quinta-feira, 17 de maio de 2018
Migrações contemporâneas: os brasileiros vão, os venezuelanos vêm
POR FAHYA KURY CASSINS
Santa Catarina é um Estado ótimo. Temos muitos motivos para dizer isso, porém a população demonstra ser racista, preconceituosa e xenófoba, dentre outras faltas de qualidade. Não é de agora que nos surpreendemos com discursos que excluem e são reprováveis. O que é curioso, pois o Estado é constituído por milhares de pessoas que se radicaram aqui em busca destas qualidades e oportunidades.
Num momento nacional e mundial de crises, tanto econômicas quanto humanas, é chocante observar alguns pontos. O Brasil vê muitos dos seus habitantes buscando o sonho de ir morar no exterior, fugindo de tudo isso aqui que virou bagunça (e, claro, Europa é tudo organizado e sem problemas), cansados de uma vidinha medíocre onde não podem ser classe média de padrão americano. Mas há uma reação exagerada ao cogitarmos a vinda de venezuelanos, por exemplo, para o nosso país – com a enorme diferença humanitária da questão.
Acompanhamos, mesmo quem não quer acreditar na responsabilidade política envolvida, a situação da Venezuela há anos. A situação seguiu, infelizmente, o rumo esperado: desastre humano. Quem quer continuar a defender Maduro, que continue. Mas não pode se negar a ouvir e ver a real situação na qual se encontra a população. E o que temos com isso? São pessoas, vivendo no país ao lado, mesmo que o Brasil, por uma estúpida tradição, dê as costas aos seus irmãos latinos. Temos obrigação moral. Temos obrigação humana.
Os brasileiros que vão para Portugal, Itália, Alemanha, EUA, não vão com a roupa do corpo, vítimas de um governo que quebrou seu país, de um lugar onde não há mais remédios nem comida – e muitos desses buscam oportunidades sem estar à altura. Porém, há relatos de discriminação sofrida pelos brasileiros em outros países. Sabendo disso, as famílias que permanecem aqui e têm familiares passando por isso deveriam ser as primeiras a acolher os que chegam em busca de esperança.
Os venezuelanos são pessoas cientes da sua condição. A maioria demorou muito para sair, vêm só agora quando não há mais nada a fazer. São muitos profissionais qualificados que perderam totalmente as condições mínimas de trabalho e vida. Eu ouvi o relato de uma cirurgiã pediátrica que resolveu vir porque tratava as crianças e sabia que, ao sair do hospital, elas não tinham chance alguma de sobreviver – porque nem o medicamento prescrito elas conseguiriam. Não entendo como alguém, de qualquer orientação política, possa ficar imune a estes fatos. Grávidas fogem do país porque temem morrer no parto. Mães fogem porque temem pela vida dos seus filhos.
Não sei se conseguimos imaginar uma população inteira emagrecer por conta do racionamento de alimento. O paralelo que me ocorre são os corpos de judeus nos campos de concentração, as imagens de magreza extrema que a História nos deixou. Os relatos dos venezuelanos são a tal ponto chocantes. Uma aposentadoria de lá, de salário mínimo, vale dez reais. Idosos, por isso e pela dificuldade de cortar laços, são os que mais relutam em sair do país e ficam, zelando pelo seu patrimônio e dos que se foram (impossível conseguir vender a casa, por exemplo, para conseguir dinheiro para viagem). São idosos que viajam quilômetros de ônibus e a pé até países vizinhos para conseguir comprar comida. Algum de nós consegue se colocar nesta situação?
Num país que precisa se preocupar com que a obesidade não se torne um problema tão grave como é em outros lugares como Estados Unidos, a realidade da Venezuela deveria não só nos comover como nos mover. Devemos ajudá-los. Eles vêm com pouco ou nada, são pessoas batalhadoras, literalmente lutando pela sobrevivência – sua e das suas famílias. Muitos encontram outros tantos entraves por aqui, como a validação dos seus diplomas – infelizmente a burocracia e descaso do governo federal nas instituições de ensino mostram-se ainda mais desanimadoras para eles. E, assim, eles estão aqui precisando de trabalho para ter uma moradia e comida na mesa. Eles testemunharam coisas muito graves, que não fazem parte do nosso dia a dia. Querem o básico, é claro. Sonham em voltar para lá quando tudo melhorar. E médicos, advogados, empresários, professores estão se contentando em ser balconistas e trabalhar de operário porque sabem valorizar o que lhes foi tirado.
Eles querem tão pouco que é de uma ignomínia sem tamanho algum de nós querer falar que temos nossos próprios problemas para cuidar. A Europa também não tem porque se preocupar com nossos probleminhas de classe média descontente. E todos nós podemos fazer um pouco, dando emprego, auxiliando no idioma, orientando nas questões culturais, doando comida e roupas – ouvi-los também é de grande aprendizado. Nosso governo poderia fazer mais do que só ações marqueteiras. Ah, e o principal: não discriminá-los, dando-lhes uma acolhida como gostaríamos de ter, caso fosse conosco.
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Concordo com o texto Fahya. O problema é que tem muito esquerdinha no Brasil e em Portugal que acha que a Venezuela é um paraíso. Pergunta para o teu amigo Baço o que ele acha.
ResponderExcluirTudo o que os países da América do Sul vem passando é resultado do GOLPE que tentaram aplicar, a partir do famigerado Foro de São Paulo!
ResponderExcluirUm detalhe, os escolarizados da Venezuela, assim como os brasileiros vão ao primeiro mundo. No Brasil estão os menos escolarizados ou os que ainda não tiveram uma oportunidade de migrar...
ResponderExcluirFalso.
ExcluirArgumente. Para cá só vem a sobra. A elite já foi trabalhar nas indústrias petrolíferas do Texas há mais de dez anos. Nem Haitiano aguentou viver no país. Os que estão vindo são a classe D para baixo...Bem, como vc segue a linha deste blog (tentei pensar que vc fosse mais esclarecida), eu paro de contribuir.
ExcluirFatos, Santa Catarina está recebendo (e não são poucos) médicos, advogados, contadores, empresários, gente da elite, com estudo nível doutorado inclusive.
ExcluirNão é nem de longe a "ralé". Desconheço um senso, mas conheço essas pessoas, suas famílias, amigos, que continuam vindo. Por sinal citei no texto a dificuldade de validarem seus diplomas. Eles esperaram demais e conseguiram dinheiro para chegar de avião até Curitiba, quando muito. São Francisco do Sul tem abrigado alguns que conheceram funcionários brasileiros da Petrobrás, por exemplo.
Imagino que as imagens da imprensa são de venezuelanos com cara de filme e roupas puídas atravessando as fronteiras do norte do país, mas não fariam muito além disso para falar de "questão humanitária". É mesmo entre esses, como saber que são "classe D pra baixo"? A fome e a desgraça nos iguala a todos.
(obrigada pelo esclarecida
Comprovado. A esquerda emagrece e mata.
ResponderExcluirDiscordo em vários pontos.
ResponderExcluirNão acho o catarinense, em geral, um povo racista. Essa ideia é preconceito pelo fato de o Estado ter recebido vários imigrantes europeus e de ser constituído por população de maioria branca.
Duvido que imigrantes de países mais pobres teriam acolhimento melhor em outra unidade federativa no Brasil. Aqui eles ao menos encontram trabalho, acesso mínimo aos serviços básicos e um pouco de segurança.
Sobre os venezuelanos, como os catarinenses que recebem milhares de argentinos e uruguaios, receberiam o povo caribenho de forma diferente? Ainda mais os politizados que sabem que um dos responsáveis pela ditadura na Venezuela permanece preso em Curitiba.
A desgraça no país vizinho é exemplo a não ser seguido por 70% da população brasileira mais informada e que não segue teologias políticas estranhas. Cabe a essa mesma proporção da população (que não compactuou com a política bolivariana desastrosa) a responsabilidade por receber esses imigrantes, porque os outros 30%, incluindo pseudo-intelectuais, artistas, jornalistas e certos veículos midiáticos não tem nenhuma responsabilidade. Muito pelo contrário, os últimos ovacionam a “política democrática” de Maduro e de alguns pseudo-ditadores sul-americanos.
Outro ponto que descordamos. Foi justamente por não seguir essa “estúpida tradição política de dar as costas a seus irmão latinos” que a coisa chegou ao ponto que conhecemos: a destruição política, institucional e econômica dos países sul-americanos financiados pelo governo brasileiro lulo-petista e a quase destruição do que nós conhecemos como república federativa do Brasil. Foi por pouco, por muito pouco que não acabamos como uma Venezuela. O pior é que temos, sim, que agradecer aos atuais bandidos que tiraram os outros do Palácio do Planalto e, especialmente, do Itamaraty.
Demos graças ao impeachment!
O registro e divulgação dos crimes de racismo e xenofobia em Santa Catarina falam por si. Receber argentinos e uruguaios como turistas é uma coisa, receber venezuelanos como "concorrentes" é outra, bem diferente. Sobre vários pontos, faltou interpretação textual. Como no exemplo de "dar as costas a seus irmãos latinos", em nada tem a ver com o que você disse. Mas, enfim, recomendaria uma segunda leitura, talvez fique mais claro.
ResponderExcluirQue há racismo e xenofobia, há não dá para negar. Agora não sei se os casos são assim tão numerosos para que você qualifique nossa população como racista. Portanto pergunto, quais dados foram utilizados para esta conclusão? Será que os índices daqui são piores do que de outros Estados e países?
ExcluirNão é nenhum artigo científico, não preciso expor a metodologia. Mas, veja sua frase "não sei se os casos são assim tão numerosos", temos, então um quantidade certa para analisar se é ou não racista? Racista é racista, tendo um, dez ou mil casos. Não?
ExcluirBom texto, Fahya. Não me surpreende que nossos comentaristas anônimos ignorem que as críticas mais pertinentes ao regime de Maduro vem não da direita, mas da esquerda. Quatro exemplos, nem tão recentes (são de quando a crise começou a ficar mais aguda):
ResponderExcluir- artigo do historiador britânico Mike Gonzalez, professor de Estudos Latino Americanos em Glasgow e militante de esquerda:
https://voyager1.net/amp/politica/precisamos-falar-sobre-a-venezuela/
- duas entrevistas com o sociólogo Edgardo Lando, professor da Universidad Central de Venezuela:
https://www.aporrea.org/ddhh/n309331.html
https://www.esquerda.net/dossier/constituinte-leva-nos-um-ponto-sem-retorno/49799
- e um quarto, de minha autoria:
https://amenidades.blog.br/a-democracia-na-venezuela/
Além disso, boa parte da esquerda brasileira, incluindo segmentos de partidos como o PSOL, tem se posicionado muito criticamente contra Maduro e alertando para a verdadeira escalada autoritária em curso na Venezuela.
Mas, como eu disse, não me surpreende que nossos anônimos comentaristas ignorem, solenemente, tudo isso.
Bom saber que de 90 dias para cá vcs mudaram de opinião é que agora vcs são os maiores críticos que sempre existiram.
ExcluirMas parte (maioria ainda defende Maduro?) da Esquerda demorou muito, não? Você mesmo disse "são de quando a crise começou a ficar mais aguda". Então já havia crise. Então já havia indícios da escalada do totalitarismo venezuelano. Nenhuma ideologia deve nos cegar...
ExcluirFahya, não sei dizer se a maioria da esquerda defende Maduro, mas é verdade que uma parte dela, sim.
ExcluirE depende do quanto é demorar porque, por exemplo, na Venezuela a dissidência à esquerda é bem anterior ao processo que tornou a crise mais visível ao exterior - o sociólogo cujas entrevistas linkei rompeu há muito tempo com o chavismo.
Acho que fora da Venezuela a tomada de posição sobre o regime depende da quantidade e da qualidade de informações que chegam, e elas via de regra são poucas (não se trata de um país relevante do ponto de vista da cobertura midiática internacional) e quase sempre enviesadas.
Eu consegui ler coisas relevantes e inteligentes sobre a crise no país na imprensa latina de língua espanhola, e parte desse material (como as entrevistas com o Lando) nunca mereceram atenção das mídias mais tradicionais aqui no Brasil.
Então, pessoalmente, acho que não se trata apenas de ser "cegado por uma ideologia" (embora exista quem faça do regime de Maduro uma defesa puramente "ideológica"), mas de ter acesso a um volume de informações minimante confiáveis antes de tomar alguma posição, ao invés de ficar reproduzindo anonimamente o pior do senso comum.
12:41, não sei a qual vocês seu comentário se refere. Mas o meu artigo, publicado primeiro no meu perfil pessoal do Facebook e depois reproduzido pelo blog "Amenidades", é de 01 de agosto de 2017.
ExcluirSei que você não é muito bom de leitura e interpretação de texto. Mas aqui se trata de matemática simples: de agosto de 2017 a maio de 2018 são nove meses, bem mais que 90 dias.
Abraços.
A esquerda precisa esperar morrer gente (bastante gente) pra começar a pensar em criticar essa ideologia cretina, que incha o estado pra roubalheira e boquinhas serem máximas. É tanto amor pelos pobres que a pobreza só aumenta. Xô esquerda inútil.
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