quinta-feira, 11 de janeiro de 2018
Desde 1500 matamos Marcondes Namblá - eis a questão
POR FAHYA KURY CASSINS
Em dezembro, parada num sinaleiro em Joinville, eu comentei: “Se esses cestos estivessem sendo vendidos na Tok & Stok, todo mundo compraria.” em alusão aos indígenas que os ofereciam – e, diante da recusa, pediam alguma moeda. Alusão, também, à loja Tok & Stok, famosa rede que tem em vários lugares do Brasil, como Balneário Camboriú e Florianópolis – em Joinville é claro que não. A loja é conhecida por vender com “etiqueta” artesanato sustentável de algumas regiões do país.
Foi pensando nisso que me deparei com a notícia do assassinato frio e brutal do Marcondes Namblá, no primeiro dia do ano. Fomos saber dias depois, com a morte dele no hospital em Itajaí. Marcondes foi assassinado a pauladas no crânio quando voltava da festa de Ano Novo na praia, em Penha. Uma notícia que manchou a virada do ano no Estado que há décadas não via tanto movimento nas praias.
Minha primeira suspeita foi que abafaram o caso, pois ninguém gostaria de divulgar um crime desta natureza onde famílias inteiras passavam o final de ano. Quem esperaria algo assim numa praia pacata e linda como a Penha? A imprensa demorou a divulgar o fato, os bombeiros não repassaram informação, e só com a morte de Marcondes ficamos sabendo – e vendo, pois o crime foi todo gravado pela câmera de segurança de uma loja.
O discurso titubeou: nenhuma palavra do governo e a maioria dos meios não queria arriscar que foi crime de ódio. O Notícias do Dia afirmou que era. O Diário Catarinense numa determinada reportagem afirmou que não era crime de ódio, pois testemunhas disseram que foi porque ele falou do cachorro do assassino. A história ficou muito mal contada – e demorou demais a ser investigada. Foi então que o próprio DC levantou a questão do policiamento, porque as três cidades litorâneas da região (Penha, Piçarras e Barra Velha) ficaram sem atendimento policial, com apenas a delegacia de Piçarras com dois plantonistas e o delegado de sobreaviso (seria chamado em caso de necessidade). O que, obviamente, é temerário quando se sabe que no litoral as populações dessas cidades aumentam absurdamente.
Ou seja, sendo crime de ódio ou não, expôs, mais uma vez, a ferida aberta que é a segurança do Estado. Comemoram-se as milhares de pessoas que vieram de outros Estados e de fora do país, somam-se a isso os próprios catarinenses que se deslocam para o litoral e não há nenhuma estrutura policial. Não há câmeras de segurança, não há policiais nas ruas, não há delegacias. Ouvimos falar no deslocamento de policiais para a Operação Verão, mas onde estão? Deixam desassistidas suas cidades e aqui também não são suficientes.
Este é um ponto relevante, porém, acima disso está o nosso total descaso com os indígenas. Naturalizamos a indiferença com que convivemos com eles nos sinaleiros das ruas. Marcondes veio à Penha vender picolé nas férias, imagino que não só pelo extra financeiro, mas também pelo prazer (que todos nós nos sentimos no direito) de aproveitar o Verão à beira-mar. Já conheci outros indígenas que vieram, alugavam casa em grupo e aproveitavam para vender seus produtos. Nós que nos damos ao luxo de vir só aproveitar a praia. Conheci paranaenses que vendiam barquilha na areia da praia – e a aproveitavam, é claro.
Na nota da organização católica foi denunciado o aumento da criminalidade e violência contra os indígenas no Estado. Verão passado um menino foi assassinado numa rodoviária na região sul. Além do nosso desprezo, que também é uma forma de violência, quantos mais são agredidos e vilipendiados? Nem todos os casos são divulgados – e por que não chocam tanto? Não vi comoção com o caso covarde e assustador do Marcondes. Por que ele era índio? Por que matamos índios desde 1500? Chegamos a este ponto?
Marcondes estudou na mesma Universidade Federal que eu – e milhares de catarinenses e brasileiros. Marcondes voltou a sua aldeia para trabalhar e lutar por ela – fez mais pelos seus do que a imensa maioria dos que estudaram e estudam em universidades federais. Marcondes estava no litoral para aproveitar o Verão – como eu e muitos de nós fazemos todos os anos. Marcondes trabalhava, estudava, tinha família e amigos – como todos nós.
O crime de ódio não é visto. Onde estava Marcondes poderia estar qualquer outro homem branco. Mas será que ele teria sido tão brutal e covardemente assassinado? Será que chocaria mais? No subconsciente de um preconceituoso reside o “desde 1500” - como reside o ranço da escravidão. E é isso que mata. E é isso que, ainda, preferimos ignorar.
* Lembrei, também, do Museu Zoroastro Artiaga, de Goiânia, onde há uma loja anexa que vende (com preço adequado) obras de várias tribos de todo Centro-oeste e Norte do país – lugar riquíssimo culturalmente, com produtos incríveis. Na cidade tem um Centro de Artesanato com a mesma finalidade. É uma forma de promover a cultura e produção dessas tribos, assim como criar uma forma independente de economia – sem a miséria e o descaso com que vemos mães com quatro filhos se escorando em vitrines para fugir do sol. Em Curitiba tiveram a mesma ideia – porém na tal loja o cesto de R$20 custa R$80. Lembro que por pouco tempo houve algo semelhante no shopping Cidade das Flores.
* Por insistência da comunidade indígena, finalmente o MP entrou na investigação. A foto do criminoso foi divulgada e ainda nada do crime ser resolvido. Mais um.
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“Ah, não! Não gosto de índio, não quero ver um na frente, então vou pegar um pedaço de pau e bater na cabeça dele. Pronto!”
ResponderExcluirNão, né gente?! Sei que é bonito e poético defender injustiçados. E se for contra “crimes de ódio” então, ganha-se um pontinho a mais no clubinho do politicamente correto, mas vamos ser honestos com nós mesmos: o que houve foi uma divergência entre um alguém e um psicopata que acabou em crime de assassinato.
Desde 1.500 matamos pessoas!!!
ResponderExcluirA população não deu bola pra morte do índio, porque ele como ser humano não é melhor do ninguém.
A vida dele vale o mesmo que uma criança, um jovem, um adulto ou idoso, seja ele negro, branco ou pardo!!!
A população está tão saturada de injustiça que nem se dá ao trabalho mais de indignar-se.
Índio em 1500 andava seminu, vivia em ocas e tirava o sustento da terra e natureza. Hoje gosta de dinheiro, ostenta celular, anda de caminhonete importada, cobra imposto nas rodovias e quando comete crimes quer ser tratado como Índio!!!
Resumindo: virou branco!!!!
Qual o crime q o Índio cometeu? Quem disse q foi só uma "divergência" entre um indio e um "psicopata"? Quem garante q é verdadeira a versão dele, q o índio teria "incomodado" seu Rotweiler, esse bichinho q não sabe se defender? Em tempo. A "civilização" européia que eu e vcs, anônimos sem noção, somos descendentes, roubaram as terras, mataram 99% da população indígena e como se não bastasse, criou o senso comum q o índio é preguiçoso. Daí não é de se estranhar o teor dos comentários querendo justificar o ódio que uma parcela da população tem em relação aos índios.
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