POR FAHYA KURY CASSINS
Você ama.
Aí você faz uma dócil solicitação para limparem os bueiros e rios do bairro. E nada é feito. Asfaltam a rua que leva para a tua casa – e levam três meses para pintar as faixas. Ah, falar em faixas… as escolas e colégios precisam de vereadores padrinhos ou fazem “força-tarefa” na ouvidoria para que, ao menos, as faixas de pedestres no entorno delas sejam pintadas. Por falar em pintar faixas: elas somem antes mesmo que você se dê conta.
Aí você leva tuas visitas pra passear no Mirante, principal ponto turístico da cidade. E acaba preso lá, na chuva, sem ônibus, com o pessoal encharcado e muito enfezado. Você resolve tocar um bumbo no jardim do museu no Carnaval e surgem policiais de tudo quanto é lado. Mas quebram a tua vidraça no domingo de madrugada e a polícia diz que é só fazer BO pela internet. O médico marca um retorno para você no hospital municipal e esquecem de avisar que no feriado do servidor público você não será atendido.
Aí você começa, depois de uns dois meses, a achar estranho que a obra que abriu toda a pista de ônibus de uma avenida continua lá, abandonada, esburacada, cheia de poças a cada chuva (e, reparem, você não reclama da chuva, afinal, né, ela está aí mesmo). Mas, fica quieto, porque você ama. Você vai até a prefeitura resolver um problema da vizinhança e, além de ninguém saber direito aonde você deve ir, depois de um bom tempo, sai de lá com a sensação de que não foi ouvido.
Aí você repara que modificaram de novo (e de novo, e de novo…) o trânsito em volta do Mercado. Você desconfia, mas bem de leve, que não querem mais que ninguém vá ao Mercado. Mas fica quieto, não quer arranjar encrenca. Quando se ama, não se discute. Você vai até o aeroporto e passa tanto aperto, dá tanta volta, que nem acredita mais que está na mesma cidade – cogita que teria sido mais fácil ter comprado as passagens pra mãe ir visitar a irmã com saída de outra cidade, afinal seria só subir a Serra, sem erro.
Aí você está preso ali, vendo o rio morto (tentaram te convencer que não na última eleição, mas todo amor tem limite), o cheiro horrível que vem da fábrica ao lado, uma avenida todinha vazia do outro lado… e dá vontade de comentar com a esposa. Mas, melhor não. Vai parecer que você está reclamando. Mas quando a gente não entende, sabe como é. Dizem, aliás, que é melhor não entender. E tanto tempo no sinaleiro, lembra que disseram eram econômicos? E aquele aumento que votaram depois? Você pega uma rua de paralelepípedo nas quebradas porque mudaram o sentido das ruas do bairro onde você passa pra ir pra casa (até os motoristas de ônibus trocaram o trajeto por conta na hora do rush – de tanta fila que surgiu onde não tinha).
Aí você chega em casa e prefere não pensar. Prefere uma cerveja, ver o sorriso do filhão, as notícias da Capital Federal, ou da República vizinha mesmo, dar uma espiada nas redes sociais. E se depara com algumas pessoas infelizes a falarem de tudo aquilo que você também vê: mas eles não a amam como você. Claro.
Porque esse amor vai morrendo aos poucos, substituído pelo mais indiferente desprezo.
Se fosse fácil não seria amor,e no dia que o mundo se tornar perfeito, o mundo de bem estar social, ou o mundo melhor chegar, não haverá espaço para o amor.
ResponderExcluirE Como Renato Russo em sua musica perfeição, depois de lamentações parecidas com as suas.
"Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha que o que vem é perfeição"
Só o amor é perfeito.
E cego, segundo dizem. Obrigada pela leitura.
ExcluirPor isso não amo..só vou ficando.
ResponderExcluirTem amor que é puro comodismo, Lemos. Obrigada pela leitura.
ExcluirCompreendo o desapontamento, mas pelo menos, o rio não está morto. Tem peixe, jacaré, lontra, capivara, tartaruga e muitas aves. Basta olhar.
ResponderExcluirAté concordo com alguns animais citados, conhecidos e reconhecidos pela sua resistência à ambientes inóspitos. Mas...Lontras??? Menos gente...menos.
ExcluirEle se referiu a lontra, mas na verdade são ariranhas que vivem no cachoeira! Não são o mesmo animal, porém, muito parecidos. Mas existem sim em nosso famoso rio!
ExcluirEu olho, sempre. Moro ao lado, não é só de passagem. Já vi um golfinho - morto.
ExcluirQue texto foda, um tapa na cara de quem mora aqui, muito bom
ResponderExcluirObrigada, Ivan. :)
ExcluirFahya hoje descreveu nossas mazelas e nossas omissões de forma doce e suave. Quem sabe essa mudança de tática faça as pessoas reconhecerem os erros mais facilmente. Belo texto Fahya. Em poucas palavras a essência do que é Joinville.
ResponderExcluirDuvido muito, Nelson. :) Obrigada pela leitura de sempre.
ExcluirO amor é incondicional, mas um dia pode acabar
ResponderExcluirÉ esse o receio...
ExcluirFahya Um textaço....Parabéns!
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