POR RAFAEL JOSÉ NOGUEIRA
Dando uma olhada rapidamente em um documento de 1965 sobre Joinville, intitulado Plano Urbanístico Básico acabo descobrindo que teve como sociólogo consultor Octávio Ianni. E mais que existe um capítulo chamado “A dinâmica Social de Joinville” , que analisa a sociedade joinvilense nesse momento. O capítulo é interessante mas, no entanto, um subtítulo chamado “Relações Sociais e Taxa de Crescimento Populacional” chamou a atenção, em especial o seguinte trecho:
“O que se nota é que Joinville ainda existe em função e para a sua elite, ou seja, os descendentes dos antigos povoadores. Assim, os inúmeros clubes só são frequentados pelos jovens pertencentes a classes de altas rendas, enquanto o restante da juventude, não tem na cidade um ambiente que permita sua plena evolução sócio-cultural. Caracteriza Joinville o fato de ser atualmente uma cidade sem pontos de encontro. É quase sem centro social. Assim, os jovens se encontram para namorar, na grande maioria, em suas próprias casas, tendo inclusive a praça perdido o caráter de centro de encontro como ocorre em cidades pequenas, através do tradicional 'footing'”.
E continua o texto Plano Urbanístico Básico, na sua página 45:
“O que está ocorrendo em Joinville é típico de cidades em crescimento. Perdeu o caráter de pequena cidade sem ganhar as condições e o ambiente de grande centro. Está em uma encruzilhada que resultará, a curto prazo, em ausência de valores que pareçam válidos, situação esta típica de fase de grande desenvolvimento que Joinville está atravessando. É agora que se torna necessária uma séria atitude de reflexão por parte da elite da cidade. É preciso compreender que nos clubes não convive a maioria da população. Esta procurará formar seu próprio ambiente. É preciso orientar esse processo.”
Passados mais de 50 anos desse documento, fico com a impressão que Joinville ainda existe para as elites, no caso os descendentes de imigrantes que se colocam como os fundadores oficiais além do seu progresso apoiados por sua disciplina para o trabalho e a ordem. É constatado no documento no período que os clubes eram frequentados apenas por jovens de famílias com alto poder aquisitivo. Sem falar que Joinville não dispunha de espaços de encontro para o lazer caracterizado como “quase sem centro social”.
Desde então, o lazer e a cultura tiveram melhoras consideráveis em Joinville, ainda que insuficientes. É preciso lembrar que a década de 60 é quando começam a chegar os primeiros migrantes. Depois nas décadas de 70 e 80 teríamos o boom da migração do Paraná e de cidades da região norte, gente atraída pela oferta de emprego e por uma vida melhor. Mas tiveram que aprender que a cidade não tinha sido feita para eles e sim para as elites. E mais: que o lazer não era um privilegio seu, mesmo contribuindo igualmente para a riqueza da cidade.
A situação atual não mudou muito. As opções para estes jovens podem ser resumidas em três grandes pontos: shopping, casas noturnas e restaurantes. Porém, sabemos que esses espaços são altamente elitizados e feitos para determinadas classes. Existem alguns poucos locais alternativos que, infelizmente, não recebem muito apoio. Um outro fato curioso que o documento traz é que os jovens de baixa renda usavam suas casas para namorar.
Voltando à atualidade, o antropólogo Roberto da Matta mostra a vida social brasileira construída em dois eixos fundamentais: a casa e a rua. A casa nos lembra aquilo que é bom, decente e digno. Em oposição, a rua é sombria, uma selva de competição e desordem, aquilo que as elites mais evitam. Assim, a casa tem uma dupla função para as elites: legitimar o domicílio como espaço de moralidade e decência e impedir o acesso dos jovens a cidade formal para usufruir dos seus direitos de lazer e cultura. Nessa medida, a rua deveria ser um lugar de movimento, luta, lazer, ideias e debates. Mas isso representa um perigo para as elites e ameaçam o status quo. Para nós brasileiros a rua tem uma expectativa onde o mundo pode ser interpretado e lido.
Na parte final do trecho, a análise parte para a constatação de que Joinville estaria passando por um processo natural das cidades em crescimento. Isto é, crescia muito sem condições de garantir a cidadania sem distinção a sua população menos favorecida. De forma até ingênua o documento propõe por fim uma “reflexão por parte da elite da cidade” uma vez que era necessário entender que nos clubes não estavam inseridos toda a população, sobretudo, os jovens. Logo prevê o documento a mesma formaria seu próprio habitus. As elites de fato fizeram a reflexão e chegaram à conclusão que tudo deveria ficar como está. Quanto mais o acesso a cidade fosse negado, a chance de construir espaços seria diminuída.
Sobre ao método usado, já conhecemos: transporte coletivo ruim somado ao sempre ausente projeto de mobilidade urbana, só para citar alguns exemplos. Já o habitus próprio que as classes baixas buscariam formar, previsto pelo documento, está a se estender cada vez mais nos bairros mais afastados e abandonados da cidade. O bairro seria a casa e o centro a rua, dito de outra forma. Estão se fechando nas suas casas-bairros, pois o centro é hostil.
Devemos recordar que existe uma superposição entre cidadão e morador. O primeiro é, para o poder público, quem deve se beneficiar dos serviços públicos. Já o segundo é atingido por organizações do terceiro setor. Assim, o morador recebe serviços públicos “comunitários” dessas organizações em parceria com o Estado. Contudo, devem entender que é um favor e devem fazer por merecer. Obviamente esse pensamento iria encontrar terreno fértil em nossa cidade. Nesse emaranhado de pessoas e disputas vai-se construindo a Joinville do amanhã.
Maravilhoso texto. Parabéns.
ResponderExcluirP.S.: É para mostrar ao chuva que exitem "sociólogos" e Sociólogos.
;)
Nos anos 60, as opções eram a Escola, e as piscinas dos clubes, para quem era sócio.Espaço público, acho que era só a Biblioteca.Ia me esquecendo, tinha os cinemas também.
ResponderExcluir