domingo, 22 de maio de 2016

Uma irresponsável sucessão de erros

POR FAHYA KURY CASSINS

Dizem que em time que está ganhando não se mexe. Numa cidade tão fã de futebol e do seu time, o ditado não procede. Havia uma única avenida de pista dupla que ligava Norte e Sul – hoje há uma confusão gerada pela incompetência. Só incompetência? Não, some-se a isso umas doses de burrice e falta de autocrítica.

A avenida Dr. Paulo Medeiros, com continuação pela avenida Coronel Procópio Gomes, foi inutilizada pela brilhante ideia de, num trecho de 440m, instalar um corredor de ônibus com uma pífia ciclovia. A tentativa de justificar o grande feito foi que as linhas de ônibus que percorriam a rua Itajaí e Abdon Batista, notoriamente lentas no fim de tarde, poderiam diminuir o tempo do trajeto (somente nesse horário, pois no geral as ruas são bastante tranquilas) até bairros como o Boa Vista.

Vejam bem, tudo começou com a obra do rio Mathias, mais que necessária. Passamos meses com trechos da avenida Dr. Paulo Medeiros fechados para obras. O que, aliás, prejudicou em muito a vazão de todo o trânsito. Porém, alguém viu ali uma grande ideia: fechar de vez aquela avenida. E foi o que aconteceu. Talvez, eu diria, inspirado pelo sonho (aventado há anos) de transformar a avenida Procópio Gomes em sentido único (só bairro) e a rua Urussanga em sentido bairro-centro. A tal obra seria dispendiosa, requer desapropriações, muito investimento e discussão: a julgar pelas obras da Santos Dumont, sabemos que jamais chegará a sair do papel.

E então, num belo dia, vimos as placas, as faixas sendo pintadas. Nada foi dito, sequer discutido com o entorno, com moradores, comerciantes. Aliás, o erro grosseiro foi colocar um corredor de ônibus do trecho da Prefeitura até o Mercado. Depois disso, tantos problemas surgiram que vemos diariamente uma sucessão de tentativas de criar soluções decorrentes deste primeiro erro inconsequente. Não imagino nada mais medíocre do que se debater entre soluções decorrentes de erros que não são, em nenhum momento, reconhecidos.

Entendo que os tantos passageiros que usam as linhas favorecidas pela mudança estejam contentes. Mas, afinal, quantas são essas pessoas? Justificam todo o imbróglio? Até hoje não vi razão, por exemplo, para proibirem o retorno na esquina do Freddy Pneus (no meu caso, acesso direto para casa, usado há décadas!). E como ficou a entrada e saída do Mercado? Uma confusão dentro do estacionamento, além da inexplicável proibição de dobrar à esquerda para quem vem da Abdon Batista. Aí, para remendar erros, foram feitas duas pistas, na Procópio, para quem vem do bairro: tiraram calçadas (ou seja, estão sacrificando até o espaço do pedestre!) e estacionamento. Sem falar na pseudociclovia, sem tachões, nem nada, leva do nada a lugar nenhum – pois começa e termina em cruzamentos perigosos e praticamente inacessíveis. Para os moradores e comerciantes da região, assim como para os milhares de pedestres, ciclistas, motoristas e passageiros de ônibus, temos seguidos dias de mudanças mal feitas, estúpidas e que pioraram, muito, a vida de todos.

Por fim, lamento ainda mais que a região do entorno do Mercado Municipal, histórica e tão bonita tenha sido atingida pelo descaso e ignorância dessa gente que “cuida” do trânsito de Joinville. Temos construções históricas por aqui, além do Mercado, a História de Joinville passa por este bairro, com o Moinho (que já foi promessa de centro cultural e hoje está na mira de um empreendimento que o transformará em shopping e hotel)
principalmente, o famoso Porto do Bucarein – a herança que não é alemã nem de enxaiméis, e tão desconhecida do povo joinvilense. Nego a chegada das “modernidades”? Não. Mas repreendo a consciência retrógrada de não preservar o que há de histórico, cultural e bonito na cidade – ainda mais em detrimento de especulações imobiliárias e falta total de planejamento.

            Falei da avenida Dr. Paulo Medeiros, da Prefeitura até o cruzamento do Museu do Sambaqui (coisa de mais de 600m, somando-se os 440m do corredor de ônibus, temos um quilômetro de via de mão dupla) que hoje permanece vazia e inutilizada? Não passa ônibus, nem carro, nem nada – só o pessoal de fora que não compreende (com razão) o trânsito. Mais uma consequência de um ato impensado e que tem gerado problemas e gastos sem resultar em nenhuma melhoria.


Primeira cidade do mundo que tem avenida de pista dupla
 no centro da cidade exclusiva para cachorros!


Uma dica para quem fez todo este absurdo: anos atrás havia uma rotatória no cruzamento da Abdon Batista com Procópio/Medeiros permitindo o acesso ao Leste da cidade. Simples conversão à esquerda na Medeiros (no mesmo cruzamento) para o Boa Vista resolveria o atraso dos ônibus que ficavam presos na Itajaí. E outra, que vale ouro: planejamento, estudo e ouvir a população que se beneficiará ou será prejudicada pelas mudanças.



Fahya Kury Cassins É Professora e escritora.


10 comentários:

  1. Penso não haver nada a acrescentar. O retrato foi pintado com maestria por Fahya Cassins, essa jovem e talentosa escritora que com uma pena ácida e mordaz, vem expondo sem anestesia as feridas ocultas da nossa peculiar sociedade. Dentre elas as imbecilidades cometidas pelos "gênios" que administram ditatorialmente o nosso dia a dia.
    Isso não é de hoje. Essas "genialidades", notadamente as do ippuj, vem nos sendo impostas ha muito tempo, ora em doses homeopáticas, ora em overdoses.
    Ao se aproximar o fim do governo Udo, prepararam, a exemplo dos cursos acadêmicos, uma espécie de TCC com o qual presentearam a população joinvilense.
    Assumindo a ótica distorcida deles, pode-se dizer que foi um trabalho magnífico. Esmeraram-se ao máximo e merecem conceito "A" do seu chefe, que sempre os aplaudiu e continua aplaudindo.

    Minha esperança, como cidadão joinvilense, é a de que não estejam preparando uma pós graduação, quiçá um mestrado ou até um doutorado.
    Topete pra isso eles tem, mas penso que Joinville não aguentaria.

    A grande banca examinadora se reunirá em outubro desse ano. Todos nós faremos parte dela, e seremos responsáveis pela continuidade dessas ações "geniais".
    É isso que queremos? Vamos permitir que passem de ano?
    Parabéns Fahya! Parabéns Jordi!

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    1. Nelson, querido, vou dar print, imprimir e colar aqui na parede, viu?
      Exatamente, quando divulguei o texto no Facebook, fiz questão de comentar "se você ainda não foi atingido pelas mudanças estúpidas do IPPUJ, certeza que será". Tenho certeza que farão coisas ainda piores. E fiquei de cara ao saber que sobre mudanças aqui perto (no Guanabara) estão em contato com a comunidade e tal. Vai entender!

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  2. A solução para mover-se na cidade será andando, pedalando e no interior de veículos coletivos. Será assim, ou mudamos a cidade deixando espaço apenas para ruas e estacionamentos. Essa mudança para o futuro além de planejada e com garantia de investimentos para mobilidade e acessibilidade deve ser pactuada com a sociedade. O rol de ferramentas para pactuação estão no Estatuto da Cidade, no Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável do Município de Joinville e outros instrumentos de construção urbanístico ambiental da cidade de direito e na garantia da função social da propriedade. Neste contexto de "imbróglio" onde esta o Estudo de Impacto de Vizinhança - EIV, que o ente público exige de empreendimentos privados?

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    1. Pois é, Arno. Ninguém da região foi consultado. Se as cidades do futuro serão desfrutadas a pé, de bicicleta e em ônibus, Joinville está na contramão do futuro (no caso do Mercado, até as nossas famosas (e das quais nos orgulhamos) largas calçadas foram removidas para... dar vazão aos carros.

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  3. A impressão que dá é que a prefeitura quer destruir o pouco de conceito sobre mobilidade urbana que a população joinvilense tem fazendo obras tão ruins, a intenção foi boa, mas a obra não. Foi a mesma coisa na Getúlio Vargas, o tão desejado corredor não saiu da forma que pensávamos, assim cono no Binário do Iririú. Penso que é melhor a atual gestão parar de fazer essas obras e deixar pra próxima fazer, tenho certeza que pior que essas feitas não ficam.

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    1. Como dizem, Diego, de boas intenções o inferno está cheio, né? Há uma meta de tantos km de faixas exclusivas de ônibus que eles têm que atingir. Na falta de tempo e vontade, jogam esses absurdos na nossa cara. Meu desalento com o corredor da Getúlio foi enorme também.

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  4. Citando a própria autora, percebemos que ela nunca andou de ônibus. Menospreza os joinvilenses que mais circulam e trabalham no centro. Quanta arrogância! : "Entendo que os tantos passageiros que usam as linhas favorecidas pela mudança estejam contentes. Mas, afinal, quantas são essas pessoas? Justificam todo o imbróglio?" Justificam, minha cara. Não há imbróglio, apenas o tempo para todos se acostumarem ao novo fluxo, tal qual ocorreu à época da instalação do Binário do Iririu e suas atuais mudanças para melhorar o trânsito. Saia do seu carro com ar condicionado e sinta a realidade. A cidade luta para avançar e tem que ouvir este tipo de comentário infeliz e egoísta. Triste.

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    1. De fato a frase foi muito infeliz...

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    2. Bem, vou começar por duas coisas simples que saem do mesmo lugar: Educação. Por educação, aquela que a gente aprende com os pais, em casa, não devemos sair por aí falando de quem não conhecemos (coisa que o moço fez) para não correr o risco que falar bobagens e errar (coisa que, também, o moço fez). Mas, a internet anda cheia desse tipo de coisa. Como o moço não me conhece, não sabe nada de mim, listou adjetivos e frases vazias e erradas. Segundo ponto, é a falácia decorrente. Falácia a gente aprende na escola. Assim, o moço escorregou para a falácia ad hominem para tentar me atacar e não contra-argumentar o texto. Mas, enfim, a gente sabe que Educação é ruim no país.
      Sobre os fatos e argumentos: era um artigo, não uma tese, nem escreveria dúzias de páginas porque mal seriam lidas.
      Pois bem, cito o exemplo dos ônibus que vêm do Sul da cidade. Não apenas no horário das 18h, mas principalmente no horário da manhã, ficam, ainda, parados nas filas decorrentes da cagada que foi feita no entorno. Cito, inclusive, os motoristas que têm, para evitar a fila, entrado pelas laterais da Procópio Gomes - inclusive deixando usuários fora dos pontos. Porque motorista de ônibus em Joinville fura sinal em cruzamentos perigosos, está nem aí em deixar fora do ponto e só se preocupa com o seu horário. As laterias da Procópio, aliás, nem são apropriadas para ônibus e eles têm passado sem a devida perícia que lhes é comum em ruas cheias de estudantes e ao lado de lares de crianças e idosos.
      E sério que 400m de faixa de ônibus justifica parar uma via Sul-Norte de pista dupla? Bem, aí de fato discordamos. Não é só "se acostumar", é ser o típico bundão acomodado (no que o joinvilense é exímio). Então devemos sentar nos imundos, caros e ultrapassados ônibus da cidade e esperar que nos acostumemos com as barbaridades que fazem com o nosso dinheiro. Ah, sim! Brilhante. Senti, aqui, falta de argumento. Como citado pelo Diego, esperamos ansiosos pelo corredor da Getúlio. Saiu uma porcaria, que não é corredor de ônibus nem aqui nem em lugar nenhum. E? Ah, vamos nos acostumar. Binário do Iririú é pavoroso em todos os sentidos, principalmente na segurança dos pedestres. Ah, mas já nos acostumamos, dá nada!
      Todas as linhas Sul-Norte que passam pela região foram prejudicadas. As mesmas linhas quando vêm pela Aubé sentido centro agora enfrentam uma quantidade dobrada de fluxo, pois não contentes em esvaziar uma avenida eles duplicaram as filas que já existiam na região do Tênis Clube e da Prefeitura. É pouco? Justifica melhorar num único horário determinadas linhas em detrimento de tantas outras em vários horários e, ainda, usuários de carros.
      Sim. Além da sua infelicidade em retratar quem anda de carro. Moço, talvez você não saiba, mas há uma infinidade de pessoas que andam de carro e não caem neste teu estereótipo. Pessoas idosas. Pessoas com problemas de saúde. Cadeirantes. Profissionais que dependem do carro. Uma cidade "avançada" (não é o caso de Joinville, que, aliás, nem entrou nesta luta) pensa no todo, em todas as necessidades.

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    3. O fato é que esses protótipos de corredores de ônibus que Joinville tenta há anos implantar não funcionam. Porque corredor de ônibus precisa de planejamento e investimento. Cito os exemplos de Curitiba, São Paulo e Bogotá – cidades grandes, claro, coisa que Joinville não é, mas dizem que um dia será. Sabe qual a parte difícil? Tem que pensar e colocar dinheiro na realização. Como o joinvilense é acomodado e acostumado, vão lá e fazem qualquer bobagem e sabem que ficará por isso mesmo. Continuaremos a andar em ônibus sujos, cheios, com poucos horários, velhos e desconfortáveis. E criticando quem tem carro.
      Nada foi feito com planejamento. É a minha maior crítica. Nada justifica inutilizar uma avenida de pista dupla de tamanha importância. O que fazem em Joinville não é corredor de ônibus. E, também, o joinvilense não respeita-o. Só ver o que fazem na João Colin e na JK, por exemplo. Para fazer verdadeiros corredores de ônibus precisamos de bons profissionais, meter a mão no bolso e mãos à obra: abrir ruas, fazer canaletas, priorizar o transporte coletivo. Sinceramente, não é o caso. Essas “obras” não passam de histórias da carochinha para joinvilense dormir. Eis a realidade.
      E bem se vê que de três frases os leitores não alcançaram o todo do problema que se tornou o entorno do Mercado. Onde, por sinal, já foram feitas, décadas atrás, mudanças profundas e muito eficazes.

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