quinta-feira, 20 de abril de 2017
Porque em Joinville só se trabalha
POR FAHYA KURY CASSINS
Ao contrário do que o espaço dos comentários, que é tomado pelos anônimos, em muitos momentos nos leva a crer, há pessoas com vontade de debater a cidade. Não combatem os colunistas, nem seus posicionamentos (políticos, talvez), nem seu gênero, mas debatem nossas ideias. Recebi o comentário de uma leitora que merece resposta. A questão cultural, pra mim, é de suma importância – não digo na cidade, apenas, mas na vida. A cultura é imprescindível para a formação do ser humano (nem sou eu que digo).
Por certo que considero-a essencial em Joinville. Na vida dos joinvilenses. E quando discutimos a enérgica repressão ao Carnaval, estávamos alertando para isso, para o cerceamento da arte, cultura e lazer. Vejam que não importa se eu “pulo carnaval” na rua ou não, se eu prefiro um concerto na Lira ou um rock pesado no Bovary – de fato, não é o gosto o que se leva em consideração. O que quero discutir é que tenhamos opções culturais e artísticas na cidade, que ela seja valorizada como deve, que seja instrumento de educação e meio de vida, tanto para produtores e artistas, quanto para o público – e aí inclui-se discutir o acesso de todos a ela.
A leitora relatava que na inauguração de uma exposição, poucas pessoas, e sempre as mesmas, estavam presentes. E questionava: cadê o povo que diz que aqui não há arte e cultura? Também me relatou o trabalho na periferia da cidade, onde pais nunca foram ao shopping, muito menos ao cinema, nunca compraram uma revista, pois mal sabem ler. E a triste realidade é que os filhos seguem pelo mesmo caminho. É uma grande parcela da população que recebe menos do que podemos imaginar, vivem ao redor da cidade, dependem dos meios de transporte, saúde e educação públicos, não veem nenhuma perspectiva além do trabalho (aquele que critiquei anteriormente), nem para si nem para seus filhos.
Difícil ver a cidade propagar o efeito danoso do início da revolução industrial com suas proles sendo preparadas para alimentar o chão fabril. Difícil pensar em opções que alterem este processo vicioso de exclusão – que é histórica. A cidade sequer conta com um polo universitário à altura do seu tão alardeado tamanho. Na propaganda municipal diz-se que temos uma excelente educação básica (para alunos que raramente passarão deste nível). Não se formam novos profissionais, não se expandem os serviços e tipos de indústrias da cidade.
Faço um mea-culpa. Como viver em Joinville quando o que há é só o trabalho? Quando poucos podem ir ao cinema (há apenas dois, diga-se de passagem), que é caro; poucos podem frequentar festas e shows, caros; poucos podem ter acesso a aulas de música, dança, teatro, as quais até são mais acessíveis, mas não têm tantas vagas e falta estrutura: trabalha-se todos os dias e não há nem um parque de verdade para caminhar aos domingos.
Joinville é uma cidade, dentre outras coisas, pobre. Pobre intelectualmente e culturalmente. Porque não são proporcionados meios para que as mentes floresçam, tal qual as flores da nossa famosa festa. E há a elite que faz a sua vida fora daqui, onde estuda, passeia, faz compras. A mesma elite que sufoca, do alto dos seus apartamentos com vista para os morros das serras que nos rodeiam, a maioria abandonada da população. São esses que acham que a cidade não precisa de nada, que é a melhor e a maior.
(este texto é só o começo da discussão...)
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Parabéns pelo excelente texto. Desde o ocorrido assassinato do jovem comerciante na Zona Leste da cidade, nessa semana, tenho refletido nesses mesmo termos expostos aqui, mas com a diferença de que o presente texto está muito melhor articulado.
ResponderExcluirQuando você Fahya diz que "Joinville é uma cidade, dentre outras coisas, pobre. Pobre intelectualmente e culturalmente.", afirmo que essa triste situação é um reflexo de um espelho. E esse espelho está situado no Gabinete da Prefeitura. Um prefeito rico em posses, mas pobre em inteligência acadêmica e cultural/artística. Psicologicamente falando, tem talvez no acúmulo de poder pelo poder simplesmente uma forma distorcida de revolta por todas as repressões de desejos sofridas em vida. Não percebe que se trancando no gabinete e isolando os menos favorecidos, cria uma sociedade disfuncional, violenta e caótica. E essa violência cedo ou tarde retorna.
Por mais projetos culturais na perifeira! Esporte, artes, socializações! Por uma nova administração!
Excelente comentário! Obrigada mesmo pela contribuição e pela leitura. O ponto é este, é um reflexo, que já está cobrando um preço alto.
ExcluirO tamanho de Joinville não é alardeado. Ele é real, constatado.
ResponderExcluirEle é alardeado - ninguém disse, porém, que não seja real. Uma coisa é existir um dado, outra é ficar repetindo-o insistentemente. Há diferença. Obrigada pela leitura.
ExcluirMuito bom texto,reflete a realidade provinciana de Joinville.Sim, muita arte,cultura e esporte na periferia e ampliação dos cursos acadêmicos,contemplando cursos voltados a criatividade,filosofia,artes e por aí vai.
ResponderExcluirSerá muita utopia acreditar nisso? Obrigada pela leitura.
ExcluirCéus...não tô encontrando no meu manual pra debates com esquerdopatas, algo sobre essa tal de cultura. Ahhh, achei!! Vamos ver... Chola mais. Quem quer saber desse negócio de cultura? Isso é coisa de mamadores da lei ruanê. Nós, joinvilenses de bem sem bens, somos um povo ordeiro e trabalhador e não precisamos de cultura, diversão e arte...a gente quer só comida, afinal, comida é pasto. Vai pra Cuba que o sulémeupaís, mito18, kkkkkkkkkkkkkk..ééégua.
ResponderExcluirComo provavelmente diria o saudoso Tim Maia, "pobre de direita". Isso só nesse país.
ExcluirMas eu direi algo diferente pra ti: Esquerda? Direita? Vamos pra frente!
Já é sabido até pelas garças do cachoeira, que ditos apartidários são de direita. Vamos em frente, mas mantendo à esquerda.. pq é a pista reservada aos veículos que tem pressa.
ExcluirBem, a ideologia cega de tal forma que em resumo: para um esquerdista tudo que não é esquerda é direita. E vice-versa. Para um direitista tudo que não é direita é esquerda.
ExcluirRetratou bem.
ResponderExcluirObrigada, Milton. :)
ExcluirLendo esse texto fiquei com nostalgia do velho Marx que via no trabalho o sentido da existência, pois na sua teoria existia um romantismo frente ao hedonismo que corroía a modernidade e que se transfigurava na relação de trabalho.
ResponderExcluirComo disse a Melhor articulista Do CA em relação ao meio ambiente, chegamos ao ponto de não retorno. Não há mais sentido em trabalhar , o sentido da existência é o hedonismo que correu até o pensamento da esquerda.
Acho tão difícil alguém sentir nostalgia do Marx. Obrigada pela leitura (de sempre).
ExcluirPobre Joinville.
ResponderExcluirTanto se fala na elite, mas ninguém vê a "elite artistica" da cidade. Sempre os mesmos, sempre as mesmas coisas. Um circle jerk artístico sem fim. O povo mesmo não tem a menor condição de participar de nada, até pq os "espetáculos" são primários e descartáveis. Bons tempos de uma Orquestra Sinfônica de Berlim na praça.Isso é um espetáculo inesquecível, não essa mulambada que se diz artistas da cidade e que só se promove graças aos projetos d apoio a cultura.
A Fahya colocou muito bem, Joinville é uma cidade pobre intelectualmente e culturalmente. E tu pobre anônimo é o retrato mais fiel disto.
Excluir"Graças aos projetos de apoio a cultura" que, aliás, nunca saem. Esses artistas aí morreram de fome já.
ExcluirE, bem, nada mais colonizado do que uma Orquestra Sinfônica... de Berlim. Obrigada pela leitura.
Obrigada, Gilberto. :)
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