quinta-feira, 12 de outubro de 2017

O caminho de pedras do litoral catarinense (parte 1)


POR FAHYA KURY CASSINS
Santa Catarina é conhecido mundo afora pelo turismo. Os catarinenses também movimentam o Estado com viagens internas. Muito disso se deve ao seu litoral, atraindo pelas belezas, variedades e hospitalidade. Por acompanhar e conhecer este apreço do catarinense e de tantos turistas pelo nosso litoral, assim como ser mais uma das que usufruem dele, que a situação atual me preocupa tanto.

Parece óbvio, pois o litoral é uma questão geográfica, exposto às condições da natureza. O problema é ver as praias “de fora” imaginando-as estáticas e sujeitas somente à nossa vontade – de ter barraca de caipirinha, espaço na areia e água do mar do jeito que eu quero. Quem ama, de fato, praia percebe que a grandiosidade da sua beleza está no movimento.

Por isso, as ressacas que atingiram o litoral catarinense nos últimos meses não deveriam causar espanto – até porque elas têm sido frequentes nos últimos anos. Deveriam, por outro lado, servir para despertar prefeitos, governador e secretários da necessidade de estudos e planejamentos abalizados por profissionais de qualidade para quais ações a curto, médio e longo prazo devem ser tomadas para preservar nosso litoral. Não é, nem de longe, o que se vê.

Rapidamente tudo se transforma num afogamento em ignorância. Não é nem “a natureza que vem tomar o que é dela”, nem o “direito irrestrito de manter meu patrimônio custe o que custar” (para a natureza). O mar é visto como um vilão a ameaçar casas e ruas. Ele é um tio malvado. E devemos, de imediato, contê-lo. Eis, infelizmente, a mentalidade predominante em Santa Catarina. A julgar pelas últimas atitudes dos setores responsáveis, em breve realmente não teremos mais praia alguma – e não será por culpa do mar, mas sim dos enormes pedregulhos que têm sido jogados indiscriminadamente na nossa faixa litorânea, sob o nome de “enrocamento”. Se isto não é um crime, então pouca coisa deve sê-lo.

Invadir áreas de restinga, construir irregularmente, construir molhes, barrar o acesso natural entre água do mar e de rios, retirada de áreas próximas a manguezais e rios, assorear rios, e muitas outras ações humanas são diretamente responsáveis pelas perdas irreparáveis que o nosso litoral tem sofrido. Atualmente as praias de Barra Velha e da Capital são as vítimas da pressa e da falta de cuidado com o que deve ser feito diante de mais uma série de ressacas. As praias de São Francisco do Sul foram as mais recentemente atingidas. Já imaginaram a Prainha “enrocada”? A única ação é jogar caminhões de pedras, para “preservar” casas, estradas, postes e tubulações. O mar, vejam só, estava lá muito antes de tudo isso…

Onde está a população a indignar-se que estão a nos tirar as belas faixas de areia? Onde está o Ministério Público que não investiga o que está sendo feito, embarga ações ainda mais danosas e propõe alterações, como a retirada, em definitivo, das casas em áreas de avanço do mar? Onde estão os profissionais como geólogos e ambientalistas a defender ações efetivas? Onde está a imprensa que se restringe a dizer o que ocorre? Ou realmente ninguém, nem mesmo quem hoje aproveitou o feriadão para curtir uma praia, se importa?
Seguem fotos para ilustrar. Porque se é difícil entender, a gente desenha. E para quem está de folga no nosso belíssimo litoral, olhe um pouco em volta. Certeza que encontrará mais exemplos. Será que poderemos aproveitar no feriadão do ano que vem?

A estrada entre a lagoa e o mar, em Barra Velha, deixou de existir.

A Praia do Tabuleiro, região central de Barra Velha, em "obras emergenciais".

O trabalho sujo feito a toque de caixa para "conter" o mar e "preservar" os imóveis na praia de Itajuba.

Onde está a praia?

Depois do serviço feito.



Links:

Ressaca em Barra Velha
Ressaca em Barra Velha G1
Jornal do Comércio
Ressaca em Florianópolis
São Francisco do Sul

4 comentários:

  1. Se o povo de SC tivesse noções básicas de geolgia nada disso aconteceria. As rochas jogadas nas praias apenas irão piorar a situação. Toda a região das dunas frontais (coberta de vegetação logo antes da praia) deveria ser desocupada.

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    1. Exatamente. Mas precisa do posicionamento firme de muita gente para impedir as atitudes desastrosas.

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  2. Olá Fahya, excelente artigo. Não esperava um artigo seu sobre esse delicado assunto. O que tenho visto e que nosso estado está destruindo as praias e do jeito que é feito o planejamento urbano das cidades catarinenses, logo esse ecossistema deixará de existir como conhecemos. Você citou a falta de técnicos qualificados para o planejamento urbano e infelizmente essa é a realidade. As ações que estão sendo tomadas neste momento apontam apenas para soluções equivocadas e a curto prazo. Ações como esta deveriam ser tomadas a partir de um bom planejamento, muito conhecimento técnico em geologia, oceanografia, climatologia, engenharia e biologia. Estão jogando rochas em tudo quanto é pedaço de praia, destruindo restinga, interferindo nos cursos d'água e construindo moles por tudo quanto é lugar sem saber as consequências destas ações e a interferência que podem provocar na dinâmica marinha ao longo da orla. Tão logo teremos o resultado.

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    1. Olá, Elton. Que bom surpreendê-lo. Deixei para responder depois do segundo artigo porque as questões são bem essas que você apresentou, não se pensa no futuro nem temos um grupo de pessoas qualificadas a pensar o que fazer. Prefeito não é pessoa gabaritada para tomar essas decisões, donos de imóveis sobre as dunas muito menos. O que me deixa pasma é o silêncio sobre o assunto. Obrigada pela leitura e pelo comentário.

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