quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Igreja Universal do Reino da Meritocracia


POR JOSE ANTÓNIO BAÇO


Houve um comentário ao meu texto da semana passada que chamou a atenção. Um dos leitores anônimos (tinha que ser), na sua fúria pessoal contra tudo que cheire a ideias de esquerda, soltou esta pérola: “os esquerdistas (derrotados profissionalmente, intelectualmente e culturalmente) nunca aceitarão a meritocracia”. É um fiel da Igreja Universal do Reino da Meritocracia.

O fato é que eu, um dos tais derrotados, tenho a ilusão de que o tema merece uma discussão. Primeiro porque o tal leitor apenas se limita a repetir um clichezão, sem apresentar argumentos sobre o tema. Afinal, o que é a meritocracia (essa nova religião)? Para o tal leitor deve ser uma espécie de “merecimento” que diferencia os derrotados dos vencedores. Os que são e os que não são.


Há pessoas para quem  mérito é trabalhar para ganhar dinheiro e, sobretudo, inscrever o seu nome o mais alto possível na escala social. Infelizmente para essa gente é um ideário que prevaleceu até aos anos 70 ou 80 do século passado. A lógica que estruturava as existências sobre os objetos (casa, carro etc) começa a perder vigor. As economias são culturais e a cultura já mudou muito, pelo menos no tal Primeiro Mundo.

O que é o mérito?  Há muitas variáveis a ter em consideração. Um torturador nos tempos da ditadura militar poderia ascender a posições de destaque na burocracia governamental com base no número de pessoas que levou ao pau de arara? Você seria capaz de rezar para esse santo? Ou, nas empresas, quem de nós não conhece algum “yes man” que subiu sendo apenas capacho dos superiores.

Os seguidores da meritocracia são crentes inamovíveis, portanto incapazes de ver que o mérito é algo relativo. Aposto que o tal leitor vê mérito na astrologia-filosófica dos textos de um Olavo de Carvalho mas nunca ouviu falar – e nem quer ouvir – de um Michel Lowy, um dos maiores intelectuais brasileiros, diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique, na França. Lembremos que Lowy é de esquerda, onde não há mérito.

Sou capaz de apostar todas as minhas fichas na ideia de que o tal leitor vê mérito no jovem burguês bem alimentado e educado em escolas particulares que consegue vaga numa universidade federal. Mas é contra as cotas porque não vê mérito num jovem negro, pobre e que estudou numa escola com ensino precário. Ora, se fosse uma corrida de Fórmula 1, o primeiro estaria a largar com muitas voltas de avanço sobre o segundo. Qual é o mérito?

A meritocracia é um método – como tantos outros – que pode ser usado pelas empresas ou pelos governos nas suas hierarquias. Mas não é uma fórmula rígida, nem matemática, capaz de ser uma bíblia da gestão. Se a meritocracia tem alguma vantagem para o sistema produtivo é despertar a ambição (qualidade que em tempos foi defeito) e a competição entre os trabalhadores. Mas isso interessa mais aos donos do capital do que aos trabalhadores.

E deixo para o fim deste texto o exemplo de alguém que certamente acreditava no poder da meritocracia. A redatora de publicidade Mita Diran, da Y&R da Indonésia, que morreu após uma jornada de três dias seguidos a trabalhar. Antes de morrer, cheia de orgulho ela escreveu no Twitter: “trabalhando há 30 horas e ainda firme e forte”. O mérito foi todo dela.

P.S.: Que fique claro. Não rejeito a noção de mérito, mas quem faz dele uma religião e uma arma a favor de um certo apartheid social: os derrotados e os vencedores. Porque isso não é meritocracia. É arrivismo. Favor não confundir.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Os "ginis" nossos de cada dia

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Os grandes problemas de nossa sociedade não são a pobreza, a fome, a violência ou a corrupção, situações que costumeiramente aparecem na mídia ou nas conversas por aí. O grande problema da sociedade, a matriz de todos os outros problemas que conhecemos, é a desigualdade. O fato de uns terem mais e outros terem menos é que provoca os distúrbios que nos atormentam diariamente, seja em Joinville ou qualquer outra cidade brasileira.

Para medir matematicamente como essa desigualdade se comporta, foi criado o coeficiente de Gini (ou índice de Gini), desenvolvido pelo estatístico italiano Corrado Gini, em 1912. O índice apresenta dados entre o número 0 e o número 1, onde zero corresponde a uma completa igualdade na renda (onde todos detêm a mesma renda per capta) e um que corresponde a uma completa desigualdade entre as rendas (onde um indivíduo, ou uma pequena parcela de uma população, detêm toda a renda e os demais nada têm).

Geralmente olhamos para a sociedade pelo viés da pobreza. Do favelado, do jovem negro que faz "rolezinho". Do jovem de 17 anos que vê no tráfico a única realidade para sua vida. Da falta de qualidade de vida, ou ainda, para ser mais local, das invasões no Juquiá e das ocorrências policias no Trentino I e II. Estamos fartos de tantas notícias, fatos e opiniões sobre isso, seja com opiniões críticas ou conservadoras, tudo recai sobre esta parte da ampulheta.

Entretanto, o que de fato gera a desigualdade é a soma de grandes riquezas, adquiridas muitas vezes através de atitudes ilícitas, tráficos de influências ou relações sociais imorais. Riqueza adquirida da expropriação do trabalho de pessoas sem qualificação, pagando-lhes baixos salários em prol de um "mercado dinâmico". Riqueza adquirida, para ser mais local, das benfeitorias do prefeito amigo perto de seu terreno baldio, ou da canetada do Vereador para mudar o zoneamento de sua área especulativa, que valorizará 50 vezes no dia seguinte.

O Estado, articulador de nosso bem-estar, é um escamoteador das vontades daqueles que o financia e o ocupa. Lembrando de Chico Barque, é uma roda viva.

É muito fácil analisar o viés do miserável, daquele que não teve condições iguais àquelas que possuem os mais afortunados da sociedade. Nem é uma questão de esquerda versus direita, ou de "defender os fracos e oprimidos", mas sim uma causa humanitária. Duvido que algum leitor, tendo a oportunidade de pagar uma escola particular, vai colocar seu filho em uma escola pública. Ele quer dar ao seu filho melhores oportunidades, que, supostamente, virão mais facilmente através do ensino privado, considerando a realidade brasileira. Ou estou enganado? Todas as pessoas acreditam na educação pública como sendo a melhor para seus filhos?

Pois é. Nem todos conseguem pagar para estudar. Nem todos têm as mesmas oportunidades. Exceto pelos raros casos de superação, o pobre continuará pobre, favelado, excluído, segregado e um coitado. O rico continuará rico, com relações sociais cada vez mais segregadoras, adquirindo renda de forma cada vez mais duvidosa, e requerendo do Estado as suas vontades, visto que é ele o financiador do esquema todo. Filhos dos ricos entrarão em belos colégios, tendo ótimos empregos, relacionando-se com outros ricos e mantendo toda a desigualdade que assola o país.

Olhar o pobre como coitado é fácil. Olhar para o rico como injusto é quase um pecado.

PS: eu voltei, de forma quinzenal, após a breve parada. Um dos desafios é trabalhar em novidades (de mídias e de conteúdos) para o Chuva Ácida. Quem sabe elas logo aparecerão.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Começou 2014. Acabou a lua de mel?

POR JORDI CASTAN


E há mudanças no ar. Para quem esperava que a lua de mel fosse eterna, o mais provável é que seja eterna só enquanto dure.
Os buracos nas ruas são notícia destacada na imprensa local, com direito a página dupla. As manifestações contra um novo aumento da passagem de ônibus, de novo acima da inflação, tomam as ruas centrais e as imagens de pneus queimando, até a pouco vistas só em bairros da periferia longínqua, agora estão na capa do maior jornal de Joinville. Os primeiros dados apresentados, depois de 365 dias de gestão, não são para orgulhar a nenhum administrador.

Emblemáticos os números do asfalto, para quem prometeu, na campanha, asfaltar 300 km em quatro anos de gestão, o primeiro ano, que corresponde a um quarto, só executou 5,3 km, menos de 10% dos 75 km anuais projetados para poder cumprir as promessas. Não faltarão comentários de comissionados e simpatizantes a dizer que ainda é cedo, que a herança maldita do governo anterior, que blablablá. Que nos próximos anos serão executados os quilômetros que não o foram este ano. A chuva, o sol, o frio, qualquer escusa é boa. Já se sabe que quem não faz sempre acha escusas.

Se o prefeito acreditava que seria facil, é provável que já tenha mudado de opinião. A melhor prova que não é só a população quem esta começando a perder a paciência. É que antes mesmo das ferias o prefeito já anunciou que fará ajustes na sua equipe. A notícia reforça a velha máxima de que em time que esta ganhando não se mexe. Se mexe é porque não esta satisfeito com o resultado.

É bom que a sociedade esteja atenta, fique mais crítica e não se deixe iludir pelo discurso fácil. E em ano de eleições para governador e para presidente é bom saber identificar o que é possível fazer e o que é só discurso de candidato, quem sabe se aos poucos o eleitor começa a ficar esperto e deixa de ser iludido.

Em tempo, alguém pode explicar a historia dos funcionários das subprefeituras que o prefeito flagrou trabalhando "pouco". A notícia foi que o prefeito visitou as subprefeituras, sem avisar, quer dizer sem banda, batedores e dezenas de assessores, para verificar como andam as coisas por lá. Já sabemos que o prefeito tampouco anda muito satisfeito com o desempenho das ditas subprefeituras e quis ver "in loco."

Encontrou gente esperando bater o sinal para ir embora, algo que pode não ser tão frequente na iniciativa privada, mas que tambén existe por lá. Alguém teve a ideia genial de dar um "prêmio" ou um "incentivo" a estes funcionários para que façam o que deveriam fazer: trabalhar e cumprir o horário estabelecido. Tem mas línguas insinuando que a ideia partiu do próprio prefeito. Algo impensável para quem o conhece, dar prêmio para fazer o que é obrigação, não parece muito do seu estilo. Mas seguro que eu não devo ter entendido e por isso peço que alguém possa explicar melhor.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Aumenta a repressão e a violência policial na cidade da ordem

Policial ostentando com o "brinquedo novo" durante a
manifestação popular. Foto cedida por Jéssica Michels
POR FELIPE SILVEIRA

Recentemente soube de um caso em que a polícia entrou na casa de um homem na base da porrada. Sem mandado, com um motivo torpe, dando porrada e fazendo ameaças que fizeram calar a vítima, um trabalhador comum, marcado pela condição social.

Eu poderia ter inventado esse caso para falar do que acontece todo dia em todo o Brasil, mas esse exemplo é real, recente, e aconteceu com uma pessoa bastante próxima. Eu sei que isso acontece todos os dias, quase que exclusivamente nas periferias, e mesmo assim eu fiquei chocado quando soube desse caso.

É importante dizer que isso acontece quase que exclusivamente nas periferias. Até pouco tempo eu morava em um bairro de classe média com alguns amigos e o mesmo motivo torpe levou a polícia até a casa. Lá, no bairro rico, não rolou violência. Evidentemente, pois a possibilidade de haver filhos de advogados, juízes e empresários na casa era grande.

Na periferia não tem conversa...


A repressão e a violência policial também me chocaram na quarta-feira (8), durante a manifestação contra o aumento da tarifa de transporte coletivo. Fazia tempo que eu não via tanto “sangue no zoio”. Longe de querer dizer que não havia antes, pois havia, sempre houve, notei que algo mudou de uns tempos pra cá. Não estão escondendo mais a vontade de esganar os manifestantes.

O troço é tão absurdo que os policiais cercaram um ônibus onde estavam os manifestantes e outros cidadãos e ameaçaram prender todo mundo que tava nele. O pm disse pra tocar pra delegacia porque ia prender todo mundo.

Isso é concebível? Eu estou louco? Sinceramente, não sei o que argumentar em relação a isso. Não consigo compreender como alguém tem coragem de defender a pm depois de saber dessas coisas.

Um policial ameaçou prender um manifestante no próximo protesto. Alguém me explica como isso é possível? Outro policial falou que teria que “conversar melhor” com outro manifestante. Imaginem o tom da conversa. Foram inúmeros relatos de ameaças na manifestação de quarta, sem contar a ostentação com armas letais (escopetas) e “não-letais” (aquela parada que dá choque).

Entramos em que ano? 68?


Obs.: Eu cheguei bem tarde na manifestação. Esse texto é resultado de coisas que vi e ouvi na quarta.

O horror, o horror


POR CLÓVIS GRUNER

Provocaram um misto de indignação, repulsa e náuseas as cenas de barbárie que circularam nos últimos dias pela internet, mostrando um grupo de presos do complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, decapitando três outros detentos de facções rivais. E escancaram uma realidade que é conhecida por muitos, embora muitos a neguem: o sistema penitenciário brasileiro, desde há alguns anos, entrou em colapso; e não sairemos dele sem medidas radicais que não apenas o reformem, pontual e provisoriamente, mas o reinventem de alto a baixo.

O caso do Maranhão não é único, mas nem por isso menos emblemático. Pedrinhas se tornou a síntese do horror porque há muito tempo é uma terra de ninguém. Além da infraestrutura aquém de precária e a superlotação, presos de facções inimigas dividem o mesmo espaço, potencializando ainda mais a violência já comum em ambientes prisionais. Desde dezembro, principalmente, acompanhamos as notícias de uma violência crescente – decapitações, esfolamentos, estupros de mulheres das famílias de presos e a queima de coletivos nas ruas de São Luis –, o principal meio de que se valem as facções criminosas para demonstrar sua força e assegurar sua superioridade sobre os grupos rivais. O saldo, ao longo do último ano, é de 62 presos mortos, além de uma menina de seis anos, Ana Clara Santos Sousa, queimada em um dos atentados a um ônibus na capital.

A justificativa do governo é, como de hábito, hipócrita. Segundo as autoridades maranhenses, trata-se de uma reação às políticas de segurança no estado, uma flagrante mentira: a violência prisional é, antes, o desdobramento da incapacidade dos poderes públicos de oferecem respostas viáveis aos problemas de segurança pública. No caso do Maranhão, particularmente, esta incapacidade é generalizada e pode ser percebida também fora dos muros das prisões. Governado há décadas pela família Sarney – cujo patriarca, o senador José Sarney, foi aliado de todos os governos desde os militares, o que inclui obviamente os últimos, FHC, Lula e agora Dilma –, o estado apresenta alguns dos piores índices de qualidade de vida do país: entre outras coisas, possui a menor expectativa de vida e o segundo maior índice de mortalidade infantil. Confrontados os indicadores sociais e a violência prisional, não é difícil concluir que uma coisa e outra estão ligadas e que a segunda é, em grande medida, desdobramento e resultado dos primeiros. Mas isso não é tudo.

A FALÊNCIA DO MODELO PRISIONAL – Colocada sob uma perspectiva histórica, a violência que hoje grassa nas prisões vem sendo gestada pelo menos desde as décadas de 1970 e 80. São esses os anos do aparecimento e rápida consolidação do crime organizado e das facções criminosas, que se articulam primeiro dentro das prisões (articulação que se fez, em parte, pelo contato dos criminosos comuns com os prisioneiros políticos). Nos anos subsequentes, elas deslocam sua ação e influência para as periferias das grandes cidades, lugares onde a ausência do Estado e o total descaso dos poderes públicos os tornaram mais vulneráveis à ação organizada do crime.

Distribuindo privilégios e promovendo a identidade e a fidelidade entre seus integrantes, estes grupos tem conseguido aumentar sua força não apenas dentro das instituições prisionais, desempenhando um papel de mediador entre a vida intramuros e o cotidiano fora deles. Mediação delicada e conflituosa, entre outras coisas, porque faz deslizar para o espaço público os códigos e valores que organizam e normatizam a vida prisional, além de ocuparem o espaço deixado vago pelo Estado e pelos governos, justamente as instituições que, em tese, são as responsáveis por garantir a ordem e a segurança dentro dos presídios.

Nas últimas décadas portanto, aos antigos problemas – superlotação, condições físicas precárias, deficiência dos programas de reinserção –, somaram-se outros, que só fizeram agravar uma situação em si já insustentável. Entre eles o aumento da violência institucional: como já disse em outra ocasião, no Brasil, as prisões (e de maneira geral, o aparato policial) convivem com os resquícios dos tempos de exceção e a resistência à políticas de democratização no interior de seus sólidos muros. É uma regra onde não há exceção: as prisões e as corporações policiais são hoje, das instituições estatais, aquelas onde de maneira mais expressiva ainda encontramos o que resta da ditadura.

Além disso, há o fracasso das políticas públicas voltadas à segurança, em todos os níveis. Ele se manifesta desde a insistência dos governos na enganosa solução de ampliar o número de vagas nas instituições carcerárias; na manutenção de gestões penitenciárias clientelistas; nos investimentos pífios no melhoramento das condições prisionais; até a dificuldade de inserir e consolidar diretrizes básicas das políticas de Direitos Humanos, com a permanência de relações pautadas, não raro, na violência pura e simples. O fato de que o aumento das taxas de encarceramento não corresponde ao melhoramento nas políticas de reinserção do criminoso à vida extramuros, facilita a ascensão e atuação de grupos criminosos e confirma o diagnóstico de que as prisões brasileiras são inviáveis. E isso afeta a todos, não apenas os encarcerados. Não nos iludamos: o Maranhão é aqui.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Saudades das férias de 2001


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Sempre que há algum índice ruim na economia nacional, os que torcem pelo fracasso do atual governo - e indiretamente pelo fracasso do Brasil - saem à carga para anunciar o fim do mundo. Desta vez é a notícia de que o Brasil teve o seu pior saldo comercial em 13 anos. Eis uma coincidência interessante. Façam as contas, voltem no tempo e vejam em que época estaremos: o saudoso ano de 2001.

O povo da Reaçolândia não economiza nos adjetivos para anunciar o desastre que começa a arrastar o atual governo para o precipício. Mas desta vez sou obrigado a aderir ao coro dos descontentes. Também tenho saudades de 2001. Naqueles tempos, já vivendo fora do Brasil, enquanto turista fazia a festa em qualquer lugar do país. É que o real era uma moeda fraquinha em relação ao euro e até um pé de chinelo como eu podia levar vida de rico.

Naqueles tempos - em que o Brasil cumpria o desígnio da “teoria da dependência” (lembram de quem defendia essa teoria?) - a minha vida era muito mais tranquila. A começar pelos aviões, que nem sempre enchiam e às vezes eu até conseguia ter quatro bancos para viajar dormindo esticadão. Hoje os vôos estão sempre cheios com essa brasileirada que não para de viajar para o exterior e voltar com a mala cheia de bugigangas do tal primeiro mundo.

Também gostava porque podia andar sempre de táxi em Joinville. Mesmo sendo caro ainda dava para aguentar os preços. E era legal porque podia sair para jantar e beber à vontade, sem precisar dirigir (como manda a lei). Mas hoje em dia o cara tem que se virar em casa mesmo, porque é muito caro comer fora. Mais do que em algumas capitais europeias. Aliás, não entendo como os restaurantes estão sempre cheios se a economia está a um passo do despenhadeiro.

Ah… e lembro também que ir para a praia era tranquilo. Não havia esse movimento alucinante na estrada - porque poucos brasileiros podiam comprar  carro - e não tinha aquela coisa de levar três horas para chegar a Enseada, por exemplo. Alugar casa na praia? Uma teta. Também era raro acontecerem coisas como a falta de água ou de luz pelo excesso de população. Pô, hoje qualquer um já pode ir de férias para a praia.

É, gente, a coisa esta mesmo feia. Legal mesmo era aquele tempo em que pobre era pobre, conhecia o seu lugar e não invadia a praia dos outros. Férias na praia viraram um inferno. Saudades do tempo em que a gente distinguia as pessoas de bem dos farofeiros.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Imagina na Copa

POR FABIANA A. VIEIRA

Prometo que esse texto vai terminar melhor do que começou. Afinal, ele vai começar da pior forma possível, com um vídeo do Prates. Sim, o comentarista, aquele, que disse: “hoje qualquer miserável tem carro, por isso os inúmeros acidentes nas rodovias” - uma crítica sobre a popularização do carro pelo crédito fácil aos mais pobres. Mas o vídeo agora é outro.


Não consigo entender porque ainda fico indignada com seus comentários. Confesso que já senti muita frustração numa época. Em outro período já o ignorei e até já dei risada, mas o comentário acima ultrapassou todos os limites. Nele, Prates está inconformado com os encaminhamentos da Copa. Disse que a pior tragédia para o Brasil será  vencer a Copa e que já está com a camisa do Uruguai para sua torcida (sim, Uruguai, de Mujica  que viveu a luta armada e compartilhou os projetos da esquerda leninista. O Mujica que defende “dar o peixe”, para aqueles que foram saqueados durante anos). Nada contra o Mujica, pelo contrário, muito a favor. Mas você percebe a contradição?

Eu realmente não me importo se você gosta ou não de futebol. Se vai torcer para o Japão, para Camarões ou não vai torcer pra nada. Eu mesma, nem sou tão ligada, mas confesso que aprecio as rodadas sem muito fanatismo. Agora, ligar a Copa ao (in) sucesso do governo A ou B já é conspiração demais. E o pior, torcer para que o país perca não só a Copa, mas todas as chances de mostrar para o mundo que é capaz de organizar um evento dessa magnitude, chega a ser insano. Como se a derrota na Copa representasse a derrota do governo. Mesquinho isso.

Primeiro, a Copa
Ela nunca foi determinante para uma eleição. Fosse assim, Fernando Henrique não se reelegeria em 1998, quando o Brasil perdeu a Copa para a França. E em 2002 teria eleito seu sucessor com a vitória do Brasil na Copa, mas quem levou foi a oposição, com Lula - que por sua vez foi vaiado na abertura do Pan, em 2007.

Segundo, manifestações x governo
Já vimos que mesmo com todo o alarde em junho do ano passado e as intensas manifestações contra os investimentos da Copa no Brasil, o povo quer mudanças, mas querem que as mudanças sejam feitas por Dilma (é ela quem lidera todas as pesquisas de intenção de voto hoje, seis meses depois das manifestações). Com tudo o que houve no ano passado, não surgiu nenhum nome ou expressão que tenha alterado isso, para desespero da oposição. Então o projeto caos tem muita chance de não vingar, Prates. Pelo menos, até hoje. Torce contra, que é melhor.

Terceiro, os investimentos da Copa
Eu sei que o país tem muitas prioridades. E você, que não gosta de futebol, não é obrigado a amar a Copa, sabendo que teve muito dinheiro investido nisso. Mas é preciso saber separar as coisas. É preciso saber que o governo federal, não construiu nenhum estádio. Esta tarefa coube aos governos estaduais, clubes de futebol e até prefeituras. Que a Copa vai acabar e o patrimônio fica, para servir outros serviços também.


Bem na real
Como primeiro texto do ano, eu desejo mesmo que o Brasil vença. E se não vencer a Copa, que vença o preconceito (para aqueles que não suportam ver miseráveis comprando carros, ou pobre e ' preto' nos aeroportos e nas faculdades). Essa vitória até pode ser com ou sem a Dilma, mas que seja sem ódio. Que seja no debate, nas propostas e no olhar que faz a diferença. E não no fracasso do outro. Ou no fracasso de todos nós.

Feliz 2014, Brasil!

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Este ano será diferente

POR JORDI CASTAN

Temos fixação pelo que é diferente, buscamos sempre o que é único, mas é mais interessante prestar atenção às semelhanças.

“Desta vez é diferente”. “É outra forma de administrar”. “Este ano será diferente”. É importante que, mais do que acreditar no mantra do “diferente”, olhemos além do discurso e sejamos capazes de identificar porque desta vez será diferente. Temos uma predisposição a acreditar que as diferenças são mais valiosas que as semelhanças. Os marqueteiros políticos usam e abusam desta nossa predisposição para tentar nos convencer que este ou aquele candidato é diferente do anterior. Destacam o que diferencia, quando o aconselhável seria que destacassem o que o faz semelhante, às vezes tão parecido que é difícil diferenciar um do outro.

Em principio é muito fácil identificar as semelhanças. Por isso, dedicamos mais tempo e esforço a buscar e destacar as diferenças. Porque buscando as diferenças esquecemos-nos de ver as semelhanças. Deixamos de prestar atenção ao que um tem de igual aos outros.

Imaginemos uma cidade do norte de Santa Catarina que esteja debatendo o modelo de transporte coletivo, o seu plano de mobilidade, o projeto de ciclovias ou o seu modelo de desenvolvimento urbano. Na hora de definir o que fazer e como fazer, alguém propõe que os técnicos do Instituto de Planejamento local assumam a responsabilidade de elaborar os estudos, ou os da Secretaria de Infraestrutura, com o apoio prestimoso dos do ITTRAN, pois são eles justamente quem mais entendem do riscado. Mesmo que os resultados até agora não tenham sido os melhores, os representantes de sempre são escolhidos. Antes que alguém tenha a oportunidade de alertar que essa equipe já tem causado alguns desastres nos últimos anos e que há um risco elevado que os problemas continuem, o chefão, sem dar opção a que alguém se manifeste, lança a seguinte afirmação:

“É verdade que tem cometido alguns erros no passado, mas acredito que esta vez seja diferente, eles tem trabalhado muito para desta vez fazer bem feito”. E se fez o silêncio. Ninguém é louco ao ponto de contradizer o chefão e ainda mais depois de uma afirmação dessas.

Como o foco passa a ser a diferença - digamos o ano é outro, o prefeito é outro e pouco mais - esquecemos-nos do que é igual, a cidade é a mesma, a equipe é a mesma, os problemas são os mesmos que não tem sido capazes de resolver no passado. Mas esta vez é diferente. E imbuídos deste espírito, que insiste em nos convencer que esta vez é diferente, avançamos convencidos do sucesso amparados no nosso otimismo e no excesso de confiança. O resultado é o previsível.

Estamos todos tão focados em destacar o que é diferente que nos esquecemos de olhar o que é igual. Se insistirmos em acreditar que “esta vez é diferente”, pode ser que desta vez sim haja diferenças sensíveis que façam que seja diferente, mais as chances que seja iguais e que as semelhanças façam que esta vez tampouco seja diferente são maiores do que acreditamos. Só não queremos olhar nas semelhanças.


Você é dos que acredita que a administração municipal desta cidade do Norte de Santa Catarina cada vez é mais parecida com as anteriores e que esta difícil achar algum diferencial significativo?  Tranquilo, você não está sozinho. Aumenta cada vez mais o numero de eleitores que acham que desta vez tampouco é diferente.

domingo, 5 de janeiro de 2014