavam 36 meses para o fim do contrato.

O assunto morreu por ali, mais uma audiência foi realizassem Fevereiro de 2011, e pouca coisa mudou naquele ano. O blog Chuva Ácida publicou desde a sua fundação vários textos sobre o assunto, inclusive de convidados, pedindo uma agilidade e transparência no processo, pois, afinal, o fim do contrato se aproximara. Entretanto, "os de sempre" foram ignorados e o Prefeito anterior não conseguiu cumprir a sua principal promessa de campanha (fruto de uma militância histórica de alas do seu partido), e de brinde reconheceu uma divida muito estranha com as permissionárias.

O atual Prefeito tinha, no ato de sua posse, poucos meses para fazer a licitação. Por mais que as "Jornadas de Junho" fossem muito brandas pelos lados de Joinville, as ruas pediam novamente mais agilidade e transparência, numa repetição dos anos anteriores. Novamente nada aconteceu, e o contrato venceu em Janeiro deste ano, 36 meses após aquela reunião com a população onde foram feitos os apontamentos necessários para a execução de todo o processo. Se neste tempo todo o governo não conseguiu fazer a licitação, estava óbvio que não conseguiria em míseros seis meses. E não deu outra: em 2014 Joinville não terá o seu transporte coletivo licitado.

O que mais me deixa desapontado é o tempo perdido. Muito tempo se passou e a sensação é de que nada mudou. O transporte coletivo continua sendo ruim, os governos insistem com megaprojetos de pontes, duplicações e mais investimentos em prol do transporte coletivo motorizado, e a população fica à mercê da incompetência de órgãos públicos repletos de profissionais que não cumprem com seus ofícios.

A desculpa oficial dada pela Prefeitura para que em 2014 nada avance, acreditem, é a realização de um Plano de Mobilidade antes da licitação. E anunciaram como se a roda fosse inventada pelos pensadores urbanos da Av. Hermann Lepper. "Os de sempre" já disseram estas coisas há 40 meses.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Revogue-se o bom senso

POR JORDI CASTAN

Não há limite na ânsia de retroceder até a idade das trevas: a aprovação da lei que permite o rebaixo do meio fio em toda a cidade e o consequente desaparecimento dos passeios como espaço para os pedestres, é uma prova que os denominados antropocentristas cedem espaço para a suas alas mais radicais, os “automóvelcentristas” e os “imovelcentristas”.

Depois da vitória da barbárie e da estupidez, pareceria que o mundo está perdido. Por sorte, cidades como Hamburgo e Berlim, na Alemanha; ou Vitoria-Gasteiz e Barcelona, em Espanha; ou Seattle e Nova Iorque, nos Estados Unidos, tem projetos de planejamento urbano para erradicar completamente o automóvel de grandes áreas do tecido urbano. Bogotá, aqui no nosso hemisfério, tem feito também grandes avanços no sentido de priorizar o pedestre e o transporte público em detrimento do automóvel, objeto do culto dos automóvelcentristas, adoradores do carro e que acreditam que Deus criou todas as coisas para servir ao automóvel.  Os sambaquianos, não satisfeitos com essa vitória, querem mais, e os imovelcentristas lançam uma ofensiva em que a ignorância e a idiotia são suas bandeiras de batalha.

Qualquer um que tenha mais capacidade intelectual que uma ameba ou um paramécio, sabe que a verticalização e o adensamento comprometem a qualidade da vida nas cidades, edifícios mais altos reduzem a insolação e a ventilação, fazem as cidades mais insalubres, propiciam doenças e aumentam a poluição. A insuspeita OMS (Organização Mundial da Saúde) estebelece normas e parâmetros para garantir um mínimo de insolação, de modo que mesmo nas cidades mais verticalizadas os seus habitantes possam receber um mínimo de duas  horas de sol no solstício de inverno. É oportuno lembrar que as recomendações da OMS são para TODAS as cidades, se consideramos que no caso de Joinville, pela sua localização e climatologia há abundancia de chuvas e elevada umidade, os conceitos de ventilação e insolação merecem uma atenção e uma consideração adicional. 

Além dos percentuais mínimos definidos pela OMS, há também outros critérios técnicos específicos a serem seguidos no planejamento urbano, além de colocar dezenas de siglas complicadas e ininteligíveis para o cidadão médio e colorir mapas de cidade.  Há normas técnicas, como as ISO, a 6241, por exemplo, e NBRs, como as 10152 e 15575. As normas e os estudos técnicos definem toda uma série de requisitos e critérios, estabelecem ângulos máximos de obstrução, níveis máximos de intensidade sonora, de permeabilidade do vento, percentuais de disponibilidade de áreas verdes, distância dos trajetos a serem percorridos a pé, distância mínima entre as unidades habitacionais e os pontos de ônibus, princípios de segurança urbana referente a mobilidade e a alturas de construção a serem seguidos na legislação urbanística, entre muitos outros. Há uma relação direta entre a altura permitida e a largura das ruas, o que os técnicos denominam a calha da rua. Para poder aumentar a altura dos prédios é preciso que as ruas sejam mais largas, assim não se comprometerá a insolação, por exemplo. Também há critérios sobre mobilidade e atividades econômicas, sobre poluição sonora e áreas residenciais, entre outras dezenas de critérios a serem considerados. Até agora nada disso tem sido visto por estes manguezais. E arrisco o palpite que se esses dados não tem aparecido, deve ser porque não existem; ou se fossem apresentados dificilmente resistiriam a uma análise medianamente isenta.

Aqui em Joinville tem sido dado a ordem de ignorar qualquer norma técnica que possa reduzir o lucro dos especuladores imobiliários e seus lobistas. Assim, a OMS, as ISO e as NBRs são consideradas organizações nocivas aos interesses defendidos pelo setor especulativo, agrupado em torno do grupo apelidado de “Gangue do Tijolo” ou “Talibans do Concreto”.  Caso o bom senso não de sinais de vida, será necessário que se verifique se o texto da LOT assegura o cumprimento dos coeficientes mínimos propostos pelas normas técnicas e se restabeleça o bom senso, para que se reduza a cobiça dos de sempre e possamos preservar um mínimo da salubridade e qualidade de vida.

sábado, 3 de maio de 2014

Sobre a Comissão Municipal da Verdade e o Dia dos Trabalhadores


POR FELIPE SILVEIRA

É bem provável que ainda neste ano seja criada a Comissão Municipal da Verdade em Joinville. Uma vitória dos movimentos sociais, que fizeram a proposta no evento de comemoração dos 35 anos do Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Bráz (CDH), do qual participou o coordenador da Comissão Estadual da Verdade. Escrevi sobre isso há cerca de um mês.

A comissão municipal está próxima porque, de fato, os vereadores Adilson Mariano e Rodrigo Fachini levaram a proposta a sério e, na quarta-feira (29), foi realizada uma reunião para debater a formação da futura comissão. Trata-se de um passo fundamental de resgate da memória – muitas vezes apagada de propósito - e conscientização sobre quem somos enquanto comunidade. Afinal, somos resultado do passado.

Sobre o resgate da memória, um exemplo bem claro e praticamente extremo foi dado pela professora e pesquisadora Iara Andrade Costa, chefe do Departamento de História da Univille. Presente na reunião sobre a comissão municipal, ela contou que vários jornais do ano de 1964 simplesmente desapareceram do Arquivo Histórico Municipal. Um apagamento escancarado da memória, promovido por aqueles que tem muito do que se envergonhar, certamente.

De fato, muitos não querem que se saiba sobre o passado recente. Muitos dos beneficiados ainda gozam os privilégios dos anos de chumbo. Aqueles anos em que “poucos” enriqueceram ao lado do governo militar, enquanto o povo explorado migrava do interior do Paraná e de Santa Catarina para cidades como Joinville, onde abundava emprego no chão de fábrica para quem “se comportasse direitinho”. Também escrevi sobre a coisa grotesca que é o “milagre econômico” aqui.

E quem lucrou continua a lucrar com o silêncio do povo que, na marra, aprendeu a ficar calado e assim se acostumou. Em Joinville, como em muitos outros lugares, tentam roubar o Dia dos Trabalhadores e colocar no lugar o “dia do trabalho”, esse troço tão glorificado por aqui. Não é à toa que as emissoras de televisão promovem grandes festas para comemorar o TRABALHO.

Ignora-se, assim, a origem do dia dos trabalhadores e a lutas dos mesmos por direitos básicos, assim como são ignoradas as lutas históricas e atuais da classe trabalhadora. O mundo, porém, pega fogo. Em todo o mundo os trabalhadores e oprimidos estão nas ruas, enfrentando tudo e todos. As “primaveras” ao redor do mundo, os occupy, as jornadas de junho, os garis do RJ...

Até dá pra entender quem faz de tudo para apagar a memória.
Além da vergonha, o medo...

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Yes, nós temos bananas!


POR CLÓVIS GRUNER

Na mesma semana em que a hashtag #somostodosmacacos viralizou nas redes sociais, em reação a atitude de um torcedor espanhol que jogou uma banana para o jogador brasileiro Daniel Alves; o juiz Marcelo Matias Pereira, da 10ª Vara Criminal da Justiça do Estado de São Paulo, inocentou o humorista Danilo Gentili, acusado de racismo por ter, no Twitter, chamado um internauta negro, Thiago Ribeiro, de “macaco” e lhe oferecido uma banana, conclamando seus seguidores a fazer o mesmo. A alegação do magistrado, de que Gentili, mesmo tratando o internauta agressivamente não pretendia ofendê-lo, tendo apenas “a intenção de fazer rir”, parece contrastar com a onda de indignação que varreu a internet em solidariedade ao jogador do Barcelona.

Mas a apenas aparente contradição revela a lógica pervertida da maioria dos repentinamente convertidos ao ideário anti-racista, bem como a perversão da trajetória de luta contra o racismo no Brasil. Em outra ocasião, tratei do humor dito “politicamente incorreto”, do qual Danilo Gentili é um dos principais expoentes, a reforçar diuturnamente nossos muitos preconceitos; não pretendo voltar ao assunto. Mas a absolvição do humorista, acusado de praticar justamente aquilo que inúmeros internautas, entre eles uma variedade de celebridades e subcelebridades, tanto condenaram – chamar negro de macaco e oferecer-lhe uma banana – sem que absolutamente nenhum deles manifestasse mesmo um esboço de repúdio, nem agora nem na ocasião da agressão, é reveladora.

O silêncio tácito e cúmplice reforça a impressão que a solidariedade em rede deveu-se mais aos interesses do marketing de oportunidade que, necessariamente, ao engajamento no combate às muitas formas de racismo que grassam no país. Não bastasse a atitude de Neymar ter sido fruto de uma “sacada publicitária” da agência Loducca, e não um gesto espontâneo de indignação, o oportunismo de Luciano Huck conseguiu lucrar com um problema delicado e grave, que afeta a vida de milhares de brasileiros – mas certamente não a dele – vendendo pela bagatela de 69 dinheiros as camisetas da campanha.

Em jogo estava muito mais a imagem que muitos dos protagonistas quiseram projetar de si do que, necessariamente, a repulsa contra um racismo que, é bastante provável, a maioria deles sequer admita existir. Nesse sentido, não deixa de ser curioso que o elenco de rostos a exibir ou comer bananas era majoritariamente branco. Gente que faz questão de manter uma calculada indiferença quando o racismo  denunciado nas redes sociais à preço de banana se manifesta não contra um jogador de time europeu, mas afeta indivíduos anônimos, submetidos cotidianamente às muitas formas de violência física e simbólica que o caracterizam – como ser constantemente vítima da violência policial ou chamado de macaco por uma subcelebridade no Twitter. Entre a realidade e o espetáculo, celebridades e subcelebridades preferiram, uma vez mais, o espetáculo. Não deixa de ser coerente.

REFORÇAR O ESTEREÓTIPO – Desde o começo a campanha me incomodou. Desconfiava do excesso de boas intenções, da rapidez com que a denúncia tomou as redes sociais. Para além de todo oportunismo, do bom mocismo de fachada e de outros “ismos”, achei-a bizarra pelo simples fato de reforçar um lugar comum do discurso racista. Afinal, o ideal de todo discurso e gesto que se pretendem críticos não deveria ser, justamente, confrontar o racismo desconstruindo seus estereótipos, ao invés de reafirmá-los, mesmo que na base da boa intenção?

O ato falho – ou talvez nem tão falho – reforçou, em milhares de retweets e compartilhamentos, um comportamento e um discurso comuns no tratamento dispensado ao negros e demais “minorias”: piadas ofensivas; comentários e atitudes estigmatizantes; salários diferenciados; humilhações públicas; anúncios de emprego a pedir “pessoas de boa aparência”; olhares oblíquos. Particularmente no caso do racismo, o uso recorrente da imagem do “macaco” reafirma um estigma que desumaniza negros e negras: subjacente a ela está o discurso que lhes atribui um atavismo incontornável, com toda a carga de inferiorização – física, psíquica, intelectual, moral, etc... – que isto implica. A comparação de negros a macacos, pouco importa o contexto em que ela aparece e as intenções que a motivam, é racista. Ela reproduz estigmas, há até pouco tempo considerados científicos e hoje presentes no chamado senso comum, reiterados principalmente pelas linguagens midiáticas e fortemente assentados em nosso imaginário e percepções de mundo.

Além de histórica e moralmente ofensiva, a aproximação despolitiza décadas de luta contra o racismo, tratando-o como coisa que se resolve com alguns tweets e outros tantos likes; um espetáculo, enfim. E é também significativo que algumas das vozes mais autorizadas entre as lideranças negras tenham, desde o primeiro momento, rechaçado-a. Isso não significa conferir aos negros o monopólio do discurso anti-racista, desautorizando quem não o é de denunciar o preconceito e a discriminação: fosse isso e eu, homem, branco e hetero, não poderia manifestar-me contra o racismo, o machismo e a homofobia, por exemplo, nem solidarizar-me com as muitas manifestações políticas que visam, justamente, combatê-los.

Por outro lado, há determinadas experiências impossíveis de serem narradas por mim que, homem, branco e hetero, nunca sofri nem senti os efeitos deletérios da violência discriminatória. Dito de outra forma, posso manifestar minha solidariedade, mas jamais poderei falar pelo outro: a empatia pelo sofrimento alheio não me autoriza a falar em outro nome se não em meu próprio. As celebridades, subcelebridades e seus seguidores que se imaginaram macacos e exibiram suas bananas se equivocaram ao imaginar que o podiam e em tentar traduzir num gesto despolitizado e vazio séculos de humilhação. Além, claro, de vender camisetas.