quinta-feira, 22 de março de 2018
Proposta para o novo símbolo da cidade
POR FAHYA KURY CASSINS
Era um dia chuvoso desses que por aqui abundam, diante de uma longa fila de carros que não logravam andar, um sinaleiro que abria e fechava. Diante de, pelo menos, três grandes monumentos da cidade: a prefeitura do governador megalomaníaco, o clube de tênis e a barca, supostamente onde tudo começou. Mas nenhum desses, todos meio datados e apagados pelo cinza do céu, atraiu minha atenção.
Eu olhava para o prédio verde. O tal prédio que diziam que ia cair – e não caiu. De qualquer ângulo ele apresenta-se ruminando seu passado. O verde, por exemplo, pouco sobreviveu nas paredes que ainda resistem. E o tal prédio pareceu-me o símbolo mais verdadeiro e honesto da nossa cidade.
Ele foi construído sobre o rio. Nada define melhor a empáfia e o descaso com que o maior bem cultural e natural da cidade é tratado. Muito me admira que ainda não tenha aparecido ninguém com a proposta de canalizá-lo e, sei lá, colocar sobre ele um enorme canteiro de flores (artificiais, é claro). Daria um colorido à cidade, não? Por aqui construímos prédios sobre rios. É um indício dos nossos valores.
Ele foi bem cuidado por um tempo, é verdade. Mantinham-no limpo e pintado. Como a cidade. Para muitos é difícil acreditar que esta cidade já teve ruas limpas, sinalização em dia, faixas de pedestres, canteiros arrumados e árvores podadas, prédios históricos preservados, etc.. Tudo, assim, digno e aprazível. Não sabemos bem quando o abandono chegou. Foi aos poucos, as ruas com mato crescendo, os buracos aparecendo, as escolas ruindo, os museus abandonados, os rios cada vez mais sujos, os postes apagados, a nossa vergonha e indignação diante do povo que manda, nada mais crescia e uma nuvem cinzenta (metafórica) encobriu bairro a bairro.
E por um tempo a feiura que apoderou-se dele nos fez ignorá-lo. Passávamos e fazíamos de conta que ele não exista – a decadência nunca é um espetáculo que rende público. Justamente, o mesmo se deu com a cidade. Fomos ignorando um problema aqui, um PA fechado ali, a falta de remédio acolá, os assassinatos crescendo, os estupros aumentando, as drogas nas saídas das grandes festas e nos bairros da periferia, as árvores sendo cortadas, as calçadas intransitáveis, os alagamentos mais frequentes, os órgãos cada vez mais omissos, a imprensa lavando as mãos, etc.. Nós não queríamos ver. Era difícil ver, mais ainda aceitar. Era a cidade que nos abandonava, sofremos ao vê-la em franca decadência – e não fizemos muito, é verdade.
Agora é tarde demais. A cidade assemelha-se ao prédio verde: a pintura não esconde mais seu presente atroz, grande parte do reboco ruiu deixando antever seus velhos tijolos que parecem lamentar o esforço enorme de mantê-lo de pé, suas janelas embaçam a visão. Foi dada sentença de morte, revertida com algum paliativo (não sou nada engenheira, mas desconfio que ouviremos falar dele em breve) que o faz sobreviver por aparelhos. Respiram com dificuldade, qualquer um que os observe por alguns minutos perceberá.
Ao contemplá-lo vemos a cidade refletida: não dá prazer nenhum, é uma visão melancólica de tudo que já foi e poderia ser e que, hoje, não é. Erigimos um prédio sobre o rio, eis nossa imoralidade. Eis nosso símbolo de verdade, que supera qualquer casa de fundador, monumentos, hinos, flores e elegias sem fim. O tal prédio verde é nosso retrato fiel. É a cidade que periga desmoronar e de tão decadente não queremos mais nem olhá-la.
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Pois é, Hamburgo, Veneza, Amsterdã... todas ergueram prédios sobre os rios, e veja só como cinzentas e melancólicas são essas cidades.
ResponderExcluir(Tente enxergar Joinville no contexto nacional. A cidade não é - e nunca foi - um principado)