quinta-feira, 16 de agosto de 2018
Deixem Deus em paz, caros presidenciáveis
POR FAHYA KURY CASSINS
Muito já se fez e disse em nome de Deus. É um cúmplice ou aliado difícil de desmentir, afinal Ele não se pronuncia diretamente. Quer dizer, alguns se consideram portadores da Sua palavra, outros juram de pés juntos que Ele manda mensagens e sinais. Mas, prova mesmo, não há. Não tem uma procuração assinada, nenhum vídeo gravado.
Deus, porém, é da alçada da alma – uma questão íntima que cada um deve cuidar da sua. Deus não deve ser bradado por aí como chancela de interesses obscuros e intenções duvidosas. “Foi porque Deus quis” é tão vazio de sensatez quanto de honestidade. E mesmo nesta moda que alastrou-se por tudo e todos de “gratidão”, diz a lenda que o agradecimento deve ser feito a quem diz respeito. Talvez o Universo leia as timelines das pessoas, quem sabe.
Mas há um problema gravíssimo quando um político, homem da vida pública, vai aos meios de comunicação bradar por Deus – como a solução para a situação do país. E, pior, não deve ser considerado apenas como o bobo da corte porque, de fato, muitos creem no que ele fala. Há um problema ainda mais grave quando outro candidato, aquele que não é mais considerado o bobalhão, insere no seu slogan de campanha que “Deus está acima de todos”. Deus, meu caro candidato, pode não estar acima daqueles que não creem Nele; o seu Deus, por quem o senhor candidato fala, pode não ser o mesmo Deus que o meu – e de tantas outras milhões de pessoas.
Por que estes homens do mundo se outorgam o direito de falar em nome Dele? Por que estamos em 2018, no Brasil, e surgem gritos de “Glória a Deus!” durante um debate de presidenciáveis? Voltamos à Idade Média? Não se discute que temos uma população religiosa, de várias religiões, por sinal. Não se discute a fé das pessoas – jamais poderíamos fazê-lo, justamente pela laicização e democracia na qual vivemos. Não são estas as questões. A questão é um futuro governante achar-se na posição de ungido de Deus para governar o nosso país. Como os velhos monarcas da Idade das Trevas. Tal qual. E quem, afinal, os proclamou assim? Eles mesmos.
Outros candidatos, aparentemente menos fervorosos, também escondem-se atrás do ungimento de Deus. Em eleições passadas fulano ganhou porque, segundo a sabedoria popular, era a vontade de Deus, nas mãos do povo. Sim, isso mesmo – o argumento foi muito utilizado por aí. E há os candidatos que proclamam-se pecadores, tentando angariar a simpatia dos crentes – cientes de que não são nada santos nem ungidos. Deus, aparentemente, é o aliado mais disputado desta eleição. Nem o “centrão” (que garante mais tempo na TV, hein) foi tão cobiçado.
Aliar-se a Deus é um perigo para a nossa sociedade. Pois muita merda se faz em nome Dele – e, vejam bem, como Ele não se pronuncia para corroborar seu apoio, também não dá as caras na TV para dizer que não tem nada com isso. Situação complicada. E preocupante, muito preocupante. Quando o candidato brada que “ateus, umbandistas, espíritas, católicos, todos os brasileiros nos ajoelharemos diante do único Deus para orar pela nossa Nação” ele está sendo bem direto na mensagem: todos nós teremos que crer no Deus dele. E, absurdo maior, nossos problemas serão depositados nas costas Dele, tudo será resolvido se Ele quiser; nós apenas oraremos, é claro.
Na Idade Média, a população era levada a crer – como em tantos outros momentos da História, em tantas outras Culturas – que se o governante lhe era ruim, um déspota, um carrasco, é porque ela merecia. O que nos faz pensar que Deus não deve gostar dos brasileiros, levando em conta os últimos governos, a nossa realidade, as condições do país. Estamos penando porque, afinal, Deus não gostou de alguma coisa que fizemos. Pelos candidatos a presidência que temos hoje, certeza que Lhe causamos um enorme desgosto – não é possível pagar preço tão alto.
Deixemos Deus em paz. O meu, o seu, o deles. Já aprendemos a separar Religião e Estado, um santo, inclusive, disse que eles têm orígens diferentes. A Política é feita por nós, não por Ele. Talvez, apenas uma suposição, Ele não goste nadinha de ter seu nome usado em vão em debates, planos de governo e propagandas na TV. Cada um que aprenda a cuidar da sua fé, no seu íntimo, e a não usar a fé alheia para ludibriar e angariar votos. No Brasil já se vendeu muito voto por tijolos, sacos de cimento, tanques cheios de gasolina, agora a moda é comprar voto em nome de Deus. Nada se aproxima mais de uma Idade das Trevas.
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Acho temerário julgar a idade média como era das trevas, cada era tem seu fanatismo e seus mitos. Tento seguir o conceito de Espinoza sub specie aeternitatis e olhar para as coisas no tempo, e acreditar que muito em breve olharam para nossa era como a era das trevas. A era da perda de todo sentido metafísico, a era do vazio segundo lipovestki, a era que acreditava na democracia, e se cantava hinos Bobalhões como Imagine.
ResponderExcluirQuem "julga" a Idade Média como a Era das Trevas são, justamente, especialistas, historiadores, estudiosos.
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