quinta-feira, 19 de abril de 2018
O joinvilense
POR FAHYA KURY CASSINS
O joinvilense é um tipo que habita os manguezais do entorno do rio Cachoeira. Ser característico da região, dubiamente faz loas ao germanismo numa cidade colonizada. Você pode facilmente encontrar o joinvilense, nos horários mais movimentados do trânsito, parado calmamente num cruzamento, trancando-o, e se você reclamar ouvirá “quando eu passei o sinaleiro estava aberto”. E ali ele permanecerá, mais adiante reclamando do engarrafamento. Não pergunte ao joinvilense o que são aquelas faixas amarelas pintadas entre ruas movimentadas, ele não saberá responder. Aliás, o joinvilense é este ser incrível que sabe intuitivamente onde e quais faixas e sinalizações existem nas ruas da cidade, porque elas deixam de existir em pouco tempo depois de pintadas, mas ele memorizou-as, portanto elas não fazem falta.
O joinvilense é dos seres mais acostumados com as enchentes. Desde pequenos aprendem a meter o pé na água da chuva. A chuva, inclusive, é parte inerente do joinvilense. Ele nem sabe se a ama ou odeia. O terminal alaga, o centro alaga, a rua de casa alaga, o bairrão alaga, tudo alaga. É esperado. Mas aí ele vê os estragos e no dia seguinte reclama. “Porque essa cidade sempre alaga, como é que pode isso” e tals. Olhe bem, repare mesmo, nos jardins desses reclamões. Repare no piso pelo quintal todo, repare na lona de plástico (esta é infalível!) debaixo da brita no jardim. É cimento e mais cimento, muita brita, tudo para evitar o mato, é claro. E o reclamão que chegou de madrugada em casa porque, “que merda essa prefeitura que não faz nada, o terminal do centro estava cheio d’água, atrasou tudo”, contempla feliz seu mísero canteiro de meio metro quadrado – o resto devidamente livre do mato.
Este ser que é tão inteligente e impermeabiliza o solo feito doido reclama, também, da falta de atrações da cidade. Não há lazer. E ainda quando inventaram de fazer falaram em “parque” e uma enorme praça cimentada (é claro) surgiu. E as praças arborizadas da cidade foram “revitalizadas” e muita árvore velha (é claro) foi cortada e hoje minguam arbustos. Além, é claro das praças abandonadas. O joinvilense é uma imitação daquela gente de cidade grande que vive nos shoppings – só que na cidade não há shoppings de verdade. O joinvilense não planta uma arvorezinha no seu terreno, mas se tivesse um parque (sem aspas) na cidade, certeza que iria até lá (de carro, é claro) toda semana aproveitar o ar puro.
O joinvilense também reclama que estão acabando com o que havia de belo na cidade, que destroem a sua história, sua memória. Mas o sonho do joinvilense médio é comprar um baita apartamento na região central da cidade, aqueles ali supervalorizados e construídos onde poderíamos ter a nossa “cidade histórica” com belas construções e museus e tals. É ele que visita Londres e Nova York e acha lindo os bairros artísticos que transformaram suas fábricas em galerias de arte e escritórios, mas quer sua salinha no edifício mais famosinho da cidade, com vista para a Serra do Mar, de preferência.
Como nem todos podem realizar seus sonhos, o que resta para o joinvilense comum é comprar um geminado (que fizeram sucesso no século passado em tantas cidades grandes, do país e mundo afora). E ele vive naquele sufoco de acordar com a cara na parede, a assistir ao jogo com o nariz na tela da TV. Desse sufoco ele escapa encontrando o pessoal da firma nas recreativas aos finais de semana, ou naquela rua que chamam de via gastronômica porque tem uma dúzia de restaurante. Ou, ainda, é claro, vai comer um pastel no pé da serra. Aliás, você comprovadamente é joinvilense se tem no seu círculo limitado de relacionamento alguém que já trabalhou, que trabalha ou trabalhará na Whirpool. Esta é infalível.
O joinvilense é de dar pena. São sonhos e mais sonhos afogados à beira do Cachoeira. É a jovem que veio de uma cidadezinha pra fazer faculdade, mas não conseguiu mais pagar o curso e vai trabalhar numa empresa qualquer. É o empresário que tenta inovar e seu negócio morre às moscas porque o joinvilense, vocês sabem, torce o nariz pro diferente. É o cara que tem qualificações, mas perde vagas porque não tem os contatos certos nas instituições mais conhecidas da cidade.
Dá muita pena mesmo. Porque para muito joinvilense talvez só lhe falte um espelho onde ele pudesse ver as próprias ações e a sua cidade como ela é, de verdade. Enquanto isso, ele ficará parado no cruzamento, com cara de bunda, porque, afinal, era seu direito passar no sinal verde.
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Parabéns...
ResponderExcluirEntretanto entendo que suas críticas cabem também para outros tipos, tanto em SC, Brasil e, pq não, no mundo todo.
Saudações
Perfeito.
ResponderExcluirPuxa Fahya, e agora? Tenho dois membros da familia que trabalham na Whirpool. E eu mesmo já trabalhei lá quando era Consul...
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