sexta-feira, 25 de novembro de 2016

No passado, explicações para a Joinville do presente













POR RAFAEL JOSÉ NOGUEIRA

Dando uma olhada rapidamente em um documento de 1965 sobre Joinville, intitulado Plano Urbanístico Básico acabo descobrindo que teve como sociólogo consultor Octávio Ianni. E mais que existe um capítulo chamado “A dinâmica Social de Joinville” , que analisa a sociedade joinvilense nesse momento. O capítulo é interessante mas, no entanto, um subtítulo chamado “Relações Sociais e Taxa de Crescimento Populacional” chamou a atenção, em especial o seguinte trecho:
“O que se nota é que Joinville ainda existe em função e para a sua elite, ou seja, os descendentes dos antigos povoadores. Assim, os inúmeros clubes só são frequentados pelos jovens pertencentes a classes de altas rendas, enquanto o restante da juventude, não tem na cidade um ambiente que permita sua plena evolução sócio-cultural. Caracteriza Joinville o fato de ser atualmente uma cidade sem pontos de encontro. É quase sem centro social. Assim, os jovens se encontram para namorar, na grande maioria, em suas próprias casas, tendo inclusive a praça perdido o caráter de centro de encontro como ocorre em cidades pequenas, através do tradicional 'footing'”. 


E continua o texto Plano Urbanístico Básico, na sua página 45:
“O que está ocorrendo em Joinville é típico de cidades em crescimento. Perdeu o caráter de pequena cidade sem ganhar as condições e o ambiente de grande centro. Está em uma encruzilhada que resultará, a curto prazo, em ausência de valores que pareçam válidos, situação esta típica de fase de grande desenvolvimento que Joinville está atravessando. É agora que se torna necessária uma séria atitude de reflexão por parte da elite da cidade. É preciso compreender que nos clubes não convive a maioria da população. Esta procurará formar seu próprio ambiente. É preciso orientar esse processo.” 


Passados mais de 50 anos desse documento, fico com a impressão que Joinville ainda existe para as elites, no caso os descendentes de imigrantes que se colocam como os fundadores oficiais além do seu progresso apoiados por sua disciplina para o trabalho e a ordem. É constatado no documento no período que os clubes eram frequentados apenas por jovens de famílias com alto poder aquisitivo. Sem falar que Joinville não dispunha de espaços de encontro para o lazer caracterizado como “quase sem centro social”.


Desde então, o lazer e a cultura tiveram melhoras consideráveis em Joinville, ainda que insuficientes. É preciso lembrar que a década de 60 é quando começam a chegar os primeiros migrantes. Depois nas décadas de 70 e 80 teríamos o boom da migração do Paraná e de cidades da região norte, gente atraída pela oferta de emprego e por uma vida melhor. Mas tiveram que aprender que a cidade não tinha sido feita para eles e sim para as elites. E mais: que o lazer não era um privilegio seu, mesmo contribuindo igualmente para a riqueza da cidade.


A situação atual não mudou muito. As opções para estes jovens podem ser resumidas em três grandes pontos: shopping, casas noturnas e restaurantes. Porém, sabemos que esses espaços são altamente elitizados e feitos para determinadas classes. Existem alguns poucos locais alternativos que, infelizmente, não recebem muito apoio. Um outro fato curioso que o documento traz é que os jovens de baixa renda usavam suas casas para namorar. 


Voltando à atualidade, o antropólogo Roberto da Matta mostra a vida social brasileira construída em dois eixos fundamentais: a casa e a rua. A casa nos lembra aquilo que é bom, decente e digno. Em oposição, a rua é sombria, uma selva de competição e desordem, aquilo que as elites mais evitam. Assim, a casa tem uma dupla função para as elites: legitimar o domicílio como espaço de moralidade e decência e impedir o acesso dos jovens a cidade formal para usufruir dos seus direitos de lazer e cultura. Nessa medida, a rua deveria ser um lugar de movimento, luta, lazer, ideias e debates. Mas isso representa um perigo para as elites e ameaçam o status quo. Para nós brasileiros a rua tem uma expectativa onde o mundo pode ser interpretado e lido.


Na parte final do trecho, a análise parte para a constatação de que Joinville estaria passando por um processo natural das cidades em crescimento. Isto é, crescia muito sem condições de garantir a cidadania sem distinção a sua população menos favorecida. De forma até ingênua o documento propõe por fim uma “reflexão por parte da elite da cidade” uma vez que era necessário entender que nos clubes não estavam inseridos toda a população, sobretudo, os jovens. Logo prevê o documento a mesma formaria seu próprio habitus. As elites de fato fizeram a reflexão e chegaram à conclusão que tudo deveria ficar como está. Quanto mais o acesso a cidade fosse negado, a chance de construir espaços seria diminuída. 


Sobre ao método usado, já conhecemos: transporte coletivo ruim somado ao sempre ausente projeto de mobilidade urbana, só para citar alguns exemplos. Já o habitus próprio que as classes baixas buscariam formar, previsto pelo documento, está a se estender cada vez mais nos bairros mais afastados e abandonados da cidade. O bairro seria a casa e o centro a rua, dito de outra forma. Estão se fechando nas suas casas-bairros, pois o centro é hostil. 


Devemos recordar que existe uma superposição entre cidadão e morador. O primeiro é, para o poder público, quem deve se beneficiar dos serviços públicos. Já o segundo é atingido por organizações do terceiro setor. Assim, o morador recebe serviços públicos “comunitários” dessas organizações em parceria com o Estado. Contudo, devem entender que é um favor e devem fazer por merecer. Obviamente esse pensamento iria encontrar terreno fértil em nossa cidade. Nesse emaranhado de pessoas e disputas vai-se construindo a Joinville do amanhã.

2 comentários:

  1. Maravilhoso texto. Parabéns.
    P.S.: É para mostrar ao chuva que exitem "sociólogos" e Sociólogos.

    ;)

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  2. Nos anos 60, as opções eram a Escola, e as piscinas dos clubes, para quem era sócio.Espaço público, acho que era só a Biblioteca.Ia me esquecendo, tinha os cinemas também.

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