quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Os crimes chocantes do cotidiano


POR FAHYA KURY CASSINS
Os piores crimes são aqueles que já não nos chocam mais tanto quanto deveriam. Crimes chocantes, pela brutalidade, pela frieza, pelo ineditismo, etc.. Foi assim com os grandes ataques terroristas e agora temos um a cada quase uma semana, pouco importam os inocentes assassinados ou as razões dos perpetradores. A violência urbana nos assustava porque era coisa de cidade grande, não existia próximo a nós. Porém, a violência e os crimes não fazem distinção: estão por toda parte.

No entanto, os crimes que têm tido relevância pela mudança na forma de tratamento são os praticados contra a mulher. É recente, muito recente, infelizmente, as campanhas contra a violência que as mulheres sofrem diariamente. Vale sempre lembrar que a violência contra a mulher não faz distinção de idade – nem de peso, aparência, classe social, nada – e o agressor é pessoa próxima, conhecido ou familiar – como maridos, pais, tios. Como consequência, temos uma maior visibilidade deste tipo de crime, são noticiados com mais frequência, os agressores conseguem ser identificados e exige-se um melhor amparo às vítimas.

Mas, quando a agressão vem, friamente, daqueles que deveriam ser uma proteção para as vítimas? Sim, estou falando do caso da policial civil, em Itapema, que foi assassinada pelo seu companheiro, um policial militar. O caso em si deveria nos chocar a todos. A notícia saiu ao final de um dia, “policial militar saiu para caminhar pela manhã e desapareceu”. As notícias seguintes desvelaram o caso, no outro dia seu corpo foi encontrado enterrado numa praia de Balneário Camboriú e, em seguida, soubemos que fora o marido.

Além da frieza do assassinato e da ocultação de cadáver, foi o próprio marido, policial militar da reserva, que ligou pessoalmente aos meios de comunicação para pedir o registro do suposto desaparecimento. A um companheiro da polícia ele confessou o crime e mostrou um mapa onde enterrara o corpo. O que devemos combater com mais força, nestes casos, é a tentativa de explicação “matei porque ela era muito jovem e bonita e poderia me trair” e similares. Matou porque ela era mulher. Não matou “por amor”. Existe a tipificação de feminicídio, mas precisamos avançar muito no discurso – principalmente nos meios de comunicação e nas conversas informais.

Ele não te bate porque você usou uma saia curta, minha jovem, ele te bate porque você é mulher e ele quer mantê-la submissa, com medo e à mercê da sua violência e suposta superioridade. É este discurso que precisa ser alterado, nas famílias, na TV, em todo lugar. Pois de nada adianta as atrizes famosas fazerem campanhas contra o assédio, como vimos este ano, e aceitarem papéis de mocinhas que são pegas a força por mocinhos que lhes “roubam um beijo”.

Sim, eu sei. É lugar comum na ficção. Pois então a ficção também deve mudar seu discurso. Em uma semana de novela das 21h da Globo foi fácil presenciar um delegado pegar a força uma juíza, seu amor de adolescente, e beijá-la. Em seguida um mineiro seguir, ver nua tomando banho de cachoeira, e beijar também a força uma jovem (parece menor de idade). E o protagonista, legítimo agressor de mulheres, engatar um relacionamento com uma moça que “gosta de bater e apanhar”. Se legitimamos que o amor nos pega à força, como lutar contra isso dentro de casa?

É válido lembrar que a polícia tem se excedido em Santa Catarina. Houve pelo menos dois casos de morte de jovens, em visível surto nervoso, em situação de conflito familiar – e desarmados. Teve o policial que matou o surfista. Agora o caso desta jovem, que nunca denunciou o próprio marido por agressão – querem indício mais claro de que a nossa sociedade não protege quem deveria? Ela sabia.

Um comentário:

  1. Primeiro sou contra a violência contra a mulher. Só pra me situar nessa conversa.
    Segundo há uma crença moderna que existe a possibilidade de afetos corretos. Uma ideia Russoniana que nossa natureza é boa a sociedade corrompe. Por isso a crença que mudando a cultura estaremos livres de ciúme, do orgulho, da violência, etc...
    Mas qualquer um com uma pitada de conhecimento de sí mesmo sabe que não somos senhores de nossos desejos. Nelson Rodrigues sabia que a vida real de nossos desejos, estava nas páginas policiais. E a sublimação dessa vida leva há uma psicopatologia. Sem falar que o puritanismo em nome dessa crença exclui obras como Otelo à Dom Casmurro. E a pergunta quem sofreu mais Capitu ou Desdêmona?
    Terceiro como livrar do amor a experiência da submissão? Da servidão.
    Quarto nada mais brochante que pedir um beijo, pois ali a mulher esta desmistificada, reduzida, descomplicada e o que dizer da agonia sublime descrita nessa música: “Aquele beijo era mesmo o fim
    Era o começo
    E o meu desejo se perdeu de mim”

    Além do mais, voltando a primitividade , tenho uma crença boba que os neandertais não levavam suas mulheres pelos cabelos, como aprendemos. Mas tinham por ela uma devoção, pelo mistério que elas carregavam da vida. Mas como hoje já não há mais mistério. Acreditamos que podemos domar a vida(desejos),ledo engano.

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