quinta-feira, 7 de junho de 2018

Nós vamos perturbar sua tranquilidade: alunas que sofrem assédios de professores


POR FAHYA KURY CASSINS




O assunto é grave: alunas assediadas e estupradas por professores. Não fosse o caso mais notório, apesar das tentativas de abafamento e da visível “blindagem” do acusado, o da UDESC este ano, qualquer breve pesquisa no Google pode mostrar que não é nada raro. Mesmo assim, nem instituições, nem abusadores, nem colegas, nem mesmo nós, mulheres, queremos falar muito disso.
As mulheres, por sermos mulheres, demoraram muito para entrar nas universidades. Nos era negado o direito ao Conhecimento e fomos relegadas aos afazeres domésticos. Depois de longa luta – pois só assim adquirem-se direitos sociais – pudemos sentar lado a lado, em pé de igualdade, com os homens nas instituições de ensino superior. Igualdade? Não. Mesmo décadas depois, mesmo sendo maioria em muitos cursos e universidades, nós, mulheres, não temos igualdade.
Professores e professoras (infelizmente) proferem comentários desrespeitosos, nos diminuem intelectualmente, nos subestimam, humilham e assediam. Se na rua somos assediadas, por que numa universidade seria diferente? Estes professores se aproveitam do ambiente, da sua suposta (o “suposto” tão querido aos jornais deveria caber só aqui) hierarquia, do poder de fazer bem ou mal a uma estudante e cometem seus crimes impunemente.
Depois do caso monstruoso da UDESC, surgiram outros pelo Estado, na maioria em escolas de ensino médio. E quantos casos desconhecemos? Quantos casos nunca são denunciados? Alunas sendo abusadas e assediadas por professores concursados – o caso da rede municipal de Concórdia, por exemplo, de um professor que fora afastado do cargo na esfera estadual pelo mesmo crime! Li a notícia do professor da UDESC com uma angústia que só as mulheres conhecem, pois fui aluna da mesma FAED onde o tal professor leciona. Não fui aluna dele, minhas colegas não tiveram a mesma sorte. É a angústia de viver ou ter vivido no mesmo meio de um abusador. Nós vivemos esta angústia de dividir o mesmo espaço, de respirar o mesmo ar, de correr o risco, a qualquer momento, de ser vítima de um deles.



É fácil ser homem. É muito difícil, ainda mais no nosso país, ser aluna de graduação. É dificílimo ser mulher no ambiente acadêmico, em qualquer situação. Os homens se acham melhores. Os homens querem mandar. Os homens acham que podem nos explicar tudo. Os homens abusam, estupram. E quando são denunciados? Nem seus nomes são divulgados, os casos são abafados, culpabilizam as alunas. Em Blumenau dois professores foram acusados de manter relações sexuais com uma menor, em troca de notas, presentinhos. Em nenhum – NENHUM – desses casos a imprensa nem órgãos públicos (nem mesmo o MPSC) divulgaram os nomes dos criminosos. Por que protegem criminosos? O cargo deles não os exime da culpa – e não divulgar os nomes é protegê-los, como no caso de Concórdia.
Qual mulher passou a vida acadêmica sem ser assediada? Mas fomos sempre instruídas a nos calar. Começo deste semestre, comentávamos em sala de aula as tentativas, nas produções cinematográficas, de equiparar a presença de homens e mulheres. Quando saí, encontrei um grupo de alunos que conversava sobre os motivos da escolha do curso que frequentavam (não sei qual era): “Ah, eu escolhi porque é neste que tem mais gostosas!” e todos riram alto. É com este tipo de gente que nós temos que lidar – professores, alunos, funcionários, motoristas, etc.. Tenho uma ex-aluna do Ensino Médio que faz o mesmo curso que eu fiz, na UFSC. Quando ela e outras alunas sentiram-se constrangidas por denunciarem assédios de professores do curso eu me senti culpada. Na minha época também aconteciam assédios. Mas nós nos calamos. Porque somos sufocadas por isso. Porque não querem que falemos. Pois que comecemos claramente a dizer, em salas de aula, nos corredores, nos simpósios e seminários, nas bancas, na imprensa, diante de colegas de aula e de trabalho: não nos calaremos mais! E para todos aqueles que vêem esses crimes acontecendo: não se calem, não protejam. Para todos: não nos acusem, não tentem calar as vítimas e diminuir seus traumas.
Espero ansiosa que mais mulheres tomem consciência da nossa força contra abusadores e que possamos tratar livre e abertamente sobre o assunto em sala de aula e pelos corredores. A Polícia Civil indiciou o professor, no caso de estupro da UDESC, por “perturbação da tranquilidade”: nossa revolta é mais que justificável. Aliás, esses homens que andam por aí tão seguros de si entenderão o que pode significar “perturbação da tranquilidade”. Que nossas vozes sejam ouvidas. E que os nomes não sejam escondidos.



Segue uma seleção de links para quem não quer se dar ao trabalho de pesquisar no Google:

Professor da UDESC acusado de assédio sexual em Florianópolis
Assédio sexual de professor é ato de improbidade
Nota MPSC caso aluna de Concórdia assediada por professor
Assédio de alunas em escola de Guaramirim
O assédio de professores em universidades
Assédio na Universidade Federal do Ceará
Polícia de Blumenau investiga assédio contra estudantes
A universidade sob a marca da violência de gênero
Polícia indicia professor da UDESC por perturbação da tranquilidade em caso de estupro
#meuprofessorabusador
Justiça mantem afastado professor acusado de assediar aluno por Whatsapp

32 comentários:

  1. Na, na, na, na… Vamos por parte!

    Primeiro. Assédio a alunos do ensino médio, até por serem menores de idade, é CRIME. (Nem perco meu tempo sobre a falta de ética). Ponto!

    “Assédio” de professores contra alunos do ensino superior, também é crime quando é ca-rac-te-ri-za-do como tal! Estupro é crime hediondo, quando é ca-rac-te-ri-za-do como tal, ou seja, quando há provas, quando há testemunhas - nunca indícios! Aos olhos da justiça a palavra de alguém (adulto, sem provas) não pode ter peso maior do que a de outro.

    Afinal, assédio e estupro são o mesmo crime? Podemos colocar no mesmo saco as que ouviram o fiu-fiu com aquelas que sofreram de fato violência física e foram realmente estupradas? Para o STJ, pode. Por isso o aumento repentino de casos de “estupro” no Brasil.
    Não quero entrar nesse caso específico da UDESC, prefiro abrir a discussão.

    Num site que trata de questões feministas chamado “universa” (acho que a autora conhece), tempos atrás havia histórias de mulheres (não anônimas, mas com os nomes alterados) sobre atividades sexuais consensuais nos mais diversos ambientes (universidades, trabalho, viagens…). Algumas comentavam sobre o sexo com colegas de trabalho (superiores ou não) e, numa dessas histórias, a moça, que é médica, foi pega com o colega. Resultado: mandaram o sujeito embora e a lindeza permaneceu no quadro de trabalho. Por mérito, será? Ou porque, se foi pega, foi “vítima de assédio”? Hum…

    Um professor (ou professora) nunca deve se envolver sexualmente com alunos, porém no ensino superior, onde praticamente tidos são adultos e onde transborda o “empoderamento de minorias perseguidas pela sociedade branca, machista, cristã-ocidental-capitalista”, é difícil um professor ou professora assediar alunos de forma unilateral (pra deixar bem claro) sem que o docente seja devidamente denunciado.

    E quando o assédio vem de discentes? Pois também há! E quando esse assédio não é correspondido, e a “vítima”, aos olhos da sociedade, vem com a história do(a) pobre aluninho(a) que só quer estudar sem ser molestado(a) pelo(a) professor(a) amoral?

    Prefiro conhecer caso a caso, ao invés de generalizar e bradar aos quatro ventos que nem na universidade as moçoilas (que são maioria!) têm paz.

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    1. Vê-se que é homem. Nem precisava escrever tanto para sabermos.

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    2. Primeiro ele fala: "Não quero entrar nesse caso específico da UDESC, prefiro abrir a discussão." e depois coloca outro caso específico. Sempre desculpas para amenizar e banalizar as acusações de abuso. Não é pq VC não vê que não acontece, aliás, acontece geralmente bem escondido justamente pra depois usarem essa argumentação chula

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    3. Exatamente. Mias claro impossível. Valeu, Ivan.

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  2. “Assédio é quando ele ameaça te reprovar por não fazer as vontades dele”.

    Oi? O que é isso, brincadeirinhas de gato e rato? Estamos na quarta-série? É Algum episódio de live or dead?

    Isso não existe. Talvez nas décadas passadas, mas hoje? Sério que o assediador chega na aluna e diz: “olha, se não fizermos sexo, eu te reprovo, hein!”?
    Como se dependesse a vida de alguém. É óbvio que as alunas não são bobinhas de ficarem caladas, ainda mais nesse denuncismo, muito menos o professor, ao ponto de se expor dessa maneira.
    Sinceramente, em muitos casos, são resultados de algo que rolou, mesmo que superficialmente, e o alguém se arrependeu.

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    1. "Isso não existe." Quanta sabedoria!
      Vê-se, também, que é homem. E idealista, claro, só assim para acreditar nesta sociedade descrita acima.

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  3. O assédio em ambientes escolas é realidade há muito tempo, infelizmente. Que as mulheres não se calem e que esses professores comecem a ter medo, pq na educação ainda estamos longe.
    Ótimo texto mais uma vez.

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  4. Entre 70 assédios do Harvey Weinstein não teve UMINHA pra denunciar o cara?? Ah sim, eram coitadinhas e não carreiristas de Hollywood...

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    1. Nossa. É tão difícil mesmo entender a lógica do poder do abusador? Não teve mesmo UMA pra tentar se defender do poderoso. Por que será, né? Mais juntas somos mais fortes - até dos caras que têm muito e acham que são intocáveis por isso.

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    2. Não abriram a boca porque não queriam perder a oportunidade de conquistar mais um papel em filme importante. Agora pagam o preço e querem cobrar a fatura atrasado. Isso é hipocrisia.

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    3. Pelas suas respostas já se vê a questão: qual o valor da palavra de uma mulher assediada (hipócrita, aproveitadora, interesseira) contra a palavra do fodão da indústria cinematográfica?

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    4. Pelo contrário, se essas estrelas famosas tivessem dado o exemplo muitas outras teriam se sentido empoderadas e começado a reagir faz muito tempo... só isso...

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  5. Se tem um crime puna-se os culpados e ponto, não precisa criar onda.

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    1. Primeiro: quem dera fosse simples punir os culpados (estão aí as notícias que não nos dão esperança). E, sim, vamos criar onda, precisamos criar onda para sabermos que não estamos sozinhas.

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    2. O problema é que essa “onda” que o anônimo faz referência, atrapalha o relacionamento, pois hoje os homens já não sabem iniciar uma aproximação.

      Se o cara for bonito pode tudo, se for feio é assedio. Se o chefe a convidou para um jantar, é “A” oportunidade, se foi o Robison do caixa, é assédio sexual.

      Se a iniciativa é da mulher, ela própria e “asamiga”, vão pensar que é piranhice. Se homem ficar com receio dessa onda toda de denúncias e vitimização, e refugar, é viado.
      Então fica difícil, pois nem todas mulheres têm caráter suficiente para dosar esse nível de vitimização.

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    3. Essa onda só atrapalha, basicamente, dois tipos de homens: aqueles acostumados a tratar mulheres como objeto, desrespeitando-as, às vezes com violência. E os homens inseguros da própria sexualidade, que usam o fato de mulheres exigirem respeito e dignidade pra justificar as próprias frustrações.

      Não sei em qual dos dois casos o 10:52 se encaixa.

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    4. "essa onda atrapalha o relacionamento, pois hoje os homens já não sabem iniciar uma aproximação"

      Velho... lê a merda que tu escreve!

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    5. Quando me refiro a não criar onda, me refiro a 99,99% dos professores que agem com correção, volto a afirmar q os culpados sejam punidos, mas não coloque os 99,99% ao lado do 0,01%

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    6. Eu ri. Os homens agora querem culpar as mulheres (mais isso!) porque eles não "pegam ninguém". Quem sabe analisar as próprias atitudes, né?

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  6. Onde estava a mulherada quando a Globeleza dançava quase pelada na Globo logo no café da manhã??? Alguém se manifestou contra?? Ninguém, deu no que deu...

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    1. Sim... culpa a Globeleza. É tudo culpa dela! Coitados de nós, homens, que éramos sujeitos aquela afronta!

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    2. A culpa não é dela.. é de um monte de mulher que olhava aquilo e achavo bonito em vez de protestar....

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    3. Ah, claro.. a culpa é das mulheres. Tadinho dos homens.

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    4. Resumindo os comentários: a culpa é sempre das mulheres. Viu só porque devemos abrir a boca?

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    5. Claro que devem, mas por quê as setenta se calaram?? Medinho??? Se fosse uma empregada de uma empresa, pessoa sem instrução, que depende de um emprego é bem compreensível, mas, atrizes de Hollywood é lamentável...

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    6. Por que ninguém protestou quando a Globeleza aparecia com as tetas de fora????

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  7. Adoro posts com essa temática, pois eles fazem aflorar o mais sutil do machismo escondido em nosso interior. Fico extremamente irritado em saber que sou do mesmo sexo e gênero que alguns dos anônimos aqui. Espero que eles mudem assim como eu já mudei, porque reconheço que eu era assim há menos de 10 anos.

    Longe de me vitimizar, mas peço, inclusive, para que as mulheres avisem aos homens que tenham alguma relação mais próxima quando ele está sendo machista. Fui criado em uma família e uma sociedade machista e isso acabou ficando em minha cultura. Hoje evito a todo custo ser machista e conto com várias amigas que me mostram onde eu posso (e devo) melhorar.

    Belo texto, Fahya. Eu, como professor da UDESC, espero que haja a devida punição e que as alunas jamais deixem de denunciar. Chega de jeitinhos e pessoas donas de um falso poder por causa de uma dita hierarquia.

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    1. Vc é professor e era assim, interessante...

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    2. E chega de mulheres coniventes com os homens que as assediam.

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    3. Sim.
      Mas jamais usei de meu cargo (ou ego?) pra obter vantagens com alunas ou colegas de trabalho. Jamais saí com alunas ou colegas de trabalho. Ainda assim, já fui machista, homofóbico, misógino... Pessoas mudam! Fica a dica para muitos.

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    4. Quem dera mais homens, de fato, abrissem a cabeça. Não é fácil. Nós temos feito um trabalho árduo e de formiga, trabalhando essas questões inclusive com as mulheres que foram educadas a aceitar, a ser submissa, a calar os assédios e abusos - talvez isso os homens machões aí jamais conseguirão entender, porque, justamente, não enxergam o quanto eles são produto (pobre) desta sociedade.
      Obrigada, Zorak. Infelizmente o mesmo não se pode dizer dos seus colegas da FAED que ainda calam sobre o assunto.

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