quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Que Brasil você quer para qual futuro?


POR FAHYA KURY CASSINS
Nas últimas semanas uma emissora de TV e suas afiliadas tiveram a iniciativa de pedir ao público que grave vídeos para enviar para eles. Em pouco tempo ninguém mais aguenta ver as repetidas vezes em que um repórter aparece mostrando como fazer um vídeo com o celular (deitado, não esqueçam), com um ponto turístico da sua cidade ao fundo e respondendo à pergunta que eles solicitaram.

Além da chatice pela repetição, duas coisas me chamaram a atenção. A primeira, claro, a questão que eles querem que o público respondam (em quinze segundoS): Que Brasil você quer para o futuro? De saída me ocorreu: o eterno país do futuro. Quando eu era criança, na escola, diziam que “o Brasil é o país do futuro”. E nem era para depositar nas nossas costas alguma responsabilidade quanto a isso, era só uma promessa mesmo: no futuro seríamos alguma coisa. O tempo passou e em mais estudos eu vi que isso não foi só naquela época. O Brasil sempre foi o país do futuro.

O ideal desenvolvimentista de décadas antes prometia um país para o futuro. Essa promessa vazia, que inclui todos os desejos e anseios do ouvinte, pode significar qualquer coisa. Pode ser que nos prometa um país rico, com bons transportes públicos, saneamento básico em dia, educação de qualidade para todos, violência controlada, índices de poluição baixos, uma população saudável e um país para onde todas as pessoas e investimentos quererão ir. Eu, criança, já vivia o país daquele ideal desenvolvimentista – e o futuro ainda não havia chegado.

A promessa de um país no futuro, também, tira toda a responsabilidade dos nossos ombros. Nos dizem desde criança que seremos um país, no futuro. Não nos cobram afinco e dedicação com algo como “só se você fizer” para que o tal futuro aconteça. A fórmula parece mágica, quando alguma varinha sacudir-se, seremos um país – no tal do futuro. E as crianças crescem lendo livros de um feiticeiro e acreditam. Quem sabe seremos o país daquele menino, fantástico, atraente. No futuro, quem sabe. As crianças crescem sabendo que o futuro as aguarda, brilhante e maravilhoso – e ficam babando à espera, quando adultos.

Além desta promessa vazia incômoda, me perguntei qual a razão desta campanha – enorme, pois querem vídeos de todas as cidades. Qual o interesse de uma emissora de TV em saber os anseios dos brasileiros para o futuro? Ainda mais se pensarmos em eleição para presidente à vista… suspeito, muito suspeito. Quem se utilizará deste grande banco de dados? Para quem estaremos abrindo nossos coraçõezinhos em quinze segundos?

Se fosse inteligente, a campanha não perguntaria pelo futuro. O correto, a meu ver, é perguntar que país queremos hoje. Quero coleta seletiva em todas as cidades, como tenho no meu bairro – e que as pessoas separem o lixo. Quero campanhas preventivas de doenças sexualmente transmissíveis e de gravidez na adolescência – até estarmos saturados delas na TV, no rádio, nas revistas e sites. Quero que as prefeituras parem tudo o que estão fazendo e façam a ligação de esgoto como deve ser feita, na cidade toda. Quero que as pessoas tenham consciência dos seus atos e não dirijam usando o celular (um quase me atropelou hoje) ou embriagadas. Quero a máquina pública – a contragosto de tantos – enxuta, assim teríamos menos impostos e um poder aquisitivo maior. Quero que invistam em trens e não em mais e mais rodovias que em pouco tempo ficam saturadas. Quero que diminuam a carga horária de trabalho dos pais para que eles possam ficar mais tempo com seus filhos – e não mais e mais escolas em tempo integral. Quero o hoje, não as promessas.

Esta lista eu sei que é longa – a minha e de todos vocês. E nela temos inúmeras responsabilidades. Cada bituca de cigarro que jogamos pela janela mostra o nosso compromisso com o futuro. Cada casa construída em área irregular diz que país queremos amanhã. Cada lei burlada perpetua nosso caráter – que dirá, amanhã, quem somos. Contudo, chega desse papo de “país do futuro” em pleno 2018. Aquele futuro já passou e ficamos para trás. Agora é considerar as chances de fazer o futuro na próxima hora, na próxima manhã.

Um comentário:

  1. "Além desta promessa vazia incômoda, me perguntei qual a razão desta campanha – enorme, pois querem vídeos de todas as cidades. Qual o interesse de uma emissora de TV em saber os anseios dos brasileiros para o futuro?"

    O nome disso se chama "pauta", mas vou usar o termo: enchição de linguiça.

    Uma forma de você ter um assunto específico durante muito tempo no ar. Lembra do JN no Ar????? A mesmíssima idéia, só que ao invés de você gastar um trilhão de dinheiro botando uma equipe num avião e hotel pelo país inteiro, eles agora estão pedindo os vídeos "de graça", só editar e exibir.

    Posso ainda citar uma coisa chamada livre-arbitrio, grava e envia quem quer!

    Por ex: eu acho uma imbecilidade selfie de biquinho, mas se a pessoa sente-se bem em fazer papel de palhaço, o que posso fazer???

    Temos problemas maiores nesse país de corruptos para nos preocupar. Os STJs da vida que o digam!

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